domingo, 31 de maio de 2015

Saudades de Mim


Às vezes me dá uma saudade danada de algum passado achado na minha memória.
Um cheiro, uma frase, uma imagem, um encontro ou qualquer outra coisa, rasga com faca o imenso tempo que tenho escondido dentro de mim.
E me prescruto como outra que existiu, diferente da que é e será amanhã.
Mudo tanto, em todos os aspectos que me pertencem, que estranho todas as versões que fui e anseio pelas que serei.
Mas como quase nunca me arrependo, visto, como vestido novo, a nostalgia e degusto muitas épocas que ficaram para trás.
Fui tão loira, insegura, bronzeada e com tantas sardas quanto alegrias bobas. E, por serem bobas, lindas demais.
Desconhecia a minha capacidade, mas não precisava dela para ser feliz.
A bicicleta, as férias na praia, os treinos de tênis na Sogipa (que julgava severos) e os materiais escolares novos e reluzentes do início de ano letivo me preenchiam e me sustentavam e faziam eu enfrentar a vida sem saber que ela era difícil, apesar das dificuldades.
Eu era nuvem levada pelo vento das circunstâncias e qualquer destino me era favorável.
Hoje, clareio os cabelos, evito o sol e o bronzeado por fazerem mal à saúde, uso ácido nas sardas e minhas alegrias ainda são genuínas e gostosas, mas jamais voltarão a ser tão puras e bonitas.
Porque ganhei um bocado de sabedoria, que me fez lúcida para quase tudo e, portanto, muito mais ciente deste todo que se escancara e se revela em toda a sua complexidade de beleza e feiura.
A severidade da vida já não é a bola que erro e o xingamento do treinador da equipe, mas o meu próprio discernimento. 
Eu enxergava tudo às claras e hoje meus olhos necessitam de óculos, mesmo vendo muito mais.
E dá essa saudade danada de algum passado achado na minha memória.
A mesma que sentirei amanhã, quando eu estiver mais perto, mas nunca ao lado, da sabedoria que o tempo traz.
A mesma que sentirei amanhã. 
Ao olhar para trás.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Prazer em te conhecer.


O que ele queria com ela, o que ela queria com ele?
Diversão, amizade, mágoa?
Eternidade, prazer, mãos dadas?
Filhos, descompromisso, liberdade, chaves comuns da casa?
Era amor que fabricava os abraços, era amizade que fazia nascer as risadas, era prazer que suava os corpos, era eternidade nas promessas reais ou veladas.
O que ele queria com ela, o que ela queria com ele?
Passado, presente, futuro.
Ou mais nada.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Vamos Acumular Sorrisos


Tenho um amigo que é pura alegria de viver.
Ele não vive, sorve a vida.
Aos 76 anos resolveu que vai encarar a caminhada de Santiago de Compostela, porque sabe "quer se descobrir mais".
Fico encantada. 
Certa vez, perguntei, nem lembro bem o que, sobre bem estar e alegria de viver e ele me disse que retira rápido da cabeça qualquer pensamento ruim.
Quiçá eu aprenda de vez essa arte de se alienar, mas no bom sentido. Ando tentando.
Com a política já aprendi, simplesmente recuso à me deixar envolver por esse escárnio que é o nosso país e seus governantes decadentes e larápios e com isso economizei  algumas doses de sofrimento e desgosto. Sei, mas não me aprofundo.
Agora, com o resto...
Doenças, mortes, assassinatos, animais em extinção, florestas em extinção, amor em extinção.
O mundo virou uma tela pintada de más notícias com breves pinceladas de coisas boas e isso me esgota.
Porque tenho uma vida boa, graças ao bom Deus, mas não consigo deixar de me afetar por cada episódio escabroso desse filmezinho barato de terror que virou viver neste planeta. Principalmente neste país de impunidade e de total desvalorização da vida.
E com a internet tudo piorou, pois o conhecimento do que acontece fez da suposição uma realidade, nos tornando testemunhas de que o horror não é algo inatingível, ele mora ao nosso lado, ele nos pertence, são pessoas como a gente, que trabalham de dia e estupram à noite, que comem no Mac Donald's depois de espancar o filho, que jogam um balde cheio de filhotinhos no riacho, mas tem os louros e longos cabelos trançados feito as princesas da Disney.
E é quase impossível espremer esse monte de limões para fazer deles uma limonada.
Por isso tem que se alienar do ruim.
Tem que olhar para o céu, para o mar, dar uma de maluco beleza e conversar com as plantas.
Porque se nos abaixarmos muito, caímos.
Temos que buscar em alguma fonte que nos pertença, o balde de água que vai nos tirar a ressequidão dessa existência árida e sofrida.
Uma fonte que nos faça entender que ainda iremos longe (e se não, nem vamos saber) e portanto temos que estar hidratados para recuperar o suor que nos encharca nesse caminho íngreme e obtuso.
Iremos morrer, então será um pouco melhor carregar na bagagem de travessia mais sorrisos do que angústias. 
Se a forma dessa bagagem ser elaborada for censurada por muitos, paciência, vá ser feliz, desde que não ofenda o outro, claro.
Vá escalar o Himalaia, caminhar em Compostela, correr em Dakar, mergulhar com os tubarões.
Ando tapando os olhos para o feio, abrindo para tudo de lindo que resta. Para os pequenos e grandes prazeres e me permitindo sorrir mais.
O mundo é bastante culpado para que eu ainda carregue culpa no meu coração.
"Eu bebo para aguentar o mundo" diz um outro amigo meu, hiper sensível.
Traz os copos.
Vamos acumular sorrisos.

sábado, 23 de maio de 2015

Ninho Vazio


Aos vinte e oito anos rasguei a minha pele para desenhar duas pequenas flores nas costas.
Uma simbologia para o papel que eu vivenciava a plenos pulmões.
A maternidade.
E toda a sua dor e beleza.
Há dois anos fiz das flores um pássaro de asas imensas e abertas.
Prevendo o voo solo daquelas que saíram de mim, tive que sangrar de novo a pele para preparar o espírito e deixar ser livre quem nasceu para o mundo.
Os pequenos pulinhos no solo, os pequenos arremedos ao céu e o ninho cada vez mais vazio tem feito o meu coração apertar com a previsão que está prestes a se tornar fato.
Os sinais me são claros, pois sempre fui leitora voraz da vida.
Rebeldia, desassossego, críticas ao modelo, planos, independência financeira, valorização do tudo que não é nosso como trampolim e impulso ao desconhecido e, por enquanto, desconfortável.
Tem doído nelas também, eu sei.
E o peso da dor vem respingado de atitudes nem sempre amigáveis e é preciso ter uma tonelada de maturidade para entender que as relações humanas são bonitas mesmo em toda a sua intensa complexidade.
Ver os filhos chorarem ou sofrerem é uma das maiores dores do mundo.
Permitir que isso aconteça para que eles cresçam e sejam felizes, é quase insuportável.
Mas é necessário.
No ato de deixar um amor nosso ser totalmente livre existe a permissão para que um pedaço do nosso coração seja levado junto, na bagagem.
É a permissão para que sejamos trocados em prol de vários outros amores, protelados, mas jamais esquecidos.
Seremos a assinatura em cada traço do rosto, mania, gostos, exemplos copiados ou evitados ao extremo.
Seremos o passado, os alicerces que são pouco lembrados, a voz que será ouvida no escuro do quarto. De olhos fechados.
E faz parte.
Dói, sangra, mas se torna um desenho lindo.
Lindo, principalmente, para nós.
Para sempre nosso.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Quis Receber


Tudo de mais bonito que foi me dito, nessa vida, me foi dito em silêncio.
Porque transito em mundos que não é apenas esse, pois não costumo viajar só com o corpo.
Minha pele sente o calor do sol que existe e pode ser visto, mas minha alma sente o peso e a leveza de tudo aquilo que me toca na sutileza da sua imensa capacidade de existir muito além dos nossos olhos.
Acredito mais no que não posso tocar, todas essas coisas que nos tatuam por dentro e nos fazem um jardim imenso de flores e de árvores que crescem com a permissão de nos sentirmos capazes de não sermos tão óbvios.
Minha força vem das nuvens, do vento e das estrelas, mesmo eu não os tendo guardados dentro de caixas, de armários e de gavetas.
Sou cem vezes mais feliz com o trinado sem palavras do que com mil vozes prometendo paraísos.
A felicidade de tudo que não se pode possuir vem da forma mais arrebatadora que se possa imaginar.
Optei por ler sem letras e acreditar nas vozes mudas de cada pedaço de terra que piso e cada mensagem que me é dada.
E que quis receber.
Não quero ser a inteligência que descarta a fé, pois a fé é para quem não gosta de explicações.
É para quem não gosta de cálculos e, justamente por isso, não precisa ter uma vida calculada para não falir.
Então todas as dores, nelas eu vendo uma razão, se tornam pontes que, acredito, me levarão para um mundo mais próximo daquele que idealizei nos meus sonhos de tudo ser colorido.
Então, todas as alegrias são jóias que guardo na caixinha mais linda e dourada que tenho dentro de mim.
Meus pés caminham no céu e sou grata por isso.
Pois só assim, consigo pisar no chão e sentir que estou viva.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Homens Bonitos Demais


Passei a cor dos meus olhos para as minhas filhas, mas também muitas outras características, inclusive as de personalidade.
Uma delas é o desinteresse por homens bonitos.
Prezamos, as três, aquilo que falta quando sobra beleza física.
O borogodó.
E dentro do borogodó se esconde a espirituosidade, o bom humor, o rir de si mesmo, o cavalheirismo, o bom caráter e um monte de coisas que fazem um homem ser extremamente sexy e atraente, de uma forma que foge totalmente aos estereótipos da beleza que preza o equilíbrio e a harmonia dos traços ou das formas. 
O borogodó também são coisas menos legíveis, mas compreensíveis que fazem de um Robert Downey Jr o sonho de consumo de nove entre dez mulheres. 
O homem bonito, ao menos aqui no Brasil, sabe que é bonito e é nesse momento que a beleza toda escorre pelo ralo.
Porque em um país de homens na sua maioria feios, o bonito ostenta.
O bonito considera a sua beleza coisa muito rara e por ser portador de um troféu de ouro, protela o restante (e muito mais importante para a maioria da mulherada), pois ave rara não faz esforço para ser cobiçada.
Ledo engano, ao menos para quem não nasceu para ser Mulher Fruta.
Tive um namoradinho na adolescência que era um quadro.
Quando ele ia me buscar, a pé, no colégio, as meninas reviravam os olhinhos e se perguntavam como eu, uma rechonchuda adolescente, o havia fisgado.
Lembro de uma vizinha nossa, amiga da minha mãe, me agarrar pelos braços e me sacudir no meio da calçada para me dizer que nunca tinha visto um menino tão lindo na vida e que eu estava de parabéns.
O namoro durou quinze dias.
Mesmo aos tenros dezesseis anos, não aguentei o infortúnio de namorar um homem bonito demais.
Ele elogiava a própria boca, pelo amor de Deus!!! 
Os bonitos demais se perdem na própria e incomensurável vaidade e esquecem que o físico não é perene e que as qualidades da alma conseguem, de maneira poderosa, emanar a mais pura forma de beleza.
Acredito que a beleza física é apenas mais uma qualidade em uma pessoa. É bonito ou bonita? Que bom, ajuda.
Mas me entristeço quando minha mãe se enche de mágoa e diz em tom de lamúria: "Como essa minha neta tão linda foi arrumar uma namorado tão feiosinho?"
Passa na minha cabeça toda a alegria que vejo quando os dois estão juntos. Toda a cumplicidade, a paixão, o amor, o respeito, a união e respondo da única forma que, penso, supera a beleza nesse ínfimo mundinho:
"Ah, mãe, ele é muito rico!"
E entenda como quiser.

domingo, 3 de maio de 2015

Fichas e Insights


A vida é longa para que possamos deixar as diversas fichas caírem.
Nada é por acaso.
Eu simplesmente amava lombinho de porco.
Até descobrir que lombinho é a abreviatura de lombo e, se de porco, significa que as costas do coitadinho eram bem pequenas.
E que porco, saibam, é muitíssimo inteligente e sociável. 
Uma das primeiras fichas, dentre centenas.
Amo cachorro, amo ave, amo vida e como posso comer porco, boi e galinha?
Não, mesmo.
E dá-lhe fichas caindo.
Virei vegetariana.
Um aviso!
Quase sempre que uma ficha cai, o sofrimento é inevitável.
Exemplifiquei com meus hábitos alimentares, mas o buraco é mais embaixo.
Olhamos para trás e nos deparamos com aquele EU que nos causa desconforto, vergonha, arrependimento.
Nos deparamos com situações em que esboçávamos um sorriso mesmo tendo giletes cortando a nossa alma. Nos deparamos em prantos, sozinhos, porque de pranto ninguém quer ser cúmplice, pois é muito compromisso.
Faz parte.
Temos uma coisa maníaca de protelar e desconsiderar a dor, por menor que ela seja. 
O choro virou uma bandeira de derrota em um mundo de sorrisos tão brancos quanto pastilhas mentoladas.
Em um mundo de festas e confetes, de conquistas permanentes, de postagens infalíveis.
Hoje em dia eu choro até com a propaganda das Casas Bahia se eu assim quiser. E ai de quem me olhar torto.
Porque essa sou eu.
E as fichas são minhas.
E se eu estiver cansada depois de dormir doze horas, estarei, sim, cansada depois de dormir doze horas.
Fichas caindo não tem regras.
E mesmo a gente fingindo não perceber, elas caem aos borbotões.
E se fingirmos não perceber, não faz mal.
Elas sempre estarão à nossa frente esperando a chance de nos mostrar o que realmente queremos ser.
O que somos.
Ou o que queremos deixar de ser.
Sem drama algum.
Apenas aquela dorzinha boa de se livrar de alguma coisa que parasitava a nossa pele.
E que foi nossa, sim senhora.
Mas não é mais.
E não temos mais medo de dizer.