terça-feira, 25 de março de 2014

Feliz Desaniversário


Amanhã estou de aniversário.
Já fiquei muito feliz com este dia cheio de promessas.
Ilusórias.
Invejo quem realmente gosta do dia do seu aniversário. Admiro. 
Ainda sou criança para a maioria das coisas, mas a poesia de outras ficou alquebrada em alguma esquina qualquer chamada Decepção.
E essa ruptura violenta se deu à pouco tempo, quando percebi o significado histérico das datas.
Fui acordada com um despertador altíssimo para uma realidade de consumo insano e desenfreado que faz a emoção sucumbir à ganância e ao afeto.
O Natal perdeu Jesus, a Páscoa também. O Dia dos Namorados, a paixão, o das Mães o amor, os dos Pais, o reconhecimento. Tudo se resume à presentes, moeda de ouro para comprar coisas que não deveriam ser compradas.
E nesse universo de umbigos inflados, um aniversário nada mais é do que uma data onde, se festejada, fará parte de um investimento pessoal (de quem aniversaria e de quem é convidado), uma oportunidade para exibir o retrato de uma vida feliz e imaculada, de encontrar pessoas e fechar negócios, de desfilar os carros, sapatos, roupas e trajetórias de viagens com uma eficiência próxima à de um currículo.
Me perdoem o azedume, mas não sei se fecho uma mão com o número de pessoas que realmente fica alegre com  fato de eu ter nascido no dia 26 de março de 1967.
Ainda fico feliz pelos outros, confesso. Pois acredito que eles não tenham essa visão ácida que tenho e, portanto, regojizem e usufruem de toda a felicidade etérea de um dia que é apenas uma dia especial.
Como tantos.
Ainda sinto prazer genuíno em abraçar e parabenizar quem aniversaria, pois como disse antes, invejo quem guarda a inocência de sentir algo sobrenatural com o fato de existir por mais um ano.
É como o réveillon que abre caminhos fantasiosos no nosso coração para uma Alice nossa acreditar que tudo, afinal, dará certo.
Dará, eu tenho certeza.
Mas não por estarmos de aniversário ou pelo ano estar recomeçando ou por darmos presentes caros e desejarmos intenções falsas. 
Mas por procurarmos o bem.
Todos os dias.
E não apenas um único dia incrustado em um longo ano.

domingo, 23 de março de 2014

Língua Má


Todos os dias, meu marido vem me contar alguma Novidade Bomba à respeito do nosso país e sua administração criminosa. Todas as vezes lhe lembro que não quero saber. Hoje ele me disse que tenho que saber, para poder modificar. Balela! Nuncavamos modificar toda essa podridão por mais que postemos no Facebook a nossa indignação, por mais que gritemos, choremos e criemos úlceras de preocupação. Não serve para nada! Apenas o voto pode mudar algo e só. Como disse o Marcola, a coisa é psicossocial, profunda e sem solução.
Uma amiga dos meus pais, mexicana, casada com um alemão, professora de inglês na escola e cidadã americana, certa vez, quando fomos à Los Angeles visitá-los, me falou sobre a dificuldade no aprendizado de uma língua estrangeira, pois a nossa língua (a de músculo mesmo) se acostuma aos movimentos que precisa fazer para formar os sons das palavras. Por isso, os sotaques são tão difíceis de extinguir, se não impossíveis.
O brasileiro é uma língua enrijecida pelos seus padrões corruptíveis, marginais e viciosos e seria preciso amputá-la e implantar um nova para que algo mudasse.
E não vou envelhecer e sofrer por algo que não tenho o poder de modificar.
Aceite ou se mude.
Infelizmente.

Somos Todos Consequência


Jantando na casa de amigos, um deles levou a esposa, vinte anos mais nova, com seu bebezinho de cinco meses.
Fazia tempo que eu não observava mãe e bebê tanto tempo, em cada delicioso detalhe. Mãozinhas rechonchudas que agarram seios, perninhas mais rechonchudas ainda que denotam brabeza ao sacudir energicamente, sons parecidos com miados, olhar profundo e ao mesmo tempo distraído.
Me abstraí de toda a conversa que dançava nos meus ouvidos e mergulhei naquelas cenas de vida. Do começo dela e toda a relação com o novo e princialmente com quem lhe proporcionou enxergar o mundo: os pais.
E mais uma vez fui invadida pela certeza de que é ali que tudo começa.
Toda a forma de nos relacionarmos com as pessoas e a vida é o reflexo da compreensão do bom e do mal que percebemos nos primeiros olhares, nas primeiras rejeições, carinhos. Nas primeiras necessidades atendidas ou não, e quando atendidas se com amor ou frustração.
E entendi, mais uma vez, o porque da humanidade carregar tantos traços neuróticos, obsessivos, deprimidos, assassinos, loucos.
É muito difícil acertar, mesmo tentando ao máximo, pois nascemos cheios de necessidades porém inaptos em demonstrá-las.
A jovem mãe tentava desesperadamente entender o que quer que estivesse deixando sua filha incomodada e chorosa, mas não obtinha sucesso. Saiu da sala barulhenta, deu o seio, colocou de bruços, ninou, acariciou.
Nada.
Poderiam ser cólicas, sono, agitação, cansaço, calor, frio, fome, sede. Poderia ser tudo. Um Tudo que deixa dois adultos vividos na situação em que todos nós nascemos: na mais absoluta ignorância.
E esse bebê foi atendido dentro da limitação cega de quem não tem números nem palavras para se guiar, mas amor para tentar.
E os que não tem?
Os que nascem sem consentimento? Sem amor? Sem um berço para dormir, uma mão para afagar, um colo para se recolher?
E tantos outros que dormem em lençóis rendados, com móbiles importados oscilando acima das suas cabecinhas, mas são entregues à tantas mulheres de branco, pois as mães devem estar ocupadas com tantas coisas mais?
Lembro até hoje (eu deveria ter dez anos) de uma mulher lindíssima que casara com um bem sucedido empresário e era amiga e vizinha da minha mãe. Ela levava o bebê nas visitas e quando percebia que a criança queria se aliviar nas fraudas, na hora que ela considerava errada, pressionava com o dedo a bundinha da criaturinha que berrava. Uma doente mental que me faz, arrepiada, imaginar que tipo de vítima - monstro ela criou. Ou, quem sabe, que ser humano maravilhoso se tornou, depois de superar os seus fantasmas pessoais? Sabe-se lá.
Tantas vítimas-monstros que andam por aí provocando dor, terror e sofrimento em outras pessoas, pois não conhecem outra forma de existir.
Nunca me esqueço que uma amiga psiquiatra me disse que de dez pessoas apenas uma goza de plena saúde mental.
Gostaria de me sentar por várias horas com essa mãe que criou esse 1% de amostragem.
Ou pai.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Fidelidade e Lealdade


Sempre fui um ser pensante.
Mas em tamanha intensidade que tive que começar à escrever para não parar em uma mesa de eletro-choque.
Beirando os cinquenta, a coisa piorou. A minha inquietude mental é tanta que consegui arrastar algumas amigas para uma espécie de terapia grupal, regada à vinho ou café, dependendo da ocasião.
Nessa terapia jogamos na mesa (ou sofá) tudo aquilo que habita a alma feminina e não apenas a nossa.
Tentamos dissecar o que é existir como fêmea nesse mundo que dividimos com tantas outras e os machos.
O tema de nosso último debate foi a fidelidade e a lealdade.
O que é mais importante para nós, termos um companheiro fiel ou um companheiro leal?
Na verdade, o ideal seria ambos, mas pensamos que isso só seria possível fora da terra onde as bundas dominam mais do que os cérebros.
Não entramos no grau de infidelidade aquele em que o sujeito mantém duas famílias, mas aquele que consiste em ecapadelas com o intuito de comprovar que a testosterona ainda anda bem comportada.
O sujeito lhe traz flores, ajuda na casa, no trabalho. Acaricia o seu braço, é romântico ao ponto de andar de mãos dadas. Gosta de sexo. Com você. Não xinga nem grita, não discute na frente dos filhos, não paquera na sua cara, enfim, é um amigo leal e bacana. Porém, tem lá os seus deslizes quando alguma dona balança as suas calcinhas na mão e rebola.
O sujeito vive reclamando de tudo, faz piada de suas inabilidades na frente dos amigos, encara todas as mulheres maiores de dez anos na sua frente, grita e dá esporro por nada, não quer saber dos seus problemas que aliás, são um bando de besteiras feministas. Não gosta assim tanto de sexo. Mas é um um exemplo de fidelidade.
Eu sei que estes dois perfis se contradizem nas atitudes, mas estamos em terapia de amigas, pelo amor de Deus, e tudo vale.
O que dói mais?
Qual macho em questão é o mais desejado?
É melhor ter a cabeça livre de adornos ou nos fazermos de cegas perante algo que se torna diminuto perto do que foi construído de bom?
É melhor ter uma linda história com algumas páginas amassadas (e imperceptíveis ao dono do livro) ou guardar todos os dias um livro imaculado porém difícil e chato de ler? 
Depois de várias taças de vinho e café e na proximidade dos cinquenta (novamente a idade ensinando) - onde enxergamos que tudo na vida tem vários lados - somos unânimes em chegar à uma conclusão.
Cada casal tem uma linguagem.
Um modo de se relacionar.
Uma maneira de ser feliz.
E isso não diz respeito à ninguém.
Apenas à quem resolveu segurar forte no leme e nunca deixar o barco afundar.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Macho Alfa


Eu considero a maioria dos homens profundamente imatura. 
Nunca saem da adolescência, quiçá da época em que se alimentavam ao seio materno.
Se sentem os maiores heróis por ganhar dinheiro, dirigir um baita carro ou conquistar uma fêmea disputada.
Os princípios pré-históricos são muito ativos, tanto que muitos já resolveram os problemas no soco.
As partidas de futebol são as maiores provas.Tanto para os jogadores quanto para os torcedores.
No leito de morte, essa maioria talvez exija a mamadeira e a chupeta para lidar com o medo.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O Peso da Água


Mas por que eu me sinto culpada com tudo, afinal de contas?
O meu choro de recém nascida foi culpado.
Depois, com as pernas ainda bambas por ter dado os primeiros passos, caí na garras do Colégio Farroupilha (salve, salve a nossa escola...quem passou e sobreviveu à ele, conhece esse hino maldito).
Os diretores eram todos alemães, o primeiro mal falava português, o Professor Hanz Tiz (era o som do sobrenome, não sei como se escreve) tinha uma tendência forte a criar um sistema de crianças/ rebanho que mal falavam, sequer pensavam, mas obedeciam. E muito.
Para isso contou com um exército de professoras solteironas, mal amadas e de descendência germânica (não sou racista, mas que as raças obedecem aos seus padrões fenótipos, eu não tenho dúvidas) para ensinar torturando, método tipicamente alemão.
Quando saía do Colégio Farroupilha ia para casa, onde pais germânicos me aguardavam.
Então, eu tinha o treino na Sogipa (clube alemão?) para me tornar uma grande tenista, pois fazia parte da equipe juvenil de tênis.
Nunca fui uma boa estudante. Era rebelde (Graças à Deus) e fazia mais estripulias do que qualquer menino da sala. Vivia em aulas particulares e recebia puxão de cabelos quando errava a tabuada, mas mesmo assim não me importava.
Na sexta série joguei uma cadeira pela janela e me senti muito realizada, mesmo confessando tudo para o diretor (que usava uma peruca em tons marrons) e ouvindo um "me surpreende ser uma menina com uma atitude dessas". Confessei só para não comprometer toda a turma com uma suspensão.
Como tenista, me esforçava para perder as partidas.
Então, penso que tentei de toda as formas me rebelar contra a culpa.
Mas jamais consegui.
Sempre penso que fiz mais quando deveria ter feito menos.
Fiz menos quando deveria ter feito mais.
Sou completamente realizada com as minhas escolhas, mas sempre fica aquela monstrinha, escondidinha nos recônditos do meu cérebro, acusando: Era isso?
Me esmero para ser uma pessoa digna, mas sempre penso que poderia ser melhor.
Melhor, maior, menor, mais, menos...
Aprendi a viver assim.
Ou eu teria casado com um alemão?
E a culpa me machuca, mas me impulsiona.
Pois tudo que faço vem com um manualzinho onde marco os erros e os acertos, segundo os meus rígidos e quadrados princípios.
E adoro pegá-lo na mão.
Deslizá-lo entre os dedos.
Folhear as páginas e me deliciar com aquele monte de rabiscos vermelhos.
E nesses momentos a culpa que nasceu comigo, vai dar uma voltinha sem hora para retornar.
Pois vou beber um pouco com os meus erros.
Ou seja lá como se chamam esses sinais de que não fui cem por cento, mas fui imensamente feliz.
E é isso que me mantém com a cabeça para fora dessa pesada água.
E me impede de eu me afogar.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Amanhã Pode ser Tarde


Se enfiar pé na jaca significa rompermos com as medidas, padrões e números que insistem em nos acusar sempre, que enfiemos os dois pés na jaca. Sempre. Porque a felicidade não deve ser medida com régua. E felizes, somos melhores conosco e com os outros. E não devemos ter dia e hora para sentirmos prazer em viver. Se esse prazer nos traz certos ônus, que seja! Um dia não teremos mais uma jaca, mas só lembranças de quanta alegria sentimos aos lambuzarmos os nossos pés.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Menor dos Males


Tenho quarenta e seis anos.
Sou casada, não tenho mais comprometimento intenso com os filhos, estou no auge da minha estabilidade emocional, da minha saúde, minha disposição física e psíquica.
Tenho disponibilidade de horários, já sei muito mais do que eu sabia aos vinte anos.
Mas sou carta fora do baralho no mercado de trabalho.
No Brasil, diga-se de passagem. 
Por que?
Recentemente me candidatei à uma vaga em uma renomada joalheria, que já assinou minha carteira do trabalho, e ouvi da própria gerente que pessoas que já tiveram vínculo com a empresa eram as primeiras da lista.
Me pergunte se fui contratada.
Ao passar em frente à loja , dias depois, vi uma das funcionárias (de seus vinte e poucos anos), sentada à mesa (que fica de frente para a porta, aliás todas ficam) com uma tesoura, aparando, languidamente, as pontas duplas dos cabelos.
Muito chique. 
Mas ela era jovem, certo?
Qual a razão obsoleta de termos postura e educação, se temos anos a menos registrados na nossa carteira de identidade e sabemos que é isso que o mercado pede?
Ouvi de uma conhecida que o limite tolerável para uma Propagandista (para quem não sabe, as moças que distribuem amostras grátis aos médicos e tentam alavancar as vendas dos laboratórios que representam) é quarenta anos.
E ainda, ela já perdeu vagas em outros lugares, pois já estava na casa dos trinta - "meio passada" para as exigências nacionais retrógradas.
Desde os meus dezoito anos vejo comissárias de voo de companhias estrangeiras, exibindo com orgulho os cabelos prateados.
E não adianta colocar esse monte de vagas para idosos, quando o respeito ao passar dos anos só fica no papel.
Em um país cheio de programas como o Pânico e suas Paniquetes, não poderia ser diferente.
Em um país onde os ídolos são os gostosos, jovens, marombados, esportistas e um que outro boçal feito o Roberto Carlos, não poderia ser diferente.
Em um país onde nada mais me surpreende. Nada.
De toda a absurda e desenfreada podridão, não empregar mulheres com mais de trinta, é o menor dos males.

terça-feira, 11 de março de 2014

Os Meus Fantasmas


Tenho alguns traumas na vida, como ser retirada do mar aos dez anos de idade, fazer tratamento de canal, perder minha primeira cadelinha. Me abstenho de falar sobre a perda de entes queridos, pois não é à essa forma de dor que me refiro.
Esses dias, contando para o meu marido esses dois traumas, que sabe-se lá porque, vez ou outra voltam tinindo à minha cabeça e retiram o meu sossego, ele sugeriu que eu escrevesse.
Como ele sabe que lavo, enxáguo e torço a minha alma quando estou redigindo, me sugeriu que eu criasse uma história de vingança, onde os personagens malévolos, que provocaram tamanho sofrimento na minha infância, fossem extinguidos por um Charles Bronson de saias.
Não iria resolver, pois foram reais, passaram, mas existirão e não pude fazer nada. E o não poder fazer nada foi o real motivo de o que vivi, virar um fantasma. Ou vários.
Pois resolvi escrever sobre essas assombrações medonhas, na intenção de afugentá-las e me livrar da dor que ainda sinto ao confrontá-las. 
Me criei em Torres, onde meus pais possuem uma casa bem antes de eu ter sido concebida. E os torrenses, os nativos, para quem não sabe, são muito, mas muito cruéis. Em sua maioria.
Tive o desprivilegio de cruzar com três, dessas piores espécies, em um verão de 1978.
Um deles caminhava pela estrada da Guarita, um caminho sinuoso, lindo e cheio de lombas, enquanto eu pilotava a minha bicicleta e curtia o cheiro do mar. Ele não me via, mas eu o via caminhando à minha frente, com um pequenino cão o seguindo.
De repente, quando uma certa curva me tornou invisível à ele, mas não ele à mim, o monstro - um rapaz alto e com os cabelos compridos - se virou, agarrou uma imensa pedra do chão e a arremessou brutalmente no cãozinho.
Meu coração parou com o grito que o animal deu. Meu instinto foi imediatamente descer da bicicleta e me deitar no chão, pois depois de agredir o cão ele olhava para todos os lados, procurando testemunhas de sua barbárie. Como não avistou ninguém, afastou o corpo já sem vida para o canto, escondendo-o no meio do capim alto que ladeava  a estrada. Fiquei meia hora deitada no chão, suando, com medo, raiva e confusão dançando no meu cérebro.
Quando finalmente me levantei, fui até lá. 
E chorei. Chorei feito bebê ao lado do corpinho frágil que eu não pude defender.
Mas o verão não tinha chegado ao fim e mais uma vez me vi diante da crueldade.
Dessa vez, quando eu caminhava sozinha pela Pontezinha, nome dado ao paradouro que fica na encosta do morro da Guarita, na Praia da Cal.
Dois adolescentes torturavam uma garça, arrancando pena por pena e rindo às bravatas.
Pedi que a largassem e, por minutos, lembro da corrida capenga e sôfrega do animal, buscando se ver livre da maldade. Porém, para me provocar, eles a pegaram de volta e recomeçaram o que haviam parado, rindo muito do meu medo e desafiando a minha coragem. Não fiquei para assistir ao espetáculo.
E mais uma vez me senti de mãos atadas e o choro se transformou em uma raiva feroz no meu coração, para depois virar desesperança, desamparo e finalmente um fantasma.
Um fantasma de olhos medonhos que me pergunta sempre o porquê de eu não ter feito nada.
Está certo, eu era uma menina, pequena, sozinha, mas as assombrações não querem justificativas para não apavorarem as suas vítimas.
E elas me seguem e, às vezes, nos momentos mais inapropriados sentam ao meu lado e exibem um sorriso feio e fétido.
Depois de tantos anos, ainda sou uma refém sem saída.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Quero Sentir Saudades

Eles se conheceram quando tudo que se conhece é o futuro.
Em uma época onde as promessas chegam de todas as formas possíveis e não é possível ignorar que se tem um mar de braçadas em um vasto oceano todo novo, inóspito, lindo e não penetrado, pela frente.
E fizeram planos.
Amor.
E fizeram filhos.
E com eles vieram os netos.
E entraram naquela barco sereno, mas nem sempre calmo, do entrelaçar de dedos já não tão famintos por descobrir lugares desconhecidos.
E não foi fácil também, pois não é fácil modificar a imagem que se tem daquele que tanto conhecemos.
Não é fácil mudar o olhar, mesmo que o olhar de ontem seja cheio de incertezas, dúvidas e inseguranças.
Porque morar no coração de alguém e habitar o do outro com perenidade, faz com que muitas coisas se percam, apesar das tantas outras que se ganham.
E a paixão, amor, amizade, pode se transmutar em outros sentimentos quando se divide por tantos anos as muitas alegrias e ressentimentos.
E eles, de repente, se enxergaram velhos.
E já não eram mais amantes.
Tampouco companheiros.
Mas cúmplices de uma jornada difícil que é se fazer dois, em uma vida onde se nasce para ser apenas um.
E quando finalmente o olhar do outro serenou no recomeço de uma outra história, é que aquele amante, amigo, companheiro, cúmplice, teve a certeza de que tudo valeu a pena.
De que o que vem é o resignado sofrimento.
Ou a surpresa de um novo sentimento.
A dor e o alívio.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Sick


Às vezes, certas dores inexplicáveis incham dentro da gente feito uma intoxicação alimentar.
Começa aos poucos.
Um enjoo suave, uma leve dor de cabeça, uma certa indisposição.
Mas como a gente não quer parar o que está fazendo nem a vida que vem em ondas prontas para serem surfadas, vamos levando.
Até que a alma incha como uma barriga doente.
Mas não sabemos o que fazer com todo aquele inchaço, desconforto.
Talvez deitar um pouco.
Respirar direito.
Não dá para ser covarde nesse mundo onde quem não é valente como super herói, não sobrevive.
Quem sabe um sal de frutas possa resolver a situação?
Mas não resolve.

E dói.
Dói demais essa coisa que todo mudo diz que é besteira. 
Então, depois de termos sido experts na arte de não regurgitar, eis que o que nos fez mal vem.
Primeiro devagar, com medo de ser algo com falta de motivos.
Mas nem sempre os motivos precisam ser imensos para que uma bactéria microscópica se instale no nosso organismo.
E nos cause uma vontade louca de repousar.
De toda essa atividade do nosso corpo.
E, sim.
Queremos urrar de dor, vomitar essas coisinhas pequenas com espalhafato.
E  parem vocês os alegres de plantão, os otimistas de carteirinha, os que minimizam tudo que vem dos outros ou os aumentam também, conforme o seu bel prazer.
Cada um tem o direito de ser feliz ou sofrer com coisas inexplicáveis para quem as vê.
Afinal, o copo é nosso.
E a tempestade também.
E se vocês não são capazes de compreender ou ajudar.
Não queiram julgar.