sábado, 18 de maio de 2013

Frágeis? Talvez nem tanto.


É, eu me engano. Me enganei muitas e muitas vezes na vida, mais do que gostaria. Acreditei em pessoas que me traíram, confundi dissimulação com timidez, me doei para quem não merecia nem uma molécula do meu corpo. Mas a vida é assim mesmo. Meu último engano foi acreditar que uma idosa doente não poderia estar maltratando suas cadelinhas, pois na minha ingênua concepção de vida, enxergo os idosos como seres vulneráveis, bebês adultos que necessitam de atenção e carinho. Mais um engano. Idosos são pessoas que envelheceram as suas identidades, o seu caráter. Se tornaram uma imagem frágil de um passado nem sempre reto. São a evolução de si mesmos, bons, maus, psicóticos, loucos, sãos, otimistas, derrotistas, egoístas. A fragilidade no andar, nos gestos, na postura emana a vulnerabilidade que comove, mas que também engana. Não coloco os idosos no mesmo patamar das crianças e animais, seres puros e ainda intocados pela malícia humana. Os coloco no seu devido lugar. Tem minha admiração e respeito aqueles velhinhos que conseguiram fazer algo melhor por alguém, por si, pelo mundo. Os maus são aqueles que se retorcem na caricatura de si mesmos. Serão maus, sem o benefício dos disfarces da juventude.

sexta-feira, 17 de maio de 2013


Comer.
Chorar em público.
Se olhar, sem roupas, no espelho.
Voltar a se apaixonar.
Pelo outro.
Pelo mesmo.
Cortar, pintar, trançar, enfeitar.
Os cabelos.
Falar.
Com o coração.
Olhar o céu.
Deitado no chão.
Abraçar, beijar.
Sorrir.
Para desconhecidos.
Começar.
Terminar.
Se entregar.
À tudo que se ama.
Que nos faz bem.
Sonhar.
Pedir.
Perdão.
A mão.
Viver.
Renascer.
Mudar.
Escrever e nossa história e ter orgulho de assinar.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Mulher Iluminada


O lustre era lindo.
A mulher, esguia, esticava o corpo nu, na intenção de manter, com seus braços longos, a pequena cúpula iluminando o ambiente.
Presente de mãe.
Estimado. Era ligado não para iluminar, mas para encher os meus olhos e o meu coração de algo deixado no útero, algum calor perdido, mas não esquecido.
Quebrou-se. Sem concerto.
Dias passaram sem aparecer a coragem  para se desfazer da mulher que me acalentou nas noites e nos dias de chuva, mas que partida, repousava em desuso em um canto da lavanderia.
Olho pela janela o saco preto que abriga os braços que já seguraram a luz da minha sala. Antes que eles sejam definitivamente inutilizados pelo triturador de lixo, fico ali, pensando o motivo de ter gostado tanto de algo  inanimado, logo eu, tão desapegada de coisas.
É quando ele chega.
Barba branca por fazer, boné, bolsa transpassada no corpo, pele curtida do sol. Mexe com desinteresse automático nas sacolas, jogando coisas, batendo latas, com gestos rápidos, brutos, intrépidos.
Até que repousa os olhos nos braços que despontam do lugar escuro em que se encontram.
As mãos dele suavizam, estacionam na ânsia, abrindo o nó que esconde algo, com cuidado, respeito.
Meu coração acelera na janela.
O corpo delgado, de ferro fundido, vai se revelando aos poucos e as mãos enrugadas viram mãos de amante, que acariciam cada curva ainda intacta, analisam cada ruptura, descobrem cada machucado.
O corpo dele, antes tenso, rijo pelo trabalho nada louvável, agora se desfaz em um homem que sabe mais do que pensam que ele sabe, que conhece mais do que aparenta e que sente mais do esperam que ele sinta.
Fica imóvel, de costas e não posso ver os seus olhos. Mas as costas, antes eretas, curvam-se um pouco, como todos nós nos curvamos na presença de algo bonito.
E a minha linda mulher, antes de partir nas mãos de um estranho, ainda consegue me dizer coisas bonitas: "a vida é um mistério, ora lindo, ora terrível. Estou partindo junto com aquele que ninguém vê, mas que me viu com os olhos que muitos não têm.Sou um pedaço de ferro quebrado que talvez volte ser o que era, quem sabe. Ou vire outra coisa mais linda, mas feia ou siva para muito mais do que uma simples luz de sala. Para noites solitárias, cheias de lembranças e saudades. Para choros perdidos, mas não esquecidos. Para segurança no breu da noite. Ou talvez eu apenas sirva para mais um dia de fome saciada.Quem sabe? Não és tu a conhecedora de todos os mistérios e milagres e esses são para a tua próxima viagem".
Sai o homem carregando no colo a mulher iluminada.
Tivemos, eu e ele, algo em comum em nossas vidas.


terça-feira, 14 de maio de 2013

Jardim


O Mundo tenta secar o jardim que habita dentro de mim. Mas não permito. Se a minha paisagem interior sucumbir à escuridão, é meu corpo que irá murchar, definhar e morrer.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Quando eu amo


Quando eu amo, não construo grades, mas portas que podem ser abertas, fechadas, se esse for o desejo de quem por elas passa ou apenas as prescruta sem adentrá-las.
Quando eu amo, entrego o meu corpo como alimento sem reservas nem medos, pois tento ser vida que brota dentro do outro.
Vida que faz da minha motivo, razão, sentido.
Sou pequena e grande ao mesmo tempo, quando tento me encaixar nos vazios e oferecer conforto.
Sou valente, mas posso me retirar em tristezas se a luta for somente minha.
Na intensidade da existência, invento sabores para os dias e os devoro em pedaços inteiros sem culpa dessa voracidade que já nasceu minha.
Eu vivo.
Não entendo.
Não explico muito.
E amo, apenas isso e ponto.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

À Deriva


O casamento é como um barco à deriva.
Que navega sereno, nas águas plácidas de um dia ensolarado.
Que está sujeito ao mar bravio que pede braços fortes para fazê-lo seguro em meio à tantas ameaças do mau tempo.
O casamento pede que icemos as velas na calmaria, sabendo que um dia é diferente do outro e que essas marolas de conforto tornam-se ferozes, dispostas a naufragar os nossos sonhos.
Mas seguimos navegando.
Por paisagens tão distintas quanto conhecidas, tão acolhedoras quanto hostis.
E nesse barco que é tanto nosso quanto do outro, veremos coisas belas e outras nem tanto.
Seremos viagem, enquanto movimento, destino, enquanto proa que rasga tantos caminhos feitos de água.
Um destino que traçamos, mas que, mesmo quando não queremos, se transmuta em algo desconhecido.
E dele, só Deus sabe.