segunda-feira, 11 de abril de 2016

Água


Me perdoe se eu chorar amanhã.
Mesmo que hoje eu tenha me despedido do sol com os olhos satisfeitos em sorrisos.
Me perdoe, pois não será nada grave, nada grande, nada digno.
Serão lágrimas ao acaso, em meio a essa tempestade de contratempos, feito chuva fina e bruma densa que molha um pouco, mas não encharca.
Que vão brevemente banhar a minha alma, dissipar algumas nuvens densas, porém pouco pesadas, e vão cair suaves ou violentas apenas na intenção de ser água.
Como chuva que escorre, morre e nasce.
Me perdoe se insisto em me fazer poça quando existem tantos rios, lagos e mares no mundo.
Não posso justificar nada, não preciso de barragens que segurem a força das minhas torrentes.
Essa água que sempre foi minha quer apenas sair livre, desabitar o meu corpo e se tornar a coragem que muitas vezes não tive.
Essa coragem de ser lágrima sem motivo, dança sem música, viagem sem destino, conserto e salvação de tudo.
É apenas e somente isso.
Sem remorso em me fazer oceano no cerrar dos olhos, no abrir do lábios, no salgar do rosto, das veias e de certos sonhos.
Esse oceano que sou, onde afundaram barcos, onde foram resgatados náufragos, se formaram temporais em marolas e descanso em ondas furiosas.
Me perdoe se eu chorar amanhã.
E molhar esse campo que sou.
Onde nasce, floresce, morre e ressurge tanta vida.
Só te peço.
Meu caule pode sucumbir aos caprichos do meu clima.
Mas não permita que eu, mergulhada nas insanidades do mundo, afogue as sementes sedentas de vida.
Não permita que mesmo eu sendo feita de toda essa água.
Eu arraste e derrube pontes.
E nela me afogue.