sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aberração


O que havia de errado com ele?
Porque algo deveria haver.
Ele que cumprimentava vizinhos com alegria e tinha medo de que as árvores tivessem sede em um verão escaldante e seco.
Ele que devolvia o dinheiro de um engano, no caixa da padaria.
Que agradecia quando recebia uma gentileza, sorria para desconhecidos e procurava ser sempre pontual em seus horários.
Fiel às suas palavras.
O que havia de errado com ele?
Que ainda acreditava no correto, no íntegro.
Ele que se despia de tudo para poder ter a chance de se vestir do outro.
Que chorava ao ver gente atirada nas ruas feito entulho. E estranhava como tantos passavam como se passa por latas de lixo, torcendo o nariz e virando o rosto.
O que havia de errado com ele?
Que feito bola de borracha, se amassava com as dores, para voltar à ser redondo no enfrentamento da vida. 
Ele que olhava mais para as estrelas do que para o chão e por isso, vez ou outra, tropeçava.
Colhia flores para a amada e regava, todos os dias, o coração de quem amava.
Mesmo se estivesse cansado.
Mesmo se soubesse que a maldade ronda e espreita na tentativa de quebrar o sagrado.
O que havia de errado com ele?
Que apesar de tão lindo por dentro não se encaixava no mundo dos homens.
O que havia de errado com ele?
Que não gostava de matar nada e alimentava os sabiás no jardim pequeno, mas repleto de flores.
Que vivia, sentia, amava e acreditava em Deus,  em sonhos e em anjos.
Mas que para todos era como se não tivesse nada.
Pois onde os pés pisam, massacram e pisoteiam, o anormal, o diferente e o selvagem é quem tem asas.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Perdidos no Espaço


Eu tive uma infância bastante feliz.
Os meus problemas começaram simultaneamente à minha necessidade de usar o primeiro sutiã, mas antes disso usei todas as cartas do baralho criança.
As pessoas ainda não haviam sucumbido à total selvageria e a política era algo respeitável e digno, onde as exceções eram as falcatruas e os desvios de dinheiro em benefício próprio. Por isso bandido ainda ia para trás das grades e estuprador sumia no fantástico mundo chamado Traseira de um Camburão.
Então, fui pirralha de pele bronzeada de tanto curtir ao sol, pilotando sozinha, nas calçadas da Mariland, o meu velotrol, ensandecida da energia e da alegria de uma menina de seus cinco anos.
Guardo os cheiros da minha infância como se fossem as minhas mais preciosas jóias e devo às minhas lembranças a maneira otimista de encarar a vida.
Dizem por aí que não se vive de passado, mas o meu passado infantil já me salvou dos precalços da minha vida adulta.
Procuro dentro de mim a alegria simples das pequenas coisas que fizeram mágica na minha alma e consigo colorir bastante um dia acinzentado.
Cada um se salva da sua maneira.
Eu ainda me recupero dos açoites da vida gastando as pernas ao sol forte, me enchendo do suor que lava por dentro e retira bem mais do que água e toxinas do meu organismo.
Pés descalços são como remédio para dor de cabeça.
Saber que vou comprar o meu doce preferido faz eu deletar o teor salitrado de muitas palavras que ouço.
Abrir um pacote de uma boneca que ganho ou compro para a minha coleção, limpa as minhas artérias e renova o fluxo de sangue das minhas veias.
São tantas as coisas...
Cheirar a pele depois dela ter sido exposta ao sol, dormir à tarde enroscada em um edredom, se jogar no chão com meus bichos, assistir à um filme comendo, boiar na piscina, usar uma roupa nova.
Ir na praça, sentar em um balanço, olhando as crianças se rebelarem contra a internet, subindo em árvores e jogando bola.
São tantas as coisas...
Porque, às vezes, é preciso se abstrair e ignorar muitas coisas em prol da preservação do nosso caráter.
Como criança que não sabe que, enquanto ela pedala, muitos matam, enquanto ela ganha um presente outros morrem de fome.
É preciso, vez ou outra, ser egoísta, tapar os ouvidos e os olhos e dar carinho ao próprio coração.
Renová-lo com a crença ingênua, mas nem sempre errônea, de que o nosso maior problema é igual àquele, onde a nossa aflição era devida aos tripulantes da série Perdidos no Espaço nunca voltarem para casa. 
E onde a solução era simplesmente desligar a televisão e sair correndo para a rua, onde amigos de verdade nos esperavam, não importando qual tempo fizesse lá fora.

sábado, 25 de outubro de 2014

Os chorões


A felicidade não é uma concessão.
É uma conquista.
Tem gente que tem todas as concessões do mundo para ser feliz: saúde, filhos saudáveis, comida na mesa, amor para abraçar e ser abraçado, dinheiro para pagar as contas agora (porque o depois nem se sabe mais).
Mas ajeita um jeito de travar a felicidade.
Vou ser vulgar, mas essa página é só minha e tenho todo o direito autoral sobre ela, por isso vou repetir o que um amigo meu sempre diz:
"A vida é boa pra caralho, é a gente que fode com ela."
Preciso dizer mais? 
Não.
Mas quero.
Quem tem todas as concessões para ser feliz e não o faz, não só desperdiça a própria alegria de viver como sabota à de todos à sua volta.
Porque o "pra baixo", de um jeito ou de outro, faz das turbulências diárias uma queda sem volta, um mergulho em um precipício de negatividades do qual só ele sabe o caminho para ressurgir.
Os outros ficam tentando achar a bola de ferro que os atingiu, aquela carregada de ressentimentos, de necessidades de perfeição, de acusações. Os outros ficam tentando tirar essa bola da ferida que sangra um pouco mais à cada dia, mas que não é percebida pelo principal agente do estrago.
O Baixo Astral não fere por raiva, fere por esporte. 
Ele não consegue, não aceita e não se permite usufruir da paz perene, não por falta de consciência ou burrice, mas por falta de amor próprio. O amor que lhe dá a coragem e a audácia de se permitir ter prazer em existir. Não o prazer caro ou o vulgar, mas o básico.
Geralmente são pessoas com o dedo em riste, sempre apontando as falhas alheias.
Nem sempre são más, mas a maldade é uma carta na manga, um subterfúgio no manual de sobrevivência.
O infeliz por vocação está sempre pronto pro combate, com os punhos cerrados, as defesas alertas.
Ele não enxerga que a vida é feita de perdas e ganhos e não reconhece o quão pouco perdeu.
É feliz e não sabe.
Ganhou muito e não tomou conhecimento.
É infantil para sempre.
Como um bebê que não tem outra perspectiva de vida a não ser sugar, reclamar e exigir para poder sobreviver.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Tá pronta pro biquíni?


Recebi um folder de uma clínica de estética com essa pergunta.
"Tá pronta pro biquíni?"
Primeiro respondi que não, depois fiz uma bola de papel  e arremessei (com acerto!) a pergunta e todo o resto na lixeira da cozinha.
Foram poucas as vezes que estive pronta pro biquíni.
Aos doze anos (doze!) morria de vergonha do meu corpo, sabe-se lá porque.
Tive uma trégua dos treze aos quatorze, quando descobri ser portadora de ovários policísticos, o que leva ao aumento de peso. Portanto, fui uma adolescente rechonchuda até os meus 20 anos (com um período de magreza aos dezessete, onde o cardápio era só ovo cozido).
Mesmo tendo começado a parir ao vinte e três, os meus hormônios ficaram menos revoltados com a dona e me deram um bom sossego, aliviando um pouco a solidez (leia-se Pitbull fêmea) das minhas formas.
Porém, como a grande maioria das mulheres que não se chamam Solange Frazão, sempre fiquei insegura vestindo aquelas míseras peças de lycra que custam o olho da cara, ainda por cima. 
Não é nada fácil a vida de uma mulher e ficar caminhando, correndo, se abaixando, mergulhando seminua é uma das tantas tarefas difíceis.
Então, cheguei aos quarenta.
Os temidos furinhos começaram a migrar, pois descobriram que poderiam ocupar várias terras até então desabitadas. Tipo aqueles canalhas que se apropriam de lugares que não são deles, mas pensam "opa, não tem ninguém por aqui, vou pegar para mim."
E assim aconteceu com as ruguinhas do rosto, que resolveram dar uma banda pela zona sul, pois ainda não conheciam os cotovelos e os joelhos.
E, imitando os furinhos e as rugas, eis que os sinais se aventuraram em mãos, coxas e canelas.
Assim, mesmo o contorno sendo tenaz na batalha, ele é solitário na luta intrépida contra a degeneração das células.
Notícia ruim?
Depende do cérebro que a recebe.
Eu definitivamente não estou pronta pro biquíni e definitivamente, finalmente estou me lixando. 
Porque cansa muito morar em um país ( atentem para que tenho ciência de que esse é o menor dos males do país) que não quer que a mulher envelheça, de jeito nenhum.
E, se eu não morrer antes, vou ficar cada dia mais velha, mais flácida, mais enrugada e, livra-me Pai de cair na tentação de virar alguma aberração, das muitas que andam por aí, ostentando bocas que nem vou dizer o que parecem.
NÃO, FOLDER! Não estou pronta, do teu ponto de vista.
Não preciso estar bronzeada, sarada, loiraça, bocuda para me sentir feliz no verão.
Se estou bronzeada é porque curto o sol, se estou forte é porque me exercito para poder segurar, um dia, meus netos no colo, sem dor nas costas, se estou magra é porque prezo a minha saúde.
E me deixa em paz ! Vai parar na casa de quem ainda enlouquece de fome em agosto para se jogar na comida e no marasmo em abril! Quem ainda paga trezentos reais por dois pedaços de trapos, quem faz aquelas dietas da proteína, toma boletas e faz bronzeado artificial!
Sou feliz assim, folder maldito e sabe-se lá por quanto tempo terei lucidez para curtir a vida, visto que estou, aqui, conversando contigo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Casa Pequena


Eu queria tanto...
Mas não consigo.
Talvez por não ter aprendido quando a gente aprende o amor.
Uma vez não ensinado, o amor até pode ser forte como o perfume das flores do verão, mas a ignorância dele completo nos trava em obstáculos difíceis de ultrapassar.
Mas eu queria tanto...
Poder deslizar a minha mão na maciez do seu rosto que, vez ou outra, se colore de um rosa suave e me pede um beijo morno.
Eu queria poder mais do que posso nessa simplicidade de mãos dadas ou abraços que não tocam os corpos.
Nos tocamos quando fazemos amor, mas na intimidade fugaz do sexo, me afogo na necessidade absurda do afeto do depois.
Mas eu não consigo.
Ensaio te roubar pros meus braços quando teu sorriso de boca miúda, pintada de vermelho, faz o meu dia se tornar claro.
Quase alcanço os teus cabelos, para neles perder os meus dedos, trançando-os, acariciando-os, mergulhando no teu cheiro adocicado.
Não me foi permitido sentir as lágrimas do meus olhos, nem sentir prazer no pelo macio daquele gato, aquele que buscava o meu colo de menino, mas que eu negava por não ser coisa de macho.
E tinha medo dos olhos argutos que me censuravam em cada canto de uma casa pequena demais para poder abrir o coração.
Fiquei assim, meu amor, me perdoa.
Sentindo tanto e me permitindo tão pouco, aprendendo em um momento que não consigo mais agir.
Você não reclama, mas abre a pele para mim, sempre me convidando à entrar.
E eu não entro.
Te amo da porta dos meus medos, esses que não fui capaz de superar.
Mas lhe garanto que o meu amor é imenso, tão imenso que mal consigo guardá-lo inteiro.
Eu queria tanto...
Você me ama?
Do jeito que nunca consegui te amar.

domingo, 19 de outubro de 2014

Quer aprender uma receita boa?


Vou lhe dizer uma coisa.
A vida pode ser linda, doce, engraçada.
Pegue uma cola bem boa.
Daquelas que colam cara rachada.
Junte os pedaços dos sustos e de tantos absurdos e cole o sorriso estragado.
Lixe, com lixa bem forte, as asperezas dos outros e jogue fora o pó do que foi lixado.
Passe à ferro os sonhos amassados e guardados.
Aspire a poeira dos cantos de adulto e deixe aparecer a criança que estava tomada de teias de aranha.
Mas mantenha refrigeradas todas as coisas boas de ser maior de idade, pois garanto, panelas velhas fazem os melhores ensopados.
Bata no liquidificador uma porção de prazeres, várias doses de esperança, algumas de "lixe-se", outras mais de "adeus culpa", várias de amor e perdão até obter uma mistura homogênea.
Beba assistindo ao pôr do sol, com a mão de alguém que você ama apoiada na sua coxa.
E se não tiver ninguém, ponha a sua própria mão naquele jeans que cobre a sua perna e fique feliz de ter uma mão, um jeans, uma perna, um par de olhos para ver aquela velha bola que vai embora (até amanhã), vermelha, azul e roxa.
Abaixe o fogo quando a raiva for muita, pois o sabor da vida pode ficar amargo e com fogo alto quase nenhuma receita dá certo.
Filtre o que dizem à seu respeito. O bom e o ruim, pois a vaidade estraga tanto quanto o ressentimento e o que somos de verdade só nós sabemos.
Saiba que o microondas é rápido, mas não doura nem faz ficar crocante.
E que a melhor fórmula é ir adiante.
Sempre vão emperrar as engrenagens, falhar os motores, danificar a correias.
A cola até pode vir fraca, em determinados dias.
A lixa pode perder a intensidade.
Tudo pode parecer fazer parte de um grande complô para testar a nossa capacidade.
De cozinhar.
De construir.
De existir.
Mas sempre vamos sentir o doce, ver o bonito e lamentar o partir.
Mesmo com tudo.
Apesar de tudo.
E não conheço ninguém vivo que tenha esquecido de sorrir.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

É ruim estar só?


Mônica: Significa “só”, “solitária”, “viúva”
Retirado do dicionário dos nomes, sim senhor.
Me ajoelhei e aplaudi de pé esse acerto, exceto pelo viúva que agradeço, muito obrigada, mas dispenso.
Adoro a minha companhia.
Adoro.
A maioria das coisas que amo fazer é sozinha.
Corro sozinha (tenho pavor de grupos de corrida e suas camisetinhas definindo o quão corredores são), tenho imenso prazer em comer sozinha, amo ir ao cinema tendo um saco de pipocas como companhia.
Sentar em uma banco de praça e olhar tudo.
O céu, as pessoas, os passarinhos, as flores, o verde.
Com o meu peito subindo e descendo na respiração (solitária) como uma conversa silenciosa sem pessoas envolvidas.
Me encontro em um livro.
Sozinha se lê.
Em uma música.
Sozinha se raspa a pele e se deixa penetrar a melodia que nos toca.
Em escrever.
O ato mais solitário que existe.
Tenho pensamentos diários que se fossem ligados na tomada queimariam todos os aparelhos elétricos e eletrônicos da casa.
Pensamentos meus.
Não gosto de contato físico de estranhos: aquele corpo que me toca na fila do supermercado, aquela pessoa que engole o meu rosto ao conversar, que se enrosca, se impõe sem ser chamada. Beija sem ser convidada.
Adoro conversar, mas as conversas andam girando muito em volta de umbigos e se não é para trocar nada, me basto sozinha.
Sem despeito, por favor não me interprete mal.
Apenas aprendi que a melhor dependência que podemos ter é de nós mesmos. 
E mesmo essa, às vezes, falha.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

In My Shoes


Que exercício difícil se colocar no lugar do outro.
Mas absolutamente fundamental para o relacionamento, qualquer que ele seja, fluir em paz.
Magoamos, somos magoados, sofremos loucamente com os erros não intencionais nossos e dos outros.
Porque é doloroso vermos do ponto de vista alheio e percebermos que não somos assim tão louváveis e altruístas como pensávamos.
É praticamente infalível o entendimento e a compreensão mútua quando vestimos a pele de quem, por algum motivo, anda nos dando uma dor de cabeça danada.
Pode acontecer de percebermos que estamos agindo certo, mas, infelizmente, o placar de acertos é menor do que o de erros.
Que fique claro que é preciso estar se relacionando para que esse exercício dê certo, pois vamos ter informações de vida que embasarão a nossa perspectiva do outro. Em desconhecidos fica difícil saber se aquela indelicadeza foi por pura falta de atenção devido à problemas pessoais graves ou foi apenas grossura mesmo.
Já magoei muito sem querer porque alguém simplesmente entendeu o meu posicionamento como arma engatilhada.
Aos quinze anos eu tinha uma imensa turma de amigos na praia.
Éramos inseparáveis.
Como em toda a turma adolescentes, onde os hormônios estão em rebuliço, acontecem paixonites agudas.
Comigo não foi diferente.
Ele era irmão dela, ambos parte da gangue. Sempre tive quedas por loirinhos e os dois eram, o que se chamava na época, loiros melados.
Faço um à parte aqui para explicar uma tendência de época: o Morro do Farol em Torres, praia que eu frequentava, era o motel aberto da gurizada e todo mundo sabia disso.
Naquela época também todo o menor de idade dirigia então, depois uma semana de beijinhos e mãozinhas dadas (ressalva para o fato que larguei as bonecas- ou nem tanto - aos treze anos), o passeio noturno de carro começou à tomar uma direção que, instantaneamente, botou meu coração a saltar pela boca.
O Morro do Farol.
Já na subida pedi para voltar.
Meu pedido foi recusado com o argumento de que iríamos ver as estrelas.
Segui com minhas lamúrias, todas devidamente ignoradas, até ele estacionar o carro.
Fechei a cara e virei pro outro lado. 
Todos os lados repletos de carros e vultos, para meu desespero.
Foi quando ele começou a reclinar os bancos. O meu e o dele.
Pirei.
Pulei para fora e disse para ele me levar para casa imediatamente, algo que ele relutou um pouco, mas cedeu.
Terminei o namoro no outro dia.
Ele, se sentindo injustiçado, tomou um porre e entrou em coma alcoólico, para comoção da turma. Eu? Virei bandida.
Ele nunca mais me olhou e minha fama de Partidora de Corações Mirim correu o mundo.
Até hoje sou amiga da maioria, mas ele me ignorou para sempre.
Aliás, anos depois, um dia, olhou bem na minha cara e disse: "Um dia tu vais pagar tudo o que tu fazes para os outros."
Acreditem se quiser, fiquei anos remoendo essa frase com uma dor aguda no peito. Não que tivéssemos tido um grande caso de amor, mas o ódio que eu fomentei, sem intenção alguma, me assustou e me atingiu.
Quantas coisas podem ser diferentes se nos colocarmos no lugar do outro.
Ele poderia ter visto que eu era apenas uma menina e pulado fora, se o negócio dele fosse apenas outro. Ou poderia ter entendido e poderíamos ter tido uma história juntos, se o negócio dele fosse mais. Sem comas alcoólicos, sem raiva, sem ressentimentos. 
Os pontos finais são a característica de quem nasceu para ter razão.
Assim como a frustração.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Respostas falíveis


Nunca pergunte se você se comportou mal, em determinada ocasião, para sua melhor amiga, seu marido ou seus filhos. Sua melhor amiga vai dizer que você nunca se comportou mal. Seu marido vai triplicar a tragédia e seus filhos vão dizer que você se comporta mal a vida inteira.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Não quero peças que não se encaixam


Devemos respeitar as pessoas como elas são.
Tenho aprendido isso, pois somos todos o exemplo da mais absoluta imperfeição.
Temos que conviver com os nossos semelhantes, cultivar amizades, interagir.
Mas até que ponto?
Não estou perguntando para enfeitar ou dar ritmo ao texto, estou perguntando por estar em um período em que perguntas dançam na minha cabeça feito aquele povo, naqueles festivais de tecno, onde os dj's (e um punhadinho de ácido) fazem os pés saltitarem no mesmo lugar.
Minha irmã de coração e não de sangue, a cada almoço semanal e invernal em que nos encontramos, aparece com uma pele de bicho diferente, jogada no corpo.
Ela sabe o que penso, mas nunca me abstenho da pergunta : "Qual cadáver temos hoje conosco?"
Ela ri, me diz que não consegue ver mal naquilo, que bicho é bicho (apesar de tratar feito nenê a Basset chata feito um piolho) e deixamos pra lá, pois tem muito vinho na nossa frente e outras tantas confissões cabeludas.
Nesse caso tem muito amor envolvido o que torna difícil e minha decisão de não querer conviver com alguém que simplesmente me afronta com uma atitude tão desprezível. Então finjo que aquilo peludo nunca caminhou pela terra, pois sei o quão generosa e maravilhosa essa pessoa é, apesar de não entender o fato de um animal não merecer perder a vida para se tornar enfeite.
Mas quando não amamos, apenas gostamos muito?
Tenho um amigo, que adoro, que me contou que matou à facadas um ouriço do mato, após ele se defender do seu bebê Rotweiller que deve pesar uns cinquenta quilos. O animalzinho, acuado, se escondeu no mato e ele foi atrás com muita raiva no coração e fez o que fez. O cão? Ah, esse tem veterinário. O ouriço? Deve ter deixado viúva e filhos no mato.
O meu "adorar", à partir desta notícia, sofreu um grave acidente. Assim como a imagem do rapaz que posta fotinhos de gambás comendo no seu jardim. Afinal, a mão é a que alimenta ou a que esfaqueia? O olhar é doce e meloso ou furioso à ponto de se descontrolar ? Não matou uma barata, diga-se de passagem. 
Outra.
Simplesmente a adoro.
Lê tudo o que escrevo e comenta, me ajuda, me ampara, me ouve (pelo amor de Deus, me ouve!!!), somos amigas há mais tempo que qualquer outra minha amiga. Tomamos café, rimos, mas ela sempre dá um jeito de tripudiar em cima da minha fé.
Ateia, não crê nem em vida após a morte, logo eu que queria encontrar com ela na outra vida.
Pois é.
Como fica?
Cansamos de ver atitudes medonhas de nossos filhos, maridos, pais, mas simplesmente se engole como remédio amargo e se espera que, talvez, um dia, quem sabe, as coisas mudem.
Mas se aceita. Desde que não nos machuque à ponto de se tornar ferida exposta, pois vamos ter que estancar o sangue para não morrer de tristeza hemorrágica. 
Agora, como se faz quando estamos lidando com...afetos?
Estou em uma fase tão intolerante à certas e várias coisas, mais do que esse modismo de lactose e glúten.
Já disse mil vezes que não me considero perfeita, longe disso, mas, talvez, por isso mesmo eu precise de peças que se encaixem.
Caso contrário, posso parar na lata do lixo como todo o quebra-cabeça que faltam peças e onde jamais se enxergará um belo cenário.

domingo, 5 de outubro de 2014

O Voo


Já escrevi nesse meu Diário Particular Público que tenho pensado muito na vida.
Na vida que me resta.
Uns quarenta anos, por aí.
Com sorte. E com sorte, também, será a minha dead line, o meu Adeus à esse turbulento mundo.
Então, me resta fazer uma balanço de tudo que me fez feliz, que me fez mal, das minhas escolhas e tratar de criar um manualzinho básico de respeito à mim mesma, algo que não fiz muito em todos esses anos.
Me vem agora à cabeça algumas formas de autossabotagem que usei no passado, todas muito empenhadas em me fazer infeliz com uma eficácia incrível. Claro que eu não sabia disso, mas agora sei.
Ah, sei.
E, por incrível que possa parecer, o episódio de ontem simboliza bem o que quero para mim. 
Há um ano, quando fui recolher a minha calopsita (que foi voar em outras dimensões este ano, depois de 17 anos bem vividos, quero acreditar) da sacada, eis que encontro outra igual, pousada na gaiola, comendo a ração do potinho, com a cabecinha enfiada entre as grades.
Não tive dúvidas, a coloquei para dentro.
Neste ano que transcorreu, ela conviveu pacificamente, às vezes nem tanto, com a outra e quando a outra morreu, ela passou a não ter mais uma colega de quarto para dividir as cantorias do dia.
Abro um parênteses para deixar aqui registrada a minha dualidade em relação à manter pássaros em gaiolas. Já tendo resgatado um da semi-morte, na sarjeta, e vê-lo feliz cantando, faz-se o questionamento liberdade x cativeiro inevitável e o quanto existe de crueldade em se soltar um pássaro silvestre, que se tornou doméstico, ou aprisioná-lo.
Continuando.
Ontem o meu coração deu mais um passo em direção à verdade.
A minha verdade.
Mais uma vez outra calopsita pousou na gaiola. A minha (que tinha feito a mesma coisa, vejam bem) enlouqueceu. Abria as asas, fazia dancinhas de acasalamento, virava o pescoço para ver a intrusa, colocava a cabeça para fora das grades.
Depois de ficar ali, olhando e pensando, 
com medo, apreensão, alegria, euforia e dúvida, tomei a minha decisão.
Ao invés de colocar a nova visitante para dentro, abri a gaiola.
O voo que testemunhei não foi de curiosidade.
Foi de fuga.
Já soltei, sem querer, outros pássaros e eles raramente voam às cegas. Eles vacilam, dão passinhos ( muitos meus ficaram caminhando no jardim até serem resgatados), analisam o cenário.
Ela, não.
Se precipitou para o azul do céu, como um peixe que se vê livre das redes de pesca.
E não voltou mais.
A gaiola ficou ali, aberta e está servindo de hospedagem para a visita que não arredou pé das proximidades e dos potes de comida, mas ainda a mantenho aberta.
A liberdade de ser é, muitas vezes, dolorida, assustadora no início. 
Confundimos conforto, acomodação, educação ou seja qual nome tiver, com uma constante vigilância dura da nossa verdadeira essência. 
Não quero mais isso para mim.
Quero dizer e ser o que sou e deixar bem claro que abro concessões, desde que as mesmas não me machuquem, não me engessem, não me violentem.
Não tenho mais força de sorrir para agradar, de engolir desaforos sem responder.
Preciso dizer o que penso, com educação e sinceridade em níveis iguais, assim como preciso do ar para respirar.
Não existe algo que me deixe mais furiosa do que a vitimização. Pessoas que se sentem injustiçadas e infelizes por escolhas delas mesmas e ainda tem a coragem de usar o seu "sofrimento" como forma de chantagem e barganha.
Por isso, a partir de agora (ou talvez já há um certo tempo) vou escolher a liberdade.
A liberdade de ser eu mesma.
Porque me doeram demais as horas seguintes à abertura daquela gaiola.
Mas, tenho certeza, teria me doído mais lembrar, todos os dias, do desespero daquelas asas, daqueles olhinhos negros e redondos.
Não sei se ela está bem, mas acredito que sim.
Porque uma vida feliz nem sempre é a mais longa.
Mas sempre é a mais plena.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Cedo, tarde ou agora?


Cedo ou tarde, quem sabe?
A gente é quem sabe quando, mesmo sendo cedo ou tarde para tantos, a hora deve ser agora.
De que? 
De tudo que foi protelado feito balde de um poço.
Um poço que enche, no passar dos dias e anos, da água que precipita e despenca de cima.
Um balde que vai ficando pesado de tanto líquido acumulado e ameaça afundar em tudo que transborda de si mesmo.
Cedo.
Um balde menos pesado.
Tarde.
Um balde içado com a força do herói da história em quadrinhos, com cada bíceps, tríceps à mostra, no trabalho nada brando, mas o trabalho que tem que ser feito agora.
Já não importa mais tanto cálculo matemático que impeça o primeiro movimento, sempre o mais difícil, pois na dormência do esforço, tudo acaba ficando mais fácil.
As dores.
Que virão no relaxamento das tensões, essas mesmas que nos impelem à colocar um pé na frente do outro em direção ao poço que sempre foi visto de longe, nos provocando o conforto de existir sem mudanças.
Como cenário de quadro.
Mas é hora de machucar as mãos ao segurar firme na corda.
Que segura.
O tudo que foi protelado.
É hora de puxar o balde e beber dessa água que, limpa ou nem tanto, foi ficando ali por culpa nossa e das chuvas.
Até agora.
Esquecida no meio do caos de tantas tarefas.
Adormecida.
Onde iremos saciar a sede, lavar as mãos e os cabelos ou, com dor, descobrir o limo em cada gole.
E aí colocar uma pedra que feche. Encerre.
E procurar uma nova maneira de matar a sede.