quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Tempo


Eu deixei cair alguns grãos de felicidade pelo caminho, enquanto eu carregava fardos inteiros no decorrer da minha caminhada.
Esses grãozinhos que germinaram tantas plantinhas que já não consigo regar.
Na estrada da minha vida.
Já não posso voltar e alcançá-los.
Deixo-os viçosos nas esquinas da minha lembrança.
Me contento em não colhê-los, mas tê-los adubo no crescimento do que me tornei.
Quem sabe?
Um dia não os veja de novo?
Como árvore?
E possa repousar na sombra do que se tornaram?
Porque não volto no tempo.

Mas escolho no meu tempo tudo que é parecido com o melhor do que fui.
E guardo em potinhos com algodão umedecido.
Não tenho coragem de deixar morrer nada que é bom.
Pois o tempo muda.
Os ventos sopram diferente.
E fazem árvore.
Galhos frágeis, curvados pelas tempestades.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Janela


Te amo aberta para tudo isso.
Tudo isso que eu não comprei, não tenho guardado dentro de gavetas, de armário.
Toda essa cor que não é tinta.
Essa paz que não é missão, é presente.
Janela que se faz sangue.
Que bombeia o meu coração.
Que bate mais forte.
Por ver tanta beleza junta.
Com apenas um movimento das minhas mãos.

domingo, 27 de outubro de 2013

Cheiro Bom


Cheiro de cozinha é um dos cheiros mais maternais e aconchegantes que existe.
Aquele cheiro depois que a louça foi lavada, o chão varrido e enxaguado, onde os odores dançam no ar e nas narinas e penetram nas nossas lembranças mais atávicas.
Se espalhar um pouco pela casa, melhor ainda.
Casa com cheiro de cebolinha refogada, de riso, de carinho salpicado feito tempero.
Cheiro de "vem cá que está pronto", de gente grande que era pequena, sentada à mesa, de mãos bonitas que eram roliças e miúdas, se servindo dos pratos.
Os cheiros de uma cozinha contam mais histórias do que muitos livros, em cada odor de pão torrado, de mel, de leite quente, de toda essa palavra não escrita, essa fala não dita que é o aroma das coisas, das vivências, das pessoas.
Não quero uma cozinha imaculada, sem pingos de gordura que não passam despercebidos.
Gosto desse cheiro de vida, de sálvia, de manteiga derretida.
Amo secar uma panela de ferro no fogo, secar um pano de prato na tampa do forno, escorrer um bolinho, torrar o pão na frigideira com bastante manteiga.
E depois sentar com um café fumegando.
Cheirar o ar.
Sentir.
Que nas pequenezas de existir, renascemos todos os dia.
Tão simples.
Tão pouco.
Tão grande.
Tanta vida.

sábado, 26 de outubro de 2013

Eu?


Pensamos que as pessoas precisam mais de nós do que realmente precisam.
Pensamos que somos mais importantes do que realmente somos.
Pensamos que nossas atitudes serão bem mais notadas do que realmente o são.
As pessoas, hoje mais do que nunca, prestam mais a atenção ao seu reflexo no espelho, à sua sombra projetada na calçada do que aos outros.
Por isso, é perda de tempo agir, sentir, dizer, se motivar por razões de outrem.
Que nossas fotos, sorrisos, palavras, atitudes, esperanças, méritos, conquistas sirvam para alegrar à nós mesmos.
E que dividi-las seja uma forma de reconhecimento, de orgulho pueril.
Não de aval para para as nossas incertezas existenciais.

A Idade que Tenho


E no quarto sem luz, sou menina.
Onde crescem os seios, os medos.
Dessas mudanças tão bruscas da vida que me fazem moça na ligeireza dos passos dos anos.
Acordo madura, com o gosto de muitos beijos nos lábios, agora abertos somente para uma outra boca.
E velha, ajeito as flores do meu jardim com a certeza de que não tenho certeza de nada e que a felicidade não segue traços feitos com mãos firmes, pois eles se tornam curvas, sobem rampas e se atiram em mergulhos assustadores, mas cheios de frescor.
Bebê, choro para tantos ouvidos que não me escutam, tantas mães que não me acolhem e não me amparam.
Sou raio de sol na minha infância onde tudo parece imenso, principalmente as esperanças, as alegrias pequenas, a rotina dos pães com manteiga, do leite fumegando na xícara, do olhar das gotas de chuva escorrendo na vidraça.
Tenho tantas idades em uma.
Sou pequena e grande, jovem e idosa, adolescente, forte, fraca, tudo junto.
Sou um mistério e uma resolução para mim mesma.
Sou boa, má, rica e pobre na crueza da existência.
Sou tão jovem
Tão velha.
Tão triste.
Tão alegre.
Tão humana.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Se você soubesse...


Se você soubesse.
Como os seus olhos ficam mais lindos quando deles emana calor.
Quando neles enxergo marolas azuis que dançam e crescem e nelas flutuo, sentindo o sopro do oceano, o cheiro do mar.
Se você soubesse.
Como a sua boca que se faz sorriso consegue acariciar a minha alma e trazê-la para mais perto de nós dois, seus sorrisos seriam menos escassos e a nossa felicidade maior.
Se fosse soubesse.
Que certas páginas devem ser pintadas por quatro mãos, não teríamos tantos desenhos menos vívidos no livro da nossa história.
Se você soubesse.
Seríamos os mesmos.
Porém com mais abraços e beijos.
Com mais cor.
Mais luz.
Mais amor.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O que eu quero.




O que eu quero é paz.
De alma.
De vida.
De corpo.
De espírito.
Somente isso.
Tudo isso.
Tão simples.
Tão complexo.
Tão grandioso.

domingo, 13 de outubro de 2013

Bicho do Mato



Somos bicho.
Não do mato.
Mas da selva.
De pedra.
Que não morde, mas dilacera, faz em pedaços.
Não o corpo.
Mas todo o resto.
Bicho que grita alto.
Mesmo parecendo que faz silencio.
Bicho que rasga a carne para depois estancar o sangue, lambendo.
Fingindo pena, para melhor degustar o abate.
Somos bicho.
Quisera do mato.
Pois bicho da selva de pedra é duro, petrificado.
Gélido. Mumificado.
Anda em bando, mas não o abraça.
Faz multidão, arruaça, mas não protege.
Aglomera, mas não une.
Cria, procria, recria e mesmo assim não se apega.
Porque bicho da selva (de pedra) gosta de tudo que brilha.
Mas não é o sol.
Que vale.
Mas não é a vida.

Quadro


Ela era feliz.
Ela possuía uma vida tão triste.
Ela tinha os filhos longe, todos eles, e agora mais velha se sentia tão sozinha. Abandonada.
Ela tinhas os filhos crescidos, todos eles, saudáveis, casados, felizes, morando longe.
Eles ligavam quase todos os dias, pois sabiam que a mãe dependia desse gesto de atenção para não se sentir tão sozinha.
Ela sofria a perda do marido amado. Debulhava fotografias antigas entre os dedos retorcidos pela artrose.
Ela era agora uma viúva, a sobrevivente de um casamento pleno, com amor, suporte financeiro, cumplicidade, filhos esparramando sorrisos pela grande casa com varanda, com orquídeas e bromélias, com sol e com os piados das aves.
Ela se sentia pouco amada, pouco recompensada, pouco considerada.
O amor passou pela sua vida de todas as formas possíveis, intensidades. Agora era hora de descansar os pés cansados e degustar o mesmo sol de antes, só visto com outros olhos.
Ela plantou tanto...
O que houve?
Suas sementes desabrocharam tantas flores, sua força, seus atos, fizeram a vida, pariram laços.
Era hora de usufruir das pinceladas que se fizeram cores.
Era hora de pendurar esse retrato na sala.
Acordar de manhã e olhar para ele, agradecendo.
Se regojizando.
Mesmo que o lindo cenário seja apenas um retrato que deve ser visto de fora e que é dela, mas ela não faz mais parte.
Ela era feliz.
Ela possuía uma vida tão triste.
O que tinha dado errado?

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Envelhecer é uma Arte


Ela é magrinha.
Alta.
Bronzeada.
Veste uma vestidinho floral bem curtinho e nos pés, botas de Cowboy.
Os cabelos são longos e loiros e os óculos espelhados.
Uma bela menina de quinze anos?
Não, uma senhora com mais de cinquenta.
Os quarenta são os novos trinta? Pode ser, a qualidade de vida mudou, os cuidados com o corpo e a pele se intensificaram, a energia é outra, graças à Deus.
Mas, por favor, limites mulherada!
Não aceitar as limitações da idade é a forma mais triste de envelhecer.
Podemos ser magras, porém os joelhos, a barriga, os cotovelos e as mãos não serão mais os mesmos, assim como as motivações existenciais devem estar em outra frequência, caso contrário, estamos doentes da cabeça.
Somos felizes porque somos.
Não é a idade, o peso, o trabalho, o homem ao lado que nos faz feliz.
Nos fazemos felizes e o resto é complemento.
Nos aceitarmos é o primeiro passo. 
Aceitar a forma física, a compleição, a idade, a condição.
É tão bonito um cara de cabelos brancos e tão medonho os tons avermelhados daquele que tenta recuperar o viço na tintura de cabelo.
Padrões?
Sou absolutamente contra.
Apenas defendo que devemos ser o que somos, de verdade.
Porque vestir personagens para agradar à platéia deve ser requisito de artista.
E a vida deles não é nada fácil.

Morte Prematura




Sou tão falível que muitos dos meus planos feitos ao sol, não conseguem viver para poder ver a lua.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Tempestade em Copo D'Agua


Às vezes eu tenho uma vontade de chorar.
De jogar algumas palavras do penhasco e suicidá-las de forma impensada, levando com elas um monte de outros sentimentos.
Meus. Dos outros.
Mas não o faço.
Porque sei que essa queimação, essa urgência de satisfazer a vontade do vulcão interno que anseia por cuspir labaredas, será tão rápida quanto intensa.
E varrer as cinzas, recolher os mortos, será mais doído do que esperar que essa onda, louca por quebrar forte, volte, regurgitando um pouco de areia, mais calma, pronta para virar marola, curva branca onde os golfinhos se jogam, fazendo giros.
Vez ou outra meus ventos se tornam tornados e perco um pouco de mim mesma cada vez que cedo aos caprichos da violência com que eles levantam a terra, a grama, o chão que piso.
Aceito os temporais  e os raios que brilham intensos, fantasmagóricos e ruidosos, pois sem eles as chuvas não hidratam, as mentes não se aquietam na falência momentânea da bondade da natureza.

Os entendo.
Mas mantenho cada fagulha que se diz pronta para o incêndio, guardada.
Pois me conheço.
E sei que assim que fecho os olhos para esperar a tempestade, já os abro com o sol nascendo.
E me pergunto sempre:
Por que quase derramei tantas lágrimas?

sábado, 5 de outubro de 2013

Presentes


A vida nos chega  de diversas formas e aprendemos até o último suspiro.
Pela primeira vez em toda a minha existência minhas mãos serviram de força, impulso e direção para uma cadeira de rodas.
Pela primeira vez em toda a sua existência quem eu guiava estava sentada em uma cadeira de rodas.
A senhora de 88 anos, minha sogra, experimentou algo novo.
Como eu.
Pedindo licença, me esgueirando entre dezenas de pessoas preocupadas com as suas vidas, conduzindo de forma apropriada alguém que queria vivenciar com os olhos o que as suas pernas não deixavam mais, aprendi demais.
Aprendi, mais uma vez, que os olhos nos dizem muito.
Vi olhares de solidariedade, de carinho.
Vi olhos que sorriram, olhos curiosos de criança pequena, olhos cúmplices de quem sabe ter os dias de força contados.
E vi muitos outros que eu não queria ter visto.
Os de desprezo, indiferença, raiva, sim, raiva por estarem perdendo tempo e passos em um lugar tão cheio de coisas para serem feitas.
Fui aluna de um curso rápido, mas não menos intenso, de como as as asas negras não conseguem se esconder dos olhos atentos.
Assim como as penas brancas nasceram de sorrisos meigos e pedidos de desculpas por estarem na frente, atrapalhando.
A "passageira" se deslumbrou com a quantidade de porta retratos, tapetes e plantas, tudo visto sem cansaço.
Eu, com a chance de ter sido provedora de tamanha alegria e testemunha dessas tantas outras coisas que me são dadas.
A cada dia que passa.

Proteção


Hoje eu não sou vulnerável ao mal. Criei resistências.

Camaleão


Eu já mudei tanto, me metamorfoseei, troquei de casca, de bico, de pele e de opinião, para poder sobreviver, que sou um compilado de mim mesma, uma cor original com muitas nuances de outras cores.

The End


Que na velhice, inevitável tanto quanto a morte, nem sempre nesta ordem, mas se nesta, eu não vire carma, depois de vida.
Que eu aceite as minhas limitações e faça delas motivos para um pouco mais de aprendizado e não berço de lamúrias.
Que eu não me vitimize depois da longa batalha, mas faça das cicatrizes, lembranças da minha sobrevivência e não fonte inesgotável de barganha para com aqueles que amo.
Que eu olhe para trás, não por muito tempo, apenas pelo tempo certo para colher as flores e não me importar com os espinhos que, vez ou outra, sangraram os meus dedos.
Que eu consiga sorrir, ah e muito, mesmo não tendo mais o sorriso tão branco, mas que a luz que não vem de fora, mas de dentro, ilumine os meus olhos contornados por linhas.
Que eu não culpe a vida, os outros, por tudo que não tive coragem de ser, pois esse é o caminho mais fácil, mas o mais duro.
Que eu não me pense detentora de todos os direitos do Mundo, pois estou mais velha, assim como o adolescente está mais que a criança e a criança mais que o bebê.
Apenas isso.
E que eu não acredite que tenho a sabedoria de tudo apenas por estar velha, pois vou continuar a crescer, não mais em vida, mas em espírito e não mereço mais do que todos os que passam pela dor de existir, na mudança sublime de cada estágio, tão grandioso quanto doído.
Depois de bebê.
Depois de criança.
Depois de adolescente.
Depois de adulto.
E que eu tenha a humildade de me ver apenas como pessoa que finalmente compreendeu que temos sempre que fazer o melhor.
Para poder, com dignidade, morrer.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Palhaços


Muitas vezes brincamos com aquilo que mais nos dói.
A intenção?
Penso que minimizar a dor e ao mesmo tempo colocá-la para fora de uma maneira que o pedido de socorro seja tão sutil à ponto de não se tornar uma lamúria.
Só quem decifra o código dos brincalhões é aquele que entende as entrelinhas, aquele que não assiste à um filme, mas o devora, sugando a parte menos suculenta, mas mais nutritiva.
Enquanto os palhaços fazem se desmanchar às gargalhadas uma platéia desatenta e a fazem pensar o quão são bem resolvidas essas criaturas, os outros ficam no canto, ruminando a maneira de acalentar quem quer mais colo do que risadas.
Se desmerecendo, trazendo à tona os infortúnios em forma de "stand up" pessoal, quem sabe rir de si mesmo é muito bem resolvido. Mas tão bem resolvido à ponto de tornar o seu drama pessoal uma sátira e fazer com que a cena de uma facada seja tão engraçada quanto à de um tombo despretensioso.
Para os que tem uma história de tristeza, se ela não for a maior tragédia do Mundo (vista pelos outros), a vergonha de senti-la pode revertê-la em ironia.
Mas ser palhaço e rir o tempo inteiro dos próprios tombos tem um preço alto.
Quando suportar não for mais possível, as lágrimas de dor poderão ser confundidas com as de um grande e imenso sorriso.
E será preciso gritar.