terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Algodão Doce


Somos nuvens.
Mesmo querendo ser o vento, esse que nos arrasta e nos tinge de nanquim, e nos derruba em forma de temporal.
Somos leves e brancas, densas e escuras, levadas pela vontade que assopra e nos desmancha na hora de sermos alimento à uma boa colheita, salvação para a dureza e aridez da terra.
O sopro que vem de cima e nos movimenta.
O sopro que decide quando tudo começa, acaba e ressurge de outra forma.
O sopro que nos faz água, vapor ou suavidade.
Que nos faz fúria, rendição e tempestade.
A vida é um sopro qualquer.
Que carrega, que movimenta.
Que faz crescer, entumescer, desabar, liquefazer.
Que faz cavalos e bichos engraçados no céu, onde dedinhos gorduchos descobrem unicórnios e boquinhas diminutas tentam abocanhar um pedaço de algum doce que nunca existiu.
Somos nuvens.
E sonhos.
E furacões.
Tsunamis.
Resguardo do sol escaldante.
Alívio.
Brevidade no existir.
Porque esse vento todo nos movimenta.
Nos cria, nos mata, nos ressuscita.
Mesmo sem compreendermos.
O sopro Dele.
Que nos faz tão escuros quanto a noite.
E tão claros quanto um algodão doce.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O tempo de tudo acontecer


Exatamente há um ano tive uma lesão no pé chamada fascite plantar. Atingiu apenas o canto direito do meu calcanhar esquerdo.
Viciada em exercícios, tive que conviver com a consequência do exagero e com uma dor de ver estrelas, principalmente ao levantar da cama, de manhã.
Remédio, muito gelo, alongamentos e fisioterapia.
Ah, e interrupção de qualquer exercício de impacto. Logo eu, a rainha do Bate Pé no Chão, louca por corrida e tênis.
Como não me entrego às dificuldades, fui pra bike, pro transport, mantive a musculação e descobri que nada é insubstituível nesse mundo.
Aos poucos, fui conversando com o meu corpo e entendendo o que a dor quis me dizer.
Aos poucos, voltei a correr e, um dia (um pouco antes do que eu deveria), voltei à jogar.
No meio da partida meu pé gritou, furioso por eu colocar as prioridades da minha mente acima das do meu corpo e, ressentida, deixei a raquete pegar todo o pó que merecia.
O tênis, esporte que foi o meu primeiro esporte, me traiu.
Recuperei novamente a saúde do meu pé, voltei à correr, mas nunca mais joguei, mesmo curada.
Por que? Porque o tênis foi desligado de dentro de mim. 
Fiquei com medo, fiquei frustrada, fiquei triste e o tempo dele existir foi tirar umas férias (curtas ou eternas) em um lugar qualquer.
As pessoas me cobravam, diziam "que pena, uma jogadora tão boa", me convidavam, eu declinava. 
Eu sabia que não sentiria mais dor, mas apenas não queria mais jogar.
Assim como sabemos que podemos voltar para coisas e pessoas que, de um modo ou de outro, nos provocaram dor, mas simplesmente não podemos mais.
Não por enquanto.
Passamos a olhar com estranheza aquele momento que fomos aquilo que não queremos mais ser.
E mesmo ainda tendo amor, sabemos que se nos forçarmos, seja por imposição nossa ou de outros, podemos até não nos machucar, mas não vamos dar e receber o melhor daquilo que ainda não está no tempo de acontecer.
O nosso tempo.
Hoje, depois de uma noite de sonhos com raquetes e saques, tive vontade de jogar.
Muita, irrefreável.
Fui.
Joguei mal, suei muito, ri e fiquei brava com os meus erros.
Mas a dor não deu sinal de um dia ter, sequer, existido.
Estou pronta de novo.
Sempre estamos prontos para retroceder, perdoar, recomeçar, terminar, iniciar.
Mas é apenas o nosso tempo que vai dizer.
O tempo de tudo acontecer.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Cresça


Adoro viver o meu lado criança, colecionando bonecas, rolando no chão com meus bichos, vendo filme de medo, dormindo até mais tarde, esperando ansiosa por um presente, chorando e querendo consolo.
Porém, o lado criança, que ando vendo muito ultimamente, que se recusa à ter obrigações chatas, que se frustra com contratempos e que se enfurece com as contrariedades, desse passo longe.
Me recuso aceitar quem enxerga a felicidade como um corda retesada, imaculada e reta, pois a felicidade está mais para nuvens de uma poeira brilhante que vivem oscilando à nossa volta, subindo, descendo, onde, vez ou outra, é preciso ficar na ponta dos pés para alcançá-las e poder aspirar o seu cheiro doce.
Adultos podem e devem brincar, mas têm a obrigação de saber que a vida não é brincadeira.
Não tolero que o bom humor seja uma consequência do Tudo Dando Certo, muito pelo contrário.
O bom humor é uma resposta certa à questões dolorosas, pois só ele faz com que seja tolerável os anos letivos nessa escola difícil e dura.
É muito fácil ser o Camarada Sorriso quando se está de férias em Cancún, mandando ver na tequila, no sol, nas compras e no corpo à corpo com o parceiro de viagem.
Muito fácil, mas nada por aqui é fácil.
As flores podem se dar ao luxo de viver conforme as estações, nós não. A perenidade da nossa força não pode depender das amenidades do clima.
Gente baixo astral, pessimista, agourenta, briguenta e amarga, me enfurece.
Mimados, então, passo reto.
Deus sabe o que passei nessa vida e eu sei que eu poderia ter sido muito pior do que sou, apesar de saber que também poderia me esforçar mais para melhorar tudo que ainda tenho em dívida.
Mas acredito no melhor.
Nos piores momentos.
Não sou o Rambo, mas tento evitar, com um sorriso, as explosões no meu pé.
Os ventos fortes tremulam as minhas águas.
Mas não deixo que o meu oceano interior seque.
Tenho a chuva, tenho o sol, as calmarias, a brisa.
Não é um vento que vai me esvaziar.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Ando Mudando Ultimamente


A mudança de tudo que existe, principalmente de sentimentos, é uma das coisas, ao meu ver, mais fascinantes que existe.
A vida é muito Louca Varrida para que a gente não se transmute.
Afinal, fomos aquelas coisinhas rosadas e medonhas que saíram de um outro corpo, feito Aliens, tão puros quanto bebês focas.
Depois, se empunharmos armas e tirarmos vidas, se cuspirmos no seio que nos alimentou ou nos tornarmos tão rosados e medonhos, mas não da mesma forma, tudo isso deve-se à mudança, essa palavrinha fantástica que pode ser tão maravilhosa quanto maléfica.
Darwin já defendia essa coisa toda que evoluí espécies, mas que adora trabalhar com a sua melhor aliada.
A dor.
Só se muda quando algum calo começa a apertar no sapato.
Ou quando tudo o que nos cerca modifica e temos ou queremos fazer parte desse ato contínuo de existir com nuances e não com o absoluto de ser sempre igual e estático.
Até porque não somos iguais nunca, a partir do momento que temos o nosso traseiro nu exposto ao mundo. 
Pois bem, nesse decorrer de muitas décadas, mudei várias vezes.
E o mais bonito é que só me dei conta da mudança quando espiei o passado e me estranhei, farejando um cheiro que se parecia muito comigo, com alguém que não sou agora.
Precisava tirar férias em lugares quase selvagens para poder, da janela do meu quarto, ver a brisa sacudir as copas das árvores.
Tenho as copas das árvores dançando para mim em cada abrir de janela da minha casa.
Minhas férias agora são outras.
Meus desejos também.
Tenho outras necessidades, outros gostos, outro corpo, outros cabelos.
O meu mundo mudou e não sou a mesma faz algumas horas.
E não sei o que serei nas próximas.
Depende do calo, do sapato, de tudo que me aperta e modela.
Depende da impetuosidade do formão que ajusta as minhas asperezas.
Essas cascas todas que calejaram nossas almas.
Almas.
Elas mesmas.
A única coisa, nessa vida, que não muda.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Capricho


Tinha muita coisa triste naquela organização de pratos dela.
Todas as noites ela alinhava a louça, estampada com diminutas flores, em cima da toalha rendada, comprada em uma remota viagem à Fortaleza.
Tudo aos pares.
As facas de manteiga, as colheres de chá, as xícaras com facetas e alças torneadas.
Uma organização noturna para uma manhã previsivelmente sossegada, onde ambos desfrutariam de jornais, torradas e café.
Ela saberia a quantidade certa de leite na xícara dele, a temperatura ideal, o limite de dourar o pão.
Sabia que acusações veladas surgiriam entre uma mordida e um gole.
Enxergava, enquanto pousava cada item no seu devido lugar, o olhar que receberia por trás de uma cortina de líquido fumegante.
Ela havia se acostumado a existir no tilintar de talheres, no cheiro de roupa lavada, nas golas engomadas e no frigir do alho impregnando o ar com cheiro de aconchego.
Havia se acostumado a sorver alegria sem ter escolhido a forma de alegrar-se.
Estaria tudo certo enquanto tudo estivesse imaculadamente limpo e organizado.
Estaria tudo certo enquanto cada partícula de pó removida tivesse o gosto de alguma coisa perdida para sempre.
Porque tinha muita coisa triste naquela forma silenciosa dela gritar.
Naquela mania de checar, inúmeras vezes, a fechadura da porta.
Estava tudo certo na mesa do café da manhã.
Do almoço.
Do jantar.
A casa estava um brinco, as janelas alvas, o chão brilhando.
Tudo no seu devido lugar.
Dentro dela nada poderia ser encontrado.
Tudo  havia desaparecido atrás da sujeira, bagunça e nojeira à que ela havia se submetido.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Por favor, me traz um duplo?


Se é coisa que gosto à beça é observar a vida. 
Que tipo?
Animal, mineral, vegetal, selvagem, doméstica?
Todas.
Gosto tanto de observar quanto de escrever e essas duas coisas andam de mãos dadas, pois, mais cedo ou mais tarde, escrevo sobre tudo que vejo.
Os garçons me dão um prato cheio.
De comida e de palavras.
Adoro a maneira como eles interpretam e conceituam os seus clientes através dos pedidos.
Sento com uma amiga em uma mesa de bar para um alegre happy hour.
Ela, mais exuberante, mais alta, mais bonita.
Eu, sacudindo os pés no ar por não ter a constituição certa para um banquinho.
Fazemos o pedido.
Tudo que for mais apimentado, mais alcoólico e mais quente vai parar na frente dela e como gosto de tudo que é mais apimentado, mais alcoólico e mais quente vamos, invariavelmente, ficar trocando os nossos itens na mesa.
"Nanica metida à forte, essa" é o que diz o olhar do moço quando ele vem recolher os esqueletos.
Com uma companhia masculina, então, rolo de rir já antecipando o preconceito dos meninos (e meninas, pasmem!) estampado na entrega dos comes e bebes.
Limonada Suíça? 
Aterriza na minha frente, mas era pra ser na dele.
Café expresso vai pra ele, mas era pra mim.
Salada?
Eu.
Massa de montão?
Ele.
Um chope para ajudar na digestão do imenso prato de macarrão?
Ele.
E dá-lhe troca, troca.
Dá licença?
Tem mulher que dirige pra caramba, dorme depois do sexo, bebe whisky sem gelo, pilota jato, preside empresa e, de quebra, chora nos desenhos da Disney. Gosta de flores na roupa e na casa, cozinha para quem ama.
Tem homem que faz as compras do supermercado, adora escolher os vestidos da amada, cuida das crianças, chora em filmes românticos, gosta de conversar depois do sexo e, de quebra, abre a porta para elas entrarem.
É, perguntar não custa nada.
Esperar pelo improvável é difícil.
Aceitar o diferente, o pouco comum, é quase impossível.
Está na hora de abrir um pouco os olhos.
Não apenas vocês, queridos garçons.
Nós.
Antes de nos acostumarmos aos padrões, ao esmagamento e às limitações da sociedade.
Essa mesma que anda em fila feito bois indo para o abate.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Minhas Mulheres


Não amo todas as mulheres da minha vida, mas amo, sem reservas, as duas que moraram dentro mim por um tempo.
Elas encabeçam a lista de agradecimentos e pedidos nas minhas orações, me deram um sentido real à existência, fazem eu rir em proporções imensamente maiores do que chorar. E, se choro, não choro por mim, choro por elas.
São a bússola da minha jornada.
São parceiras neste tão complicado existir feminino.
Porque ser mulher não é nada fácil e ser mãe de mulher exige um diploma a mais na carreira da vida.
Como animais que somos, estamos sujeitos à um certo nível de competitividade quando se trata de dividir o Todo com um sujeito do mesmo sexo.
Não chegamos ao ponto (ainda) de mostrar os dentes ou delimitar território com a urina, mas temos (e como) diversas formas de marcar a nossa presença nessa luta pela continuidade.
E a luta acontece dentro da nossa casa justamente para que possamos aprender com os erros e acertos dos nossos pais.
A repudiá-los e não copiá-los ou nos servir de exemplo.
Muitas vezes, nessa batalha surge a doença - e haja mãe competitiva, invejosa e sabotadora - mas não sendo eu uma doutora na área da mente, me abstenho de desenvolver este assunto que rende, no mínimo, um livro.
Falo daquela corda bamba em que todas as mães andam, mas que às mães de mulheres foi acrescentado uma malabarismo extra com bolinhas coloridas.
Seria muito relevante para a saúde mental mundial que todas as mães de meninas entendessem que estão lidando com elas mesmas, em todas as fases do seu próprio desenvolvimento.
Vamos, todas reunidas, entrar na TPM. Vamos querer proteção, abraços e beijos. Vamos nos ressentir mais com palavras não pensadas. Vamos nos reunir para não entender os homens e nos reunir para acusar as nossas próprias fraquezas.Vamos nos sentir mais responsáveis e também mais injustiçadas. 
E vamos sentir tudo isso, de preferência, ao mesmo tempo. Cada qual no seu papel, que fique claro.
Uma casa com filhas mulheres tem muito mais gritaria, histeria, choradeira.
Mas também tem mais beijo, abraço, pedidos de desculpas, lágrimas de remorso, a consciência da dor profunda e bonita de existir.
E pilhas de absorventes nos armários da dispensa.
Filhas mulheres não pensam que suas mães são como as heroínas de contos de fadas porque, diferente dos homens, sabem que todos os atos heroicos que realizamos, todos os dias, são parte do cenário.
Filhas mulheres criticam a nossa roupa, mas nos ajudam na produção espetacular para uma festa de fim de semana.
Dizem que a gente enche o saco com um sorriso nos lábios, pois encher o saco está inserido no contexto feminino e elas sabem.
Uma mãe de menina, penso, sempre entenderá melhor uma outra mulher.
Entenderá mais que uma vida plena não depende só da plenitude no trabalho, no dinheiro, na construção ávida e focada do futuro.
Saberá mais sobre sentimentos.
E o quanto eles orientam as nossas vidas.
A dos outros.
Obrigada, filhas.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lições


A nossa felicidade jamais pode sacrificar a felicidade alheia. Jamais.
Se precisarmos esmaecer a alegria de viver do outro, para que a nossa possa reluzir feito sol de verão, estamos fabricando a felicidade errada.
E, se não nos importarmos em impor sacrifícios em prol de nossos interesses, os nossos valores estão equivocados.
Uma Yuka, certa vez, me ensinou muito sobre egoísmo.
Sim, aquela frondosa planta de tronco rugoso e folhas lineares e eretas que se projetam como espadas verdes, apontando para o céu, em forma de roseta.
Um dos meus grandes prazeres é degustar o espetáculo que um pequeno jardim pode proporcionar, todos os dias.
O meu coração se enche de alegria ao ver o incessante desfolhar, brotar, renascer, farfalhar das vidas que são silêncio e arrebatamento.
As plantas nos dizem muito sobre elas mesmas em seus diversos ciclos e fases.
Sentar e olhar para o jardim, sempre foi uma maneira de eu restaurar forças.
Principalmente, admirar uma das plantas mais enérgicas ao crescer, impetuosas ao florescer e fortes ao existir.
A Yuka.
A cada primavera ela aumentava, crescia, espalhava brotos pelo caule grosso, se jogava ao sol e ao vento com a coragem que não temos.
Resistente, verdejava depois dos temporais, se tornando mais linda e saudável.
Olhar para ela me fazia um bem tão enorme que a coloquei (com a ajuda de várias mãos) dentro de casa, para poder melhor desfrutar do meu contentamento.
A primeira folha a cair foi a primeira palavra não dita de que as coisas não iam bem.
Fingi não me preocupar, afinal eu sabia que Yukas podem viver dentro de casa.
Ela não gritou na forma de um desfolhamento histérico, nem curvou o tronco rijo em protesto. Não morreu, não sucumbiu.
Mas perdeu a exuberância no existir.
Se contentou com a privação, continuando viva.
Mas jamais tão bela.
Eu tinha a alegria de vê-la mais, mas a tristeza de vê-la sendo apenas uma parte do que era.
Um dia, incandescida pela consciência do quão egoísta eu havia sido, arrastei-a sozinha para a rua. 
Com remorso, vi  o ressurgimento lento da sua alegria.
Pois a recuperação foi lenta, como ensinamento daquelas coisas que os homens nunca nos ensinam.
Enquanto escrevo, posso vê-la pela janela, sendo o que sempre foi.
Brilhando em um dia de sol.
Na rua.
Como uma Yuka deve viver.
Sem os caprichos de quem a alimenta.
E a ama.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Café


Ele estava recém separado e andava no mercado das saias, por assim dizer.
Circulava pelas redes de relacionamento como lobo no inverno, farejando.
Até que a encontrou.
Ela, antiga namoradinha do colégio, mãos dadas e selinho eram as memórias amorosas de ambos.
O perfil dela no Facebook era aberto ao público e ele pôde dar uma boa conferida no que o tempo tinha feito com as suas curvas.
Nada mal, nada mal mesmo, inclusive ele, o tempo, tinha talhado melhor certas redondezas da carne.
Rosto ainda agradável, cabelos ainda compridos, olhos ainda com o brilho e a esperteza de olhos de corsa.
Tudo Ainda, exceto um pequeno detalhe.
A solteirice.
Era casada e bem casada, diziam as fotos de seus diversos álbuns virtuais.
Mas, conversar com ex pode, não pode?
Ainda mais (principalmente por isso) quando o passado foi tão pueril e as coisas foram suaves, os toques e os beijos brandos.
Ele começou devagar.
Um convite para amizade aceito.
Curtidas, comentários pertinentes (nas fotos dos filhos e do casal), risadinhas kkkkk e silêncio na hora certa.
Ela, depois de tanto tempo, ficou curiosa por saber o que ele, o tempo, tinha feito com ele, o ex.
Mas diferente dele, o ex, ela queria saber se ele estava feliz, casado, com filhos, realizado nessa vida de anos que passam demais.
Uma amizade virtual sem riscos.
Para ela, pois ele ia devagar, mas focado no que viria a seguir.
E o que veio a seguir, foram mensagens inbox, com comentários mais íntimos e curtidas mais escancaradas do que aquela mãozinha de polegar para cima.
Os kkkk viraram carinhas sorridentes, carinhas com os olhos feito corações, bichinhos fofos, carícias subliminares.
Para ela, o limite tinha dado o ar da sua graça, faça-me o favor, e era feliz, muito feliz para riscar fora da caixa.
Para ele, mais um passo dado, mais uma pegada na neve que se aproximava de outra pegada mais frágil e arredia.
O ex não entendeu que a ex estava sendo condescendente nos saltitos de macho alfa dele, mas que, não senhor, não era uma abertura da toca e um convite ao banquete do lobo.
Ele, já sentindo o cheiro fresco da carne, resolveu mostrar os dentes e salivar um pouco mais, afinal, antecipava a sensação gostosa de uma barriga cheia.
A convidou para um café.
Todo mundo sabe que um café desfrutado por um homem solteiro (e na caça) e uma mulher casada (e com a intenção de permanecer casada) coisa boa não há de ser.
Ela não era nenhuma debutante e ele nenhum puxador de barbante com um caminhãozinho na outra extremidade, portanto ele fez o convite, acrescentando um porém, no final, para tudo ficar menos óbvio.
"Vamos tomar um café? Sem compromisso."
Ela odiou esse convite que fingia ser o que não era.
"Sem compromisso" significava o que, homem de fé? Sem necessidade de coito iminente pós café? Sem necessidade de pagar a conta? Sem horário marcado? Sem casamento marcado para dois dias depois? 
Já cansada de tanto assédio disfarçado, ela resolveu marcar o café.
Ele lambeu os beiços. Colocou a melhor roupa, borrifou o melhor perfume no peito, lascou uma pomada nos cabelos e no dia e hora marcados foi, cantarolando Cat Stevens enquanto dirigia o seu Mercedes 270 financiado.
Esperou por duas horas, tomou quatro cafés, esculhambou o cabelo com pomada (de tanto esfregá-lo sofregamente), pagou a conta, foi embora e riscou ela da sua lista de amigos no Facebook.
Partiu para um próximo ataque, fazer o que?
Ela, aliviada, no final das contas até que desfrutou do Café sem Compromisso.
Sem Compromisso de Aparecer.




domingo, 16 de novembro de 2014

Minhas Pontes


Deixo para atravessar cada ponte quando ela aparece na minha frente.
Assim mesmo.
Não planejo muito nessa vida.
Não sou de sentar com as pernas cruzadas, no chão, e colocar no colo planilhas e mapas que sirvam para facilitar o meu percurso.
Simplesmente vou.
Não postergo a felicidade, nem antecipo a devastação de um Tsunami iminente. Quando ele chegar, vou estar de pé, deitada ou seja lá como for e recolherei os meus cacos depois. 
Trago a felicidade de baixo do braço, na forma de luzinhas de Natal, de deslizar os pés em um tapete felpudo, de enfiar o meu nariz no pescoço de cheiro familiar.
Aquela viagem, aquelas férias, aquele bônus ou encontro serão alegria no momento de acontecerem e, enquanto isso, a minha vida tem que ter graça como deve ter graça a segunda feira e não somente os finais de semana.
Se não tiverem, arrumo uma forma para terem.
Não vivo de sonhos belos e distantes, vivo de pequenas fantasias que visto no meu dia a dia, trazendo um pouco de irreverência à sisudez do tic tac do relógio que não pára.
Certa vez, confessei meus pequenos prazeres em estar viva à uma pessoa que me ouvia. Quando terminei, ela me olhou em silêncio por um tempo e depois disse que eu me contentava com muito pouco.
Pensei, depois disso, se eu seria mais feliz comandando um monte de funcionários, dirigindo uma empresa. Se eu seria mais feliz distribuindo autógrafos, fechando grandes negócios, arrematando obras de arte.
Apenas pensei, pois não era nada disso que eu queria fazer no momento e se cheguei aonde estou, estando feliz com o que consegui, não vou perder tempo elaborando como seria um momento que não vivi.
O hoje é hoje.
O amanhã é uma ponte que ainda não chegou e quando chegar, vou atravessar.
Assim mesmo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sombras


Ele encontrou-o assim.
No meio de um nada existencial.
Em meio à dor da miserabilidade humana.
Respirando.
Mas com a cabeça submersa.
Sentado no breu da noite.
Rindo de dois cães esquálidos que se divertiam torturando um ratinho branco, daqueles de laboratório.
O visitante não se surpreendeu com a crueldade, pois já tinha visto coisas piores.
Não se surpreendeu tampouco quando o homem vestido de escuro, arremessou um dos cães contra o muro.
Apenas tratou de acariciar cada costela intacta, silenciando o ganido mais de tristeza do que de dor.
Esse, o visitante levaria mais rápido, o abrigaria ainda cedo e faria dele, e de muitos outros iguais, uma ausência de choro.
Mas não ainda, eles teriam que suportar mais um pouco.
Já o homem, ele acompanharia por muito tempo.
E veria ele virar camundongo em cada tortura impelida por tantos, veria ele ser arremessado diversas vezes contra paredes e muros.
Veria os seus passos sulcando o chão com pisadas de piche, mas sem rastros, nem marcas.
O agasalharia no frio extremo, mas apenas o suficiente para não permitir que ele descansasse.
Não era tempo de descansar, mas de entender.
E se o entendimento e a compreensão não viessem, o visitante viajaria sozinho.
Se a mão que ele pousava no ombro não restaurasse as fissuras, não consertasse as rachaduras, ele partiria sem companhia.
E o encontro deles não seria breve.
Mas, um dia, o homem olhou para a mão que não enxergava.
Mas enxergou o que sentia.
O que era.
Chorou com o peso de existir na crença de não crer em nada.
E cansado, arrependido, restaurado.
Partiu.
Não sozinho.
Pois ninguém parte sozinho.
Apenas os que não conseguem ver além da escuridão.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sexo e Felicidade


Essa onda de peladas me faz pensar.
Muitos acham o máximo essa demostração de pura liberdade, outros criticam a falta de controle dessa liberdade exacerbada de expressão.
Eu penso.
A sexualidade e suas façanhas...
O normal, principalmente aqui no Brazil, é se pensar que se é plenamente feliz quando se transa muito (conclui-se que crianças e idosos são seres profundamente infelizes).
Se fosse assim, as profissionais do sexo seriam as mulheres mais realizadas do mundo.
Mas essa lenda (e muitas outras ligadas à ela) persiste e é justamente por isso que ninguém mais quer envelhecer, pois a velhice representa a ausência total de sexo (com raras exceções.)
Mulheres e homens felizes são aqueles com todas as características de bons e perenes amantes, que incluí muitos músculos, muito bronze, muito cabelo comprido (nas mulheres, claro), muita grana (para eles ainda, claro) pro motel com espumante, muita roupa provocante, de grife, pouca gordura corporal no mesmo índice de bom papo e inteligência, porque não é bem o que interessa.
Estamos na era das quantidades.
De curtidas, de grana, de fãs, de "amigos".
E de sexo.
"Quantos você pegou?"
Já ouvi esta frase sair da boca de meninas e meninos que recém deixaram o babador sujo de caldinho de feijão, para ser lavado na máquina de suas mamães.
E, que fique claro, ouvi há muitos anos, dirigindo o meu carro na madrugada, ao ser a carona da hora depois de uma festa de pirralhos.
É boa a liberdade conquistada de transar cedo, muito, em lugares inusitados? A liberdade de transar por transar, de fazer número, de exibir os seus atributos sexuais ao bel prazer? 
Pode ser que sim.
Mas é mais feliz quem o faz?
Absolutamente não.
Assim como nem sempre os mais prefeitos anatomicamente são os melhores de cama, assim como os gordinhos e os feios são furacões sexuais (ah, não sabia, inocente?).
Assim como quantidade não tem nadica de nada a ver com qualidade.
Assim como correr pelada não tem nadica de nada a ver com liberdade.
Mas com desvio de conduta, problemas psíquicos, exibicionismo patológico (ou rentável, sabe-se lá) e por aí vai.
Sexo é bom?
Não.
É maravilhoso.
Mas quando ele foge do propósito, da essência da sua existência e serve como moeda, barganha, chantagem, histeria, mania, auto flagelo, enfim, quando foge da normalidade do simples prazer intenso e da intimidade gostosa entre dois, não é mais saudável, nem bonito.
É doença.
Quando se precisa provar, comprovar, alardear ou provocar é porque a coisa não anda muito boa.
E o que era para ser solução, virou problema.
Que pena.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Ele está indo.


Acredito que as pessoas que me leem pensam que sou triste e furiosa.
Não sou nenhuma coisa, nem outra.
Acredito que as pessoas que me leem pensam que gosto mais de bicho do que de gente.
Uma verdade não absoluta.
Amo as pessoas, mas depois delas debandarem da infância, muitas vezes, elas criam crostas e comportamentos que as distanciam do principal motivo de viver: a vida em si.
E isso me afasta delas.
Os animais são felizes pelo simples fato de estarem vivos, ao contrário de nós, que criamos pontes ao invés de desfrutar de um mergulho.
E não admito o não reconhecimento das bençãos diárias, por isso não tolero que, como forma de agradecimento, as pessoas não se doem ao máximo na tentativa de fazer o certo.
Para elas e para o mundo.
Os animais fazem o certo por instinto, esse que apagamos quando enxergamos um bolso na nossa calça, um pódio lá na frente. Ou, ao contrário, por um pódio ou por um bolso recheado viramos esses seres idiotizados que vivem se auto sabotando.
Os animais me encantam, pois são íntegros do começo ao fim de suas vidas, fazendo o que vieram fazer: preservar a sua espécie. Mas sem ganância, nem fúria. Apenas com as ferramentas que possuem.
E, sim, hoje estou triste.
Escolher viver cercada de animais, como eu, me fez enxergar o quão covardes, fracos e fúteis somos e o quanto exacerbamos os valores errados em prol de um copinho de espumante cara.
Meu cãozinho amado está morrendo.
E, o pior de tudo, tive que escolher a hora dele partir, pois apesar de lutar bravamente, o seu corpinho idoso está se entregando.
Amanhã, depois de todas as possibilidades, vamos nos despedir.
Porque, mesmo ele sendo esse exemplo de coragem, de falta de auto comiseração e de resistência, a infinitude, nesse planeta, não pertence à nenhuma espécie.
É só um cachorro, pelo amor de Deus, muitos pensarão.
Principalmente aqueles que não entendem o que não enxergam.
Essas conexões de vida e de energia, de troca, de vibrações que se escondem nos lugares menos óbvios, pois são para os olhos que só funcionam em sintonia com o coração.
Peter.
Esse Scottish Terrier que briguei em casa, para ter.
Que me deu muito e agora me ensina a ter coragem.
Coragem de não ser egoísta por deixá-lo parar de sofrer.
E corajosa por ajudá-lo à partir.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Não provoca que eu mordo.


Andam me acusando (justamente) de indocilidade.
Sim, senhora, estou passando por uma fase pessoal difícil.
A minha fase pessoal difícil. 
Sem muitos detalhes, pois já escancaro a minha vida o suficiente nessas palavras jogadas no branco de uma folha.
Quem tem sede busca a fonte de água.
Quem está indócil deve procurar a fonte de docilidade.
Onde, cidadão?
Se eu andar quatros passos fora do perímetro da minha casa, onde ainda (graças à Deus) consigo me alimentar de coisas doces como flores, bichos, filhos, ararinhas, sabiás, cheiro de grama molhada e horizonte aberto para o pôr do sol, como encontro essa fonte açucarada para adoçar o meu ranço?
Onde, por favor?
Na boa educação das pessoas? Nas gentilezas diárias?
Nas boas notícias de quem ninguém mais caça, rouba, mata gente, afoga filho, queima floresta? Na política? Na esperança de um país sério e justo?
Onde, por favor?
No altruísmo das pessoas, no excesso de riso e boa vontade?
Falem, pessoas adocicadas, de onde vêm tanta doçura?
E olha que eu tento!
Já me disseram que sou feito bola de borracha que se deforma, mas volta à forma rapidinho quando a pressão afrouxa.
Mas andam tentando espetar coisas afiadas na minha redondeza perene.
Porque fio afiado não falta.
E, para me defender, estou na fase da Jaguatirica, bicho arredio, solitário.
Antes a solidão do que a extinção.
E quem quiser me acusar de ser selvagem e indócil que me dê uma boa razão para ser alimentada pela mão de um homem.
Aquela que afaga e que mata.
E nunca sabemos qual opção será o cardápio do dia.

domingo, 2 de novembro de 2014

Rega Diária


O investimento em uma relação nunca acaba.
Quem pensa que terá uma amizade, um amor ou qualquer outra relação pessoal, investindo pesado na dedicação inicial e esquecendo de manter os cuidados, será alguém de relações que morrem prematuramente.
E o investimento compreende uma série de atitudes que devem ser moldadas, jamais padronizadas, conforme os sujeitos envolvidos neste interlúdio complicado que é a troca de afetos.
A dificuldade nos relacionamentos se dá justamente pela falta da leitura atenta das atitudes que os alimentam e daquelas que põe todo o investimento inicial pelo ralo.
Se tenho uma amiga que precisa se sentir sempre valorizada com pequenos elogios (provavelmente por ter a auto estima abalada) e consigo enxergar essa necessidade, não custa nada eu acariciá-la mostrando o quão bonitos estão os seus cabelos, a sua pele. Não irá me matar se eu, que sempre procuro ser absolutamente sincera, omitir que ela anda com olheiras terríveis, pois sei que essas olheiras não irão passar até o resultado do exame, que ela tanto teme, ficar pronto.
Se tenho um namorado que adora acordar tarde nos fins de semana, não vou ficar aporrinhando com barulhos discretos ( mas bem audíveis) na intenção de ter companhia cedo para o café da manhã. Ou vou adiar esse café para mais tarde.
São pequenos gestos, baseados no que conhecemos do outro, mas que, muitas vezes, por egoísmo, fazemos questão de desconsiderá-los. Ou os consideramos como fazemos com tantas outras coisas relevantes: de vez em quando.
De vez em quando não serve para o bom de uma relação, apenas para o ruim.
De vez em quando podemos ser meio traíras, grossos, chatos, interesseiros, porém, em contrapartida, não podemos ser amáveis, condescendentes, amorosos, interessados, atenciosos com quem amamos, só de vez em quando.
Preservar é se entregar.
Uma linda planta do nosso jardim morre se não lhe dermos água, poda, vitaminas ou terra fértil, exceto pelas mais rudimentares, pois essas não precisam de quase nada, nem de nós mesmos.
Sou um ser que ama conversar.
Sobre tudo, exceto política. Perco o interesse por quem só sabe fazer monólogos e discursos e me alimento da troca verbal tanto quanto da troca física.
Ora, se quem me ama está disposto que eu o ame, custa bater um papinho?
Acho que não.
Quando temos ciência dos fatores relevantes em uma relação, mas não temos saco para investir nas pequenas atitudes, ou estamos loucos que o amor acabe ou somos tão narcísicos ao ponto de nos considerarmos o melhor da relação.
Troca.
Eu lhe dou, você me dá.
A mesma coisa?
Não. Aquilo que nos faz felizes, mesmo que sejam coisas diferentes entre si, mas respeitadas entre ambos.

sábado, 1 de novembro de 2014

A vingança, a retaliação e todos esses prazeres amargos.


Fui ver pela segunda vez o ótimo Relatos Selvagens.
A primeira, seguindo indicação de uma pessoa que admiro e a segunda para levar pela mão quem eu amo, para que possamos dividir as lições que um bom filme ensina.
O enredo é pura vingança.
Selvagem, cega, obcecada. 
Não de ninguém especificamente, mas um basta, uma tentativa de libertação de uma asfixia da vida e de suas injustiças diárias.
Como o clássico Um Dia de Fúria, os atos de raiva não são necessariamente dirigidos à alguém especificamente, à um nome e um endereço, mas à um contexto onde calha de estar um sujeito ou vários, pela frente.
São surtos de cólera bem justificados pela causa, mas desmedidos no teor.
Levante a mão quem nunca teve vontade de descarregar (fantasiosamente) uma AK-47 no vizinho, no marido, na atendente de loja, no motorista retardado, na mãe, no pai ou em todos juntos (exceto e sempre exceto nos filhos, essas pestes que podem tudo)?
O filme trata, comicamente, desses pequenos surtos de cólera.
Se ri muito e se pensa um bocado.
Os atos revolucionários e as guerras são um exemplo de que, de vez em quando, um descontrole faz bem à humanidade.
Se cresce na dor do drama extremo, mas sempre existirão sacrifícios.
Quem se revolta com as injustiças mundanas e resolve arrancar na marra a passividade bovina dos olhos, ganha e perde.
Ganha por fazer outros tantos ganharem através dos seus atos, mas perde porque ninguém, absolutamente ninguém, sai ileso de medidas tão radicais.
Em dois momentos do filme parei de gargalhar para refletir.
Um quando o senhor, na fila dos guichês de um pátio de recolhimento de carros guinchados, conversa com o personagem injustiçado pelo sistema, que teve seu carro injustamente guinchado seguidamente e está prestes à se descontrolar. Ele diz, mais ou menos, isso: "Realmente isso tudo é muito injusto e sabemos que é uma máfia para roubar o nosso dinheiro, mas ou você trabalha um pouco mais e paga ou arrebenta o seu coração de tanta mágoa. Eu tenho muitos motivos para viver, quero velejar com meus netos, viajar."
O outro momento é quando a esposa desse mesmo sujeito, que está prestes à explodir um similar argentino do nosso Detran, lhe fala que a sociedade não vai mudar e ele não vai mudar, portanto está pulando fora do casamento.
E é isso.
É melhor ter razão ou ser feliz?
É melhor engolir alguns, vários sapos, com vinho tinto ou quebrar todos os pratos que fazem parte do nosso jogo de louça?
Ranger os dentes só os torna mais fracos.
Se estamos realmente dispostos à morder, se arrancar sangue de alguma carne é a nossa motivação para continuar à viver, que sejamos realmente selvagens, corajosamente revolucionários, vingativos, justiceiros.
Caso contrário, ficar postando "atos de revolta" no Facebook, ficar ameaçando, reclamando, alertando e enchendo o saco, só servirá para nos tornarmos extremamente chatos.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aberração


O que havia de errado com ele?
Porque algo deveria haver.
Ele que cumprimentava vizinhos com alegria e tinha medo de que as árvores tivessem sede em um verão escaldante e seco.
Ele que devolvia o dinheiro de um engano, no caixa da padaria.
Que agradecia quando recebia uma gentileza, sorria para desconhecidos e procurava ser sempre pontual em seus horários.
Fiel às suas palavras.
O que havia de errado com ele?
Que ainda acreditava no correto, no íntegro.
Ele que se despia de tudo para poder ter a chance de se vestir do outro.
Que chorava ao ver gente atirada nas ruas feito entulho. E estranhava como tantos passavam como se passa por latas de lixo, torcendo o nariz e virando o rosto.
O que havia de errado com ele?
Que feito bola de borracha, se amassava com as dores, para voltar à ser redondo no enfrentamento da vida. 
Ele que olhava mais para as estrelas do que para o chão e por isso, vez ou outra, tropeçava.
Colhia flores para a amada e regava, todos os dias, o coração de quem amava.
Mesmo se estivesse cansado.
Mesmo se soubesse que a maldade ronda e espreita na tentativa de quebrar o sagrado.
O que havia de errado com ele?
Que apesar de tão lindo por dentro não se encaixava no mundo dos homens.
O que havia de errado com ele?
Que não gostava de matar nada e alimentava os sabiás no jardim pequeno, mas repleto de flores.
Que vivia, sentia, amava e acreditava em Deus,  em sonhos e em anjos.
Mas que para todos era como se não tivesse nada.
Pois onde os pés pisam, massacram e pisoteiam, o anormal, o diferente e o selvagem é quem tem asas.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Perdidos no Espaço


Eu tive uma infância bastante feliz.
Os meus problemas começaram simultaneamente à minha necessidade de usar o primeiro sutiã, mas antes disso usei todas as cartas do baralho criança.
As pessoas ainda não haviam sucumbido à total selvageria e a política era algo respeitável e digno, onde as exceções eram as falcatruas e os desvios de dinheiro em benefício próprio. Por isso bandido ainda ia para trás das grades e estuprador sumia no fantástico mundo chamado Traseira de um Camburão.
Então, fui pirralha de pele bronzeada de tanto curtir ao sol, pilotando sozinha, nas calçadas da Mariland, o meu velotrol, ensandecida da energia e da alegria de uma menina de seus cinco anos.
Guardo os cheiros da minha infância como se fossem as minhas mais preciosas jóias e devo às minhas lembranças a maneira otimista de encarar a vida.
Dizem por aí que não se vive de passado, mas o meu passado infantil já me salvou dos precalços da minha vida adulta.
Procuro dentro de mim a alegria simples das pequenas coisas que fizeram mágica na minha alma e consigo colorir bastante um dia acinzentado.
Cada um se salva da sua maneira.
Eu ainda me recupero dos açoites da vida gastando as pernas ao sol forte, me enchendo do suor que lava por dentro e retira bem mais do que água e toxinas do meu organismo.
Pés descalços são como remédio para dor de cabeça.
Saber que vou comprar o meu doce preferido faz eu deletar o teor salitrado de muitas palavras que ouço.
Abrir um pacote de uma boneca que ganho ou compro para a minha coleção, limpa as minhas artérias e renova o fluxo de sangue das minhas veias.
São tantas as coisas...
Cheirar a pele depois dela ter sido exposta ao sol, dormir à tarde enroscada em um edredom, se jogar no chão com meus bichos, assistir à um filme comendo, boiar na piscina, usar uma roupa nova.
Ir na praça, sentar em um balanço, olhando as crianças se rebelarem contra a internet, subindo em árvores e jogando bola.
São tantas as coisas...
Porque, às vezes, é preciso se abstrair e ignorar muitas coisas em prol da preservação do nosso caráter.
Como criança que não sabe que, enquanto ela pedala, muitos matam, enquanto ela ganha um presente outros morrem de fome.
É preciso, vez ou outra, ser egoísta, tapar os ouvidos e os olhos e dar carinho ao próprio coração.
Renová-lo com a crença ingênua, mas nem sempre errônea, de que o nosso maior problema é igual àquele, onde a nossa aflição era devida aos tripulantes da série Perdidos no Espaço nunca voltarem para casa. 
E onde a solução era simplesmente desligar a televisão e sair correndo para a rua, onde amigos de verdade nos esperavam, não importando qual tempo fizesse lá fora.

sábado, 25 de outubro de 2014

Os chorões


A felicidade não é uma concessão.
É uma conquista.
Tem gente que tem todas as concessões do mundo para ser feliz: saúde, filhos saudáveis, comida na mesa, amor para abraçar e ser abraçado, dinheiro para pagar as contas agora (porque o depois nem se sabe mais).
Mas ajeita um jeito de travar a felicidade.
Vou ser vulgar, mas essa página é só minha e tenho todo o direito autoral sobre ela, por isso vou repetir o que um amigo meu sempre diz:
"A vida é boa pra caralho, é a gente que fode com ela."
Preciso dizer mais? 
Não.
Mas quero.
Quem tem todas as concessões para ser feliz e não o faz, não só desperdiça a própria alegria de viver como sabota à de todos à sua volta.
Porque o "pra baixo", de um jeito ou de outro, faz das turbulências diárias uma queda sem volta, um mergulho em um precipício de negatividades do qual só ele sabe o caminho para ressurgir.
Os outros ficam tentando achar a bola de ferro que os atingiu, aquela carregada de ressentimentos, de necessidades de perfeição, de acusações. Os outros ficam tentando tirar essa bola da ferida que sangra um pouco mais à cada dia, mas que não é percebida pelo principal agente do estrago.
O Baixo Astral não fere por raiva, fere por esporte. 
Ele não consegue, não aceita e não se permite usufruir da paz perene, não por falta de consciência ou burrice, mas por falta de amor próprio. O amor que lhe dá a coragem e a audácia de se permitir ter prazer em existir. Não o prazer caro ou o vulgar, mas o básico.
Geralmente são pessoas com o dedo em riste, sempre apontando as falhas alheias.
Nem sempre são más, mas a maldade é uma carta na manga, um subterfúgio no manual de sobrevivência.
O infeliz por vocação está sempre pronto pro combate, com os punhos cerrados, as defesas alertas.
Ele não enxerga que a vida é feita de perdas e ganhos e não reconhece o quão pouco perdeu.
É feliz e não sabe.
Ganhou muito e não tomou conhecimento.
É infantil para sempre.
Como um bebê que não tem outra perspectiva de vida a não ser sugar, reclamar e exigir para poder sobreviver.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Tá pronta pro biquíni?


Recebi um folder de uma clínica de estética com essa pergunta.
"Tá pronta pro biquíni?"
Primeiro respondi que não, depois fiz uma bola de papel  e arremessei (com acerto!) a pergunta e todo o resto na lixeira da cozinha.
Foram poucas as vezes que estive pronta pro biquíni.
Aos doze anos (doze!) morria de vergonha do meu corpo, sabe-se lá porque.
Tive uma trégua dos treze aos quatorze, quando descobri ser portadora de ovários policísticos, o que leva ao aumento de peso. Portanto, fui uma adolescente rechonchuda até os meus 20 anos (com um período de magreza aos dezessete, onde o cardápio era só ovo cozido).
Mesmo tendo começado a parir ao vinte e três, os meus hormônios ficaram menos revoltados com a dona e me deram um bom sossego, aliviando um pouco a solidez (leia-se Pitbull fêmea) das minhas formas.
Porém, como a grande maioria das mulheres que não se chamam Solange Frazão, sempre fiquei insegura vestindo aquelas míseras peças de lycra que custam o olho da cara, ainda por cima. 
Não é nada fácil a vida de uma mulher e ficar caminhando, correndo, se abaixando, mergulhando seminua é uma das tantas tarefas difíceis.
Então, cheguei aos quarenta.
Os temidos furinhos começaram a migrar, pois descobriram que poderiam ocupar várias terras até então desabitadas. Tipo aqueles canalhas que se apropriam de lugares que não são deles, mas pensam "opa, não tem ninguém por aqui, vou pegar para mim."
E assim aconteceu com as ruguinhas do rosto, que resolveram dar uma banda pela zona sul, pois ainda não conheciam os cotovelos e os joelhos.
E, imitando os furinhos e as rugas, eis que os sinais se aventuraram em mãos, coxas e canelas.
Assim, mesmo o contorno sendo tenaz na batalha, ele é solitário na luta intrépida contra a degeneração das células.
Notícia ruim?
Depende do cérebro que a recebe.
Eu definitivamente não estou pronta pro biquíni e definitivamente, finalmente estou me lixando. 
Porque cansa muito morar em um país ( atentem para que tenho ciência de que esse é o menor dos males do país) que não quer que a mulher envelheça, de jeito nenhum.
E, se eu não morrer antes, vou ficar cada dia mais velha, mais flácida, mais enrugada e, livra-me Pai de cair na tentação de virar alguma aberração, das muitas que andam por aí, ostentando bocas que nem vou dizer o que parecem.
NÃO, FOLDER! Não estou pronta, do teu ponto de vista.
Não preciso estar bronzeada, sarada, loiraça, bocuda para me sentir feliz no verão.
Se estou bronzeada é porque curto o sol, se estou forte é porque me exercito para poder segurar, um dia, meus netos no colo, sem dor nas costas, se estou magra é porque prezo a minha saúde.
E me deixa em paz ! Vai parar na casa de quem ainda enlouquece de fome em agosto para se jogar na comida e no marasmo em abril! Quem ainda paga trezentos reais por dois pedaços de trapos, quem faz aquelas dietas da proteína, toma boletas e faz bronzeado artificial!
Sou feliz assim, folder maldito e sabe-se lá por quanto tempo terei lucidez para curtir a vida, visto que estou, aqui, conversando contigo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Casa Pequena


Eu queria tanto...
Mas não consigo.
Talvez por não ter aprendido quando a gente aprende o amor.
Uma vez não ensinado, o amor até pode ser forte como o perfume das flores do verão, mas a ignorância dele completo nos trava em obstáculos difíceis de ultrapassar.
Mas eu queria tanto...
Poder deslizar a minha mão na maciez do seu rosto que, vez ou outra, se colore de um rosa suave e me pede um beijo morno.
Eu queria poder mais do que posso nessa simplicidade de mãos dadas ou abraços que não tocam os corpos.
Nos tocamos quando fazemos amor, mas na intimidade fugaz do sexo, me afogo na necessidade absurda do afeto do depois.
Mas eu não consigo.
Ensaio te roubar pros meus braços quando teu sorriso de boca miúda, pintada de vermelho, faz o meu dia se tornar claro.
Quase alcanço os teus cabelos, para neles perder os meus dedos, trançando-os, acariciando-os, mergulhando no teu cheiro adocicado.
Não me foi permitido sentir as lágrimas do meus olhos, nem sentir prazer no pelo macio daquele gato, aquele que buscava o meu colo de menino, mas que eu negava por não ser coisa de macho.
E tinha medo dos olhos argutos que me censuravam em cada canto de uma casa pequena demais para poder abrir o coração.
Fiquei assim, meu amor, me perdoa.
Sentindo tanto e me permitindo tão pouco, aprendendo em um momento que não consigo mais agir.
Você não reclama, mas abre a pele para mim, sempre me convidando à entrar.
E eu não entro.
Te amo da porta dos meus medos, esses que não fui capaz de superar.
Mas lhe garanto que o meu amor é imenso, tão imenso que mal consigo guardá-lo inteiro.
Eu queria tanto...
Você me ama?
Do jeito que nunca consegui te amar.

domingo, 19 de outubro de 2014

Quer aprender uma receita boa?


Vou lhe dizer uma coisa.
A vida pode ser linda, doce, engraçada.
Pegue uma cola bem boa.
Daquelas que colam cara rachada.
Junte os pedaços dos sustos e de tantos absurdos e cole o sorriso estragado.
Lixe, com lixa bem forte, as asperezas dos outros e jogue fora o pó do que foi lixado.
Passe à ferro os sonhos amassados e guardados.
Aspire a poeira dos cantos de adulto e deixe aparecer a criança que estava tomada de teias de aranha.
Mas mantenha refrigeradas todas as coisas boas de ser maior de idade, pois garanto, panelas velhas fazem os melhores ensopados.
Bata no liquidificador uma porção de prazeres, várias doses de esperança, algumas de "lixe-se", outras mais de "adeus culpa", várias de amor e perdão até obter uma mistura homogênea.
Beba assistindo ao pôr do sol, com a mão de alguém que você ama apoiada na sua coxa.
E se não tiver ninguém, ponha a sua própria mão naquele jeans que cobre a sua perna e fique feliz de ter uma mão, um jeans, uma perna, um par de olhos para ver aquela velha bola que vai embora (até amanhã), vermelha, azul e roxa.
Abaixe o fogo quando a raiva for muita, pois o sabor da vida pode ficar amargo e com fogo alto quase nenhuma receita dá certo.
Filtre o que dizem à seu respeito. O bom e o ruim, pois a vaidade estraga tanto quanto o ressentimento e o que somos de verdade só nós sabemos.
Saiba que o microondas é rápido, mas não doura nem faz ficar crocante.
E que a melhor fórmula é ir adiante.
Sempre vão emperrar as engrenagens, falhar os motores, danificar a correias.
A cola até pode vir fraca, em determinados dias.
A lixa pode perder a intensidade.
Tudo pode parecer fazer parte de um grande complô para testar a nossa capacidade.
De cozinhar.
De construir.
De existir.
Mas sempre vamos sentir o doce, ver o bonito e lamentar o partir.
Mesmo com tudo.
Apesar de tudo.
E não conheço ninguém vivo que tenha esquecido de sorrir.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

É ruim estar só?


Mônica: Significa “só”, “solitária”, “viúva”
Retirado do dicionário dos nomes, sim senhor.
Me ajoelhei e aplaudi de pé esse acerto, exceto pelo viúva que agradeço, muito obrigada, mas dispenso.
Adoro a minha companhia.
Adoro.
A maioria das coisas que amo fazer é sozinha.
Corro sozinha (tenho pavor de grupos de corrida e suas camisetinhas definindo o quão corredores são), tenho imenso prazer em comer sozinha, amo ir ao cinema tendo um saco de pipocas como companhia.
Sentar em uma banco de praça e olhar tudo.
O céu, as pessoas, os passarinhos, as flores, o verde.
Com o meu peito subindo e descendo na respiração (solitária) como uma conversa silenciosa sem pessoas envolvidas.
Me encontro em um livro.
Sozinha se lê.
Em uma música.
Sozinha se raspa a pele e se deixa penetrar a melodia que nos toca.
Em escrever.
O ato mais solitário que existe.
Tenho pensamentos diários que se fossem ligados na tomada queimariam todos os aparelhos elétricos e eletrônicos da casa.
Pensamentos meus.
Não gosto de contato físico de estranhos: aquele corpo que me toca na fila do supermercado, aquela pessoa que engole o meu rosto ao conversar, que se enrosca, se impõe sem ser chamada. Beija sem ser convidada.
Adoro conversar, mas as conversas andam girando muito em volta de umbigos e se não é para trocar nada, me basto sozinha.
Sem despeito, por favor não me interprete mal.
Apenas aprendi que a melhor dependência que podemos ter é de nós mesmos. 
E mesmo essa, às vezes, falha.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

In My Shoes


Que exercício difícil se colocar no lugar do outro.
Mas absolutamente fundamental para o relacionamento, qualquer que ele seja, fluir em paz.
Magoamos, somos magoados, sofremos loucamente com os erros não intencionais nossos e dos outros.
Porque é doloroso vermos do ponto de vista alheio e percebermos que não somos assim tão louváveis e altruístas como pensávamos.
É praticamente infalível o entendimento e a compreensão mútua quando vestimos a pele de quem, por algum motivo, anda nos dando uma dor de cabeça danada.
Pode acontecer de percebermos que estamos agindo certo, mas, infelizmente, o placar de acertos é menor do que o de erros.
Que fique claro que é preciso estar se relacionando para que esse exercício dê certo, pois vamos ter informações de vida que embasarão a nossa perspectiva do outro. Em desconhecidos fica difícil saber se aquela indelicadeza foi por pura falta de atenção devido à problemas pessoais graves ou foi apenas grossura mesmo.
Já magoei muito sem querer porque alguém simplesmente entendeu o meu posicionamento como arma engatilhada.
Aos quinze anos eu tinha uma imensa turma de amigos na praia.
Éramos inseparáveis.
Como em toda a turma adolescentes, onde os hormônios estão em rebuliço, acontecem paixonites agudas.
Comigo não foi diferente.
Ele era irmão dela, ambos parte da gangue. Sempre tive quedas por loirinhos e os dois eram, o que se chamava na época, loiros melados.
Faço um à parte aqui para explicar uma tendência de época: o Morro do Farol em Torres, praia que eu frequentava, era o motel aberto da gurizada e todo mundo sabia disso.
Naquela época também todo o menor de idade dirigia então, depois uma semana de beijinhos e mãozinhas dadas (ressalva para o fato que larguei as bonecas- ou nem tanto - aos treze anos), o passeio noturno de carro começou à tomar uma direção que, instantaneamente, botou meu coração a saltar pela boca.
O Morro do Farol.
Já na subida pedi para voltar.
Meu pedido foi recusado com o argumento de que iríamos ver as estrelas.
Segui com minhas lamúrias, todas devidamente ignoradas, até ele estacionar o carro.
Fechei a cara e virei pro outro lado. 
Todos os lados repletos de carros e vultos, para meu desespero.
Foi quando ele começou a reclinar os bancos. O meu e o dele.
Pirei.
Pulei para fora e disse para ele me levar para casa imediatamente, algo que ele relutou um pouco, mas cedeu.
Terminei o namoro no outro dia.
Ele, se sentindo injustiçado, tomou um porre e entrou em coma alcoólico, para comoção da turma. Eu? Virei bandida.
Ele nunca mais me olhou e minha fama de Partidora de Corações Mirim correu o mundo.
Até hoje sou amiga da maioria, mas ele me ignorou para sempre.
Aliás, anos depois, um dia, olhou bem na minha cara e disse: "Um dia tu vais pagar tudo o que tu fazes para os outros."
Acreditem se quiser, fiquei anos remoendo essa frase com uma dor aguda no peito. Não que tivéssemos tido um grande caso de amor, mas o ódio que eu fomentei, sem intenção alguma, me assustou e me atingiu.
Quantas coisas podem ser diferentes se nos colocarmos no lugar do outro.
Ele poderia ter visto que eu era apenas uma menina e pulado fora, se o negócio dele fosse apenas outro. Ou poderia ter entendido e poderíamos ter tido uma história juntos, se o negócio dele fosse mais. Sem comas alcoólicos, sem raiva, sem ressentimentos. 
Os pontos finais são a característica de quem nasceu para ter razão.
Assim como a frustração.