sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Identidade


Nunca se esqueça de si, mesmo que o coletivo grite no seu ouvido.

Sozinhos


que a gente faz?
O que a gente quer?
O que a gente espera?
O que a gente é?
Se não existisse sequer um par de olhos para nos olhar?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Breathless


O som do meu corpo caindo na água me fez acordar.
Por que mesmo estou aqui?
Ninguém me responde, nem vai responder.
Nem me perguntaram qual a cor que eu mais gostava para esse oceano comprido, cheio de braçadas.
Ok, vou seguindo.
Fingindo não ver as bocas escancaradas prontas para me devorar.
Sendo parte do cardume que não escolhi.
Eu poderia ter tido patas, mas não caminharia na fluidez do liquido sem as nadadeiras que vieram comigo.
Nem sei ao certo à que espécie pertenço, mas sei que pertenço à essa espécie que nada ao meu lado sem saber também que suas listras, formato e cor servem de referência para algo.
Essa água toda.
Tão limpa. 
Tão turva.
Essa água que é terra.
Essa terra onde tudo é tão pior. Mais do que os dentes afiados de uma moreia.
Esse pedaço assustador de Planeta onde o sofrimento é bandeira hasteada.
Onde a luta é a moeda.
Onde o errado é prêmio.
E se respira tanto quanto se sente falta de ar.
Nesse Mundo afogado por tudo que é mais insano.
E que impede o livre, suave, singelo e necessário respirar.



sábado, 23 de novembro de 2013

Nosso Roteiro Original


A leitura é umas das diversas maneiras que tenho de me abstrair do Mundo, relaxar e sentir prazer.
Mas gosto de ler mais coisas do que livros.
Gosto de ler gente.
Quando me pego parada em alguma sala de espera, café, aeroporto, banco de shopping, me entrego ao cinema particular do cotidiano, muitas vezes mais interessante do que aquele com atores famosos.
Sentada, com os olhos atentos e a mente vibrando, decupo cada cena, devoro cada gesto, memorizo cada olhar, e saio da experiência diferente, como qualquer filme de ficção.
Nas cenas vejo drama, comédia, sofrimento, alegria, ingenuidade, malícia. Vejo coisas escritas na linguagem do corpo.
Ontem não foi diferente.
Aguardando uma consulta com atraso de mais de uma hora, me dediquei às artes, à cultura que me deixa tão culta e feliz quanto admirar um retrato de um campo de girassóis.
A velhinha chega. Se apóia na grade da porta e prescruta o ambiente de cadeiras todas ocupadas. O menino de alguns dezesseis anos logo se levanta ao avistar a senhora com dificuldades motoras (o restante do elenco finge não ver.) Bom menino, deve ser o mocinho da trama. 
A figura que estava longe do campo de visão da platéia, adentra amparando o corpo rechonchudo, porém frágil. 
O filho.
Parecido, mesmos olhos azuis. Emana tristeza e desesperança no corpo magro de uns sessenta anos. A vítima (pelo menos ele se escolheu assim).
Na cadeira desocupada pelo herói, acomoda a mãe, que já é filha. Ficam ali, parados, sem palavras, sem nada.
Minutos se passam onde cada personagem finge não ver quem está ao lado, onde perfumes doces e cítricos se misturam no ambiente pequeno, onde sussurros são vento que sopram no meu ouvido.
O interfone mais uma vez grita. A porta se abre e vejo na hora que é a filha. Idêntica, exceto pelos olhos, que são castanhos.
Vem como mãe, encontrar as mãos enrugadas, acariciar os cabelos ralos, alcançar o aparelho de surdez, sorrir enquanto pergunta quase gritando "está tudo bem?". Se dirige à um irmão que não a cumprimenta, que se mantém sério, seco e intransponível à pergunta sobre os documentos para a recepcionista. Recebe como resposta um desidratado "não".
Não se falam, homem, mulher, um melhor que o outro, mais privilégios, melhor maneira de lidar com a vida, raiva, ressentimentos, indiferença.
E uma mãe. Dependente, idosa, carente que une quem não gostaria dessa união.
Com a chegada da mulher (aquela que tenta consertar tudo), o irmão vai fumar um cigarro na rua, pois o contato dói.
A mãe que agora é filha, é pura abstração e não sabe de quase nada, exceto de que precisa estar ali e que já viveu bastante, sabe-se lá quantas alegrias e tristezas foram suas, teve um marido e pelo menos dois filhos, que depois de dividir uma casa, alguns brinquedos e um ventre, não mais se suportam.
E o filho que a trouxe é o mesmo filho que não quer estar tanto com ela, pois a filha conversa alto e põe a velhinha a interagir com as outras velhinhas e diz que é bom estar ali pra fazer fisioterapia e os sorrisos não cessam, e as mãos que acariciam não param, enquanto os olhos azuis do homem estão virados para a rua ou talvez para os sonhos desfeitos em um passado qualquer.
É a minha vez.
Antes da sair, vejo a última cena da Vida Real.
Uma cena sem fim. Pelo menos para mim.
E como em todo bom filme, vou tratar de tirar alguma lição.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ser Humano


A maioria das coisas eu faço sem pensar tanto o quanto deveria.
Pois sou apenas um animal, afinal das contas.
E depois.
É o meu remorso e culpa que me carrega até a minha forma humana de existir.
Então paro de mostrar os dentes.
De correr feito o vento.
De bater as minhas enormes asas.
E começo a sofrer por todos os erros.
Toda a fútil existência.
De existir sendo pessoa.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Meias Perdidas


Já deixei tantas meias perdidas de seus pares.
Se acumulando em uma bacia, prontas para serem dobradas juntas em alguma dia qualquer.
Como aquelas palavras que poderiam ter sido ditas, mas ficaram com preguiça de se tornarem voz, empilhadas em uma canto qualquer de futuro.
E o desconforto de se olhar para aquelas meias, abraços, pedidos de desculpas, declarações de amor, verdades duras que por falta de tempo, paciência, coragem, fazem os nossos olhos (coração) não estacionarem muito tempo, pois não se pode perder tempo e ainda temos muito tempo depois.
E já não vale muito à pena ser assim tão sincero, pois a sinceridade é pobre e não abre portas.
E podemos morrer de culpa, de vergonha e de medo por termos sido tão idiotas de procurar uma simples meia, quando é tão fácil comprar um novo par.
Custa tão pouco.
Joguemos fora aqueles pés perdidos e a vontade de remexer em gavetas à procura de coisas tão perdidas quanto valiosas, mas que se fazem inúteis nesses dias de coisas novas, brilhantes, perfeitas e bonitas.
Deixa pra lá.
Remexer no que nos falta pode fazer com que encontremos outras coisas perdidas há anos, todas atrás de uma máquina de lavar.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sempre Acreditei em Sereias


Aos quatorze anos eu me achava meio diva, meio demais, meio Última Bolacha Recheada do Pacote.
Muita gente dizendo que eu era bonita e eu focando no foco errado.
Mergulhando nas piscinas da Sogipa, ao som da Madonna (Cherish) ao fundo.
Se preocupando em passar de ano, ter a pele bronzeada, os cabelos compridos e em se vestir bem.
Tinha um palco imaginário ao fundo, onde todas as minhas qualidades não reconhecidas pelos meus (um pouco distraídos) pais seriam  postas no foco do binóculo de algum Anjo Milagreiro disposto a alimentar melhor alguém acostumada à ração de peixe. 
Então eu seria livre daquele confortável, porém hostil, aquário tão bem iluminado com uma luz artificial.
Porém, a minha salvação era a imaginação de alguma outra prisão qualquer.
Onde dotes (não qualidades) valiam moedas de ouro.
Pois uma vez adestrados, até os ursos selvagens jamais serão os mesmos caçadores de salmão de outrora.
Serão cães de pelo marrom, acostumados com o gosto fácil e doce do mel.
Industrializado de preferência, onde a facilidade dispensa a luta.
Baixei a cabeça tantas vezes que esqueci que braçadas em mar aberto podem ser mais perigosas e cansativas, mas nadadeiras atrofiadas pelo espaço limitado, podem matar.
Me disseram que mergulhos profundos não me trariam liberdade, mas risco de se perder na imensidão de muitas águas.
Cresci com medo.
De quase tudo.
Até de crescer.
Amadureci com a ansiedade dos assustados.
Mas sempre gostei de histórias de sereias.
Aquelas mulheres livres, de seios de fora, que tinham um oceano a ser explorado. 
Amei cada heroína ou personagem de história que burlava as regras dos politicamente corretos na intenção de salvar quem valia mesmo a pena.
E buscando lá no fundo de mim salvar o que eu realmente pensava ser importante nessa vida cheia de opções, consegui fugir do protótipo que esperavam.
Tive alguns percalços, é claro, mas quem não os tem?
Mas recheei o meu interior com coisas bem mais permanentes do que aquela bolacha que eu ameacei ser. Vivi ouvindo o canto das sereias e os rugidos dos ursos e sempre preferi os pés em contato com a terra.
E quando vejo esse monte de peixes lutando para ter todo aquele brilho, aquele holofote girado sempre na sua direção, respiro aliviada.
Já não tenho mais um aquário colorido e perfeito como prisão.

Egoísmo Saudável


Nem só de prazer vicário vive uma alma. É preciso se enxergar, existir, possuir uma amor exclusivo à si e ao que faz bem à si próprio para poder coexistir plenamente. Entender que todos necessitam de coisas singulares que não são menos importantes por não serem apenas nossas é a forma mais sublime de amar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Por acaso aqui se pode fumar?


E para os dias nublados, um café. 
Com um doce à frente, derramando afagos e os olhos da outra que são ouvidos, na hora que a minha boca vira tempestade feito o dia feio lá fora.
E quando o sangue não estanca.
Daquela ferida feita por aquele que se deu o Mundo.
O silêncio cheio de barulho, de tanta prece dita na cabeça, vira companhia, vira uma fé infinita de que o amor vence tudo e então vou secar as lágrimas para não nublar a visão do futuro.
E no turbilhão de tantas coisas perdidas ou não achadas, nessa vastidão de desentendimentos humanos, me fazer um pouco surda, cega ou muda esquenta as pernas como coberta que separa o corpo do frio e dá aquela trégua na necessidade urgente.
Da gente.
De se preocupar e morrer de sede sem ter ainda acabado a água.
E para aqueles vazios cheios de necessidades absurdas, um copo cheio de vinho para amolecer um pouco a barreira dura que muda a nossa forma macia e a faz ficar congelada e difícil de tocar.
E um pouco daquele tudo que nos faz continuar mesmo quando a gente queria um pouco de descanso daquela nossa velha cara no espelho nos perguntando "o que você quer, afinal?".
E mais um café.
Ou um copo de vinho.
E muita fé.
Por favor.
Pois ainda tenho tempo.
Mas preciso de um intervalo.
Por acaso aqui se pode fumar?


domingo, 10 de novembro de 2013

Certo ou Errado?


Nas opções da minha vida.
Se eu tivesse que escolher entre todo o prazer de comprar cada novo sapato ou o prazer de me secar ao sol de um mergulho no mar, ficaria com o mergulho.
Se eu  tivesse que escolher entre gritar todas as palavras entaladas na minha garganta à simplesmente esperar que elas virassem semente de um projeto que eu mal sabia existir, ficaria com os gritos.
Se eu pudesse escolher entre todos os sorrisos forçados às lágrimas grossas e quentes, eu ficaria com elas.
Apesar de amar comprar sapatos, de conhecer bem os gritos abafados, de ser genuína nos sorrisos forçados.
Mas se eu pudesse dizer as tantas verdades que guardo quietas no silêncio da minha resiliência.
Eu teria muitos desafetos.
E nessa vida de meias verdades, meias mentiras, meios amores, meias entregas, nessa semi-vida vivida pelo fingimento tão conhecido de quem se adapta.
Somos todos gado.
Que pula, pasta, reluta e grita aos maus tratos.
Mas acaba quieto.
Enfileirado.
Para o abate.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Ponto a Ponto


Já me costurei tantas vezes. Quando os pedaços quase soltos ameaçavam desfigurar o conforto de ser inteira.
Já me refiz em tantas esculturas, depois de ser bloco inteiro pronto para ser esculpido e virar a forma que mais combinava com o ambiente da minha vida.
E nesses processos doloridos de recriação, onde a mudança foi costurada com a linha que estava disponível, onde cada massa foi dedilhada à ponto de se tornar forma, tive que buscar feito artista aquele gole d'água para recuperar as perdas do suor.  
E a minha fonte é tão variada, simples, porém tremendamente eficaz.
Tenho cheiros tatuados na minha memória que me remetem à momentos tão vívidos que sou capaz de fechar os olhos e viajar.
Não que as pessoas, lugares, objetos, comidas, donos dos cheiros, fossem algo espetacular.
Mas o momento em que o cheiro se fez abraço, ele se tornou a minha pequena boia na imensidão de um oceano turbulento e pronto para me engolir.
Esses cheiros que me salvaram (e salvam) tanto... aquele perfume Stiletto do Boticário, o cheiro de bonecos de borracha (daqueles de cartelas), de folhas queimadas na churrasqueira, o cheiro de um livro novo, de um cigarro de cereja (ou daqueles gudang), cheiro de sauna com eucalipto, de piscina, de pele exposta ao sol, do Giovanna Baby (perfume mais antigo do que eu), de óleo de Urucum, de Boa Noite ( aquela fumaça pra espantar mosquito), de protetor solar.
São tantos.
São tantas as formas de se salvar.
De se costurar.
E que nos sirvam para reacender a lembrança de que apesar de tanta coisa, temos tantas fotos, cheiros, lembranças que nos faziam sorrir.
E não sorríamos porque tudo era melhor.
Sorríamos porque sempre temos o amanhã.
E a infelicidade é o intervalo entre duas felicidades.
E ela nos espera sempre. 
Mesmo que demore.
Mesmo que precisemos costurar alguma coisa.

Alinhavar.
Ou simplesmente fechar os olhos.
E cheirar.

Detalhe


Algo nos incomoda profundamente.
E até descobrirmos que era apenas um grampo de cabelo.
Já brigamos com a metade da humanidade.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Mistérios do Dia a Dia


Pessoa,
Para você que pensa que existe um milagre escondido em cada lixeirinha de banheiro e de cozinha que se esvazia, não se engane.
Você que não vê mais os pelos dos seus gatinhos e cãezinhos que antes voavam rasteiros ao chão.
Você que vê as plantas saudáveis, os copos limpos nas prateleiras,
Que sente o perfume dos lençóis recém trocados, as roupas limpas e passadas no armário,
Saiba de um segredo.
Por trás de todo esse mistério existe uma mulher.
A amada.
A mãe.
A empregada.
A remunerada.
A nem tanto.
A cansada.
A disposta.
A tolerante.
Ou todas elas em uma só.