sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ave Tatuada


Lá pelos meus vinte e poucos anos eu já carregava duas lindas meninas no colo.
Eu estava tão feliz e realizada por ter colocado no Mundo duas criaturas tão cheias de amor, de alegria, de descobertas e de vida, que resolvi homenageá-las.
Tatuei duas pequenas flores nas costas.
O tempo foi passando, as doces meninas crescendo, as flores sofrendo o efeito do sol e do tempo.
Até que um dia, depois de perceber um movimento sutil de asas batendo, um prenúncio de voo se aproximando, sentei. 
Olhei para as estrelas, bebi minhas recordações de boquinhas sujas de leite, mãozinhas mornas enroscadas no meu dedo, olhos que me procuravam a todo o instante.
Chorei um pouco, sorri um tanto outro.
Aceitei.
Um rascunho à caneta de uma ave com suas imensas asas abertas, cobrindo as minhas diminutas flores, me foi mostrado no espelho. Olhei pela última vez aquele colorido quase infantil e deixei que as minhas costas voltassem à sangrar.
Hoje, quando vejo os quartos vazios, quando espero a noite chegar, na ilusão de que o interesse ainda seja eu, quando tento recuar em um tempo que não é mais meu, acaricio de leve as minhas costas.
E me olho no espelho.
Choro um pouco, sorrio um tanto outro.
Aceito.
Tão linda é a minha ave, tanto quanto as minhas belas flores.
Em suas diferentes cores, traços, significados.
Agora estou mais velha e aprendi que o amor é nosso, pois vive dentro de nós.
Mas o resto...
Tem que ser livre para voar.

sábado, 24 de agosto de 2013

Homem Mustangue


Existia um método indígena para capturar Mustangues selvagens que consistia no seguinte: por vários dias os índios andavam atrás do bando de cavalos, os seguindo a pé, enquanto eles se afastavam. Os índios avançavam, eles recuavam, até que um belo dia o grupo de índios começava a fazer o caminho de volta. Os cavalos, acostumados com a presença dos índios e sendo animais muito curiosos, passavam à segui-los e, no final, entravam calmamente nos cercados.
Para mim, os homens tem o mesmo funcionamento. Odeiam pressão e não suportam indiferença.
Quer ver um homem se afastar? O persiga. Ligue a toda hora, faça visitas surpresa sistemáticas, não pare de se declarar a todo o instante.
Quer tê-lo sempre por perto? Faça-o entender que ele não é sua prioridade e que a sua vida é cheia de coisas boas, além dele.
Para os mais difíceis, nada que um gelo não resolva, uma ausência prolongada, um silêncio sepulcral.
Pedidos repetitivos acionam, de uma maneira surpreendente, a surdez seletiva dos homens.
Quer alguma coisa? Use artimanhas, subterfúgios bem pensados.
Um pedido direto, à queima roupa, provoca uma reação de galope tão forte no macho em questão que a sua necessidade dificilmente será atendida.
Está certo que também sabemos ser melosas, grudentas, insistentes e choronas, de vez em quando, mas acredito que só Freud ou Jung poderiam explicar  essa intolerância claustrofóbica à proximidade e intimidade emocional.
Claro, com algumas poucas exceções.
Machismos à parte, pois vivemos à luz de uma cultura extra, ultra machista, um aviso:
Você está feliz com o seu Mustangue pastando tranquilo na relva verde do seu cercado?
Pensa que isso tudo é um papo furado e que ele come na sua mão, adora os seus extensos pedidos, os seus oito telefonemas diários para o escritório, a sua necessidade de fazer absolutamente tudo à dois?
Fique atenta, pois esses seres tão cheios de testosterona e atitude são hábeis na hora de pular. :)


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Alegria Fluída


Os meus pés, mesmo de botas, congelam em contato com o frio da calçada, mas sorrio ao lembrar do calor da minha casa.
Um sorriso um pouco doído.
Olho para a luz tênue, alaranjada e encoberta por espessas cortinas drapeadas das janelas que passo e sinto meu coração se confortar.
Um conforto um pouco doído.
O céu chora gotinhas geladas de chuva, estremeço e lembro do banho quente que me aguarda.
Uma lembrança um pouco doída.
A noite se acinzenta com a fumaça cheirosa das chaminés e olhando para cima avisto as estrelas que sempre me deixam tão feliz.
Uma felicidade um pouco doída.
Lembro do edredom que devo buscar na lavanderia, do jantar quente que vou servir para as minhas filhas, do copo de vinho, das labaredas da lareira pequena, do gás que - ainda bem - lembrei de trocar.
E uma tristeza que eu não deveria sentir, vem me visitar e se alojar nos meus ombros.
E ela pesa o suficiente para eu saber que ela não me pertence, mas existe.
Por ser justa, ela não rouba a minha alegria.
Ela apenas a faz um pouco mais fluída para que essa alegria possa viajar nos meus pensamentos, possa percorrer o meu corpo, adentrar na minha alma e virar prece.
Para aqueles que não tem quase nada.
E sofrem.
Sem que ouçamos seus lamentos e gemidos.
No aconchego da nossa casa.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Engano


Nunca se deve pensar que é mais fácil ou mais difícil ser o outro. É apenas diferente.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Mundo em Preto e Branco


Ele está na idade em que as meninas vêem em si próprias inúmeros defeitos invisíveis ao olhar adulto.
Aquela idade que tudo brilha, os cabelos, a pele, os olhos, as ilusões.
Aquela idade em que eles saem de bando no final do turno escolar e arrulham, vivazes feito pássaros exóticos que tem o céu aberto de futuro pela frente e asas ainda em crescimento.
A idade dos tênis coloridos, roupas descoladas, skate em uma mão, iPhone na outra.
Mas para ele restou pouco.
Um cavalo, uma carroça, uma mãe de meia idade que controla as rédeas e três cães sujinhos, porém fiéis.
Restou olhar com a distância da alma, uma juventude que não lhe pertence.
Dou tudo que posso para essa mãe que permitiu que o filho, em um arroubo de viço, furasse a orelha direita e colocasse ali a prova de que ,sim, ele também tem dezesseis anos.
E é para ele que resgato tantos tênis em desuso, na tentativa de trazer um pouco de igualdade para quem nasceu na diferença absoluta.
Não vou evitar aquele olhar - que percebo quando lhe alcanço as coisas - para o grupo que desce às sonoras gargalhadas, vindo do Colégio João Paulo I.
Não vou conseguir prometer à ele o futuro que gostaria que tivesse, pois tenho medo do que ele possa encontrar na próxima curva.
Ainda lhe resta muito. 
O sorriso sempre aberto, a coragem de - em cima de uma carroça -  ajudar a mãe que labuta, a educação ao agradecer cada sacola, a  dignidade de tratar bem os seus animais, a esperança ao se enfeitar de boné e brinco.
Em uma idade onde tudo é tão dramático e intenso, me pergunto ,com medo, o que se passa em um adolescer tão duro.
À mim resta ajudar com o que tenho.
E pedir à Deus que a severa realidade que esse menino carrega nos ombros, lhe sirva como forja de um caráter ainda intacto.
E que, mesmo tendo uma juventude passada em branco, ele tenha esperança de ser um adulto que poderá escolher algumas cores para alegrar o seu mundo.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Criadores de Nomes


Os nomes, para mim, sempre mostram um pouco da natureza de quem os criou, inclusive os nomes próprios.

Maria Eduarda: Casal jovem, moderninho, pois as marias deixaram de ser antigas e estão pra lá de modernas.

Natália: O mesmo caso, só que dos anos noventa. 

Fabrício: Se os pais não são italianos, têm descendência ou são cheios de personalidade, sem medo do novo.

Luiz: Esses não tinham tempo de pensar nessas coisas de nomes elaborados e saíram com a forma mais rápida, simples e ágil. Sem muitos recursos tecnológicos, a criatividade ficava comprometida e esse nome foi febre nos anos sessenta.

Mel: Com tendência hippie, a liberdade é a bandeira de quem batizou a filha com esse nome.

Raquel: Casal certinho, regras dentro de casa, disciplina. Uma Raquel nasce para ser modelo de comportamento.

Rafaela: Quase nada assusta os pais de uma Rafaela, pois o nome sempre foi sinônimo de criança arteira, espoleta. 

Maiquel: Tudo que eles queriam era sucesso, fama e luxo, mas nunca saíram de Cachoeirinha.

Alfredo: Professores com tendência nazista.

Bóris: Gente muito má.

Mônica: Viram muito filme estrangeiro e acharam que sabiam mais que os outros. O nome ficou no meio do caminho de uma Simone e uma Munique. Pais em cima do muro.

PS: Isso tudo é uma brincadeira, por isso sem intenção de ofender. Mas vai continuar...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Bárbara


Um dos meus maiores projetos me enche de orgulho, por isso abro espaço para esse texto lindo, da minha filha de 18 anos. Lindo como ela.

"Há tempos eu parei de escrever. Parei de analisar, pra me permitir sentir. Deixei (de lado) o lado que insiste em refletir, parafrasear e rimar os acontecimentos e libertei-os para que tomem o mesmo rumo do vento. O rumo da poeira que sobe quando o ônibus passa pela terra batida e que, acompanhado pelo som das conversas abafadas de completos desconhecidos, simboliza o fim de novas vinte e quatro horas de vivência nesse corpo. Libertar foi a melhor ideia que eu tive, mesmo que a cabeça esteja atormentada de mil e um pensamentos e frustrações e sonhos e realizações. Deixar o preocupante pra última hora, pro último minuto, pra hora do desespero é sim o que eu decidi fazer. Vou sim cheirar as flores, olhar pro céu, rir do descompasso e chorar com descompromisso. Vou viver agora, senão fica tarde e escurece. E o escuro já não é mais uma opção. Eu só quero luz."

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Freedom


Quer ser o que vier à cabeça? Vá em frente. Não porque é Sexta, nem Sábado, tampouco as férias do trabalho. Mas porque somos livres e as cordinhas imaginárias que nos fazem boneco dos outros, brotaram de dentro de nós mesmos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Tudo de Novo



Morremos um pouco a cada dia.
Na existência da vida.
Quando se vê a silhueta conhecida embarcar para um destino longínquo.
Quando os filhos abandonam a fusão dos nossos corpos.
A nossa casa.
O aconchego do nosso abraço.
Morremos um pouco a cada dia.
Na despedida seca de férias doces.
No escorrer pelo ralo da água quente de uma banheira.
Que leva um pouco do calor sentido no útero.
Morremos um pouco a cada dia.
Na troca de endereço.
De trabalho.
No fim de um casamento.
Na palavra dita.
Dissimulada.
Na que encerra.
Na que limita.
Renascemos um pouco a cada dia.
Para a eternidade dos fins.
E a surpresa dos infinitos recomeços.


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Tempo


A vida é muito curta para se permitir viver a raiva.

Paz


No dia que você compreender que é preciso esperar muito pouco do outro, a aceitação, a compreensão, o perdão e a vivência plena serão a causa do seu sorriso. E as lágrimas serão escassas.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Meu Novo Trabalho.


O Mundo é cheio de preconceitos.
E como já disse uma vez, nada mais estagnante para a mente do que se posicionar perante algo desconhecido.
Como ser humano que sou, não estou livre de me pegar fazendo pré julgamentos, vez ou outra. Quase sempre me envergonho depois, exceto quando a minha intuição feminina acerta na mosca.
Pois eis que estou passando pelo mesmo crivo de quem não vê muito além dos olhos. Por que?
Porque resolvi trabalhar como babá de animais. Não é uma profissão, mas mais uma atividade na minha infindável lista de mulher inquieta que sou. E como acréscimo, pretendo faturar, algo difícil hoje em dia.
A primeira pessoa a se jogar no chão, com um terço na mão, balbuciando "não pode ser" repetidas vezes foi a senhora minha mãe.
Como uma mulher pós graduada, com livros publicados pode querer limpar a bagunça dos animais de outras pessoas? Ela disparou.
"Ah, não faz isso..." foi o jargão por semanas, até que o meu silêncio, por fim, silenciou as suas palavras.
Amigos me olharam com olhinhos argutos em meio à um "legal" cheio de duplo sentido.
Alguns conhecidos mandaram outros perguntarem se era verdade que eu, uma moça de família, havia decidido encarar um trabalho de peão de fazenda.
Muitos riram, achando que era piada e quando eu confirmei, fizeram um sorrisinho amarelo.
Tantos por aí devem estar pensando "coitadinha, que triste, não deve conseguir mais nada para fazer".
E o pior é que eles têm razão.Não tenho mais idade para me sujeitar à "trabalhos dignos" onde a exploração é velada, o salário é de fome, mas coloco minha roupinha da moda e almoço (por minha conta) na Padre Chagas.
E como já disse também, profissão para quem não protela os filhos é complicado e, com prazer, escolhi cuidar da minha própria prole.
Trabalho? Não tenho medo e já fiz um pouco de tudo na minha vida. O que não posso é ficar parada.
Enfim, estou diante de duas formas de preconceito enquanto cuidadora de animais: uma é que sou muito dondoca para assumir, outra é que é um trabalho muito indigno para se fazer.
Aos que realmente sabem como é bom conviver em uma ambiente de trabalho limpo de neuroses, de puxadas de tapete, de assédio moral, exploração, chantagem e stress, lhes digo:
Não existem chefes mais amados, sinceros, carinhosos, amorosos e divertidos do que os animais.
E isso tudo compensa qualquer tipo de bagunça.

sábado, 10 de agosto de 2013

Seja feliz. Por mim.


As minhas maiores dores são as alheias.
Não quero me vender como alguma Madre Teresa de Calcutá, mas estou sendo absolutamente sincera.
Criei, desde pequena, tantos atalhos para desviar do que me machucava que escrevi um labirinto de saídas para a minha própria infelicidade.
Como já disseram os profissionais da mente com quem conversei: "És uma sobrevivente."
Consigo me resgatar de todas as formas possíveis quando sou eu quem está em um barco afundando.
Quando se trata de uma vida que não é minha, me entrego, amoleço, sucumbo.
A dor de quem estimo me corrói feito ferrugem, me rasga a alma feito navalha afiada.
Pereço com tamanha força quando vejo o sofrimento no outro, que corro o risco (e não só risco, mas realidade) de sofrer mais do que quem sofre.
Não somente gente, nem bicho, mas planta, ar, água, harmonia, equilíbrio.
Murcho com cada flor que vejo se desidratar sem cuidados. 
Fico louca quando o tratamento à vida, se manifeste ela de qualquer forma, é cheio de negligência e descaso.
E sofro, sofro muito com dores que não são minhas por direito, mas são veias que carregam o meu sangue.
Sangue que foi doado pela minha necessidade de me sentir viva através da vida de tantos.
Mártir?
Não.
Talvez até egoísta, pois sei que não sou nada sem o restante de tudo.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Suave Embriaguez


Os índios usam muitas ervas - não se trata de manjericão ou orégano - para conversar com seus ancestrais e através do Pajé (aquele que as utiliza de verdade), entrar em uma especie de nirvana para elucidar os seus problemas espirituais.
A consciência humana pesa. 
E ela pesa tanto que em determinadas ocasiões é preciso levá-la pelo braço, para um cantinho, para que ela nos dê uma trégua.
E o sono nos presenteia com inúmeras formas de descanso e de revanche. Desabitamos o nosso corpo e damos vasão à todas as maneiras originais de sermos, desde as mais brutais e traumáticas, até as mais idealizadas e prazerosas. Existimos de uma forma profunda e verdadeira nos sonhos e por mais que eles nos perturbem, é ali que mora a verdade. Talvez uma verdade passada, presente ou futura, mas uma verdade que nem nós mesmos temos coragem de encarar.
Nos liberamos da tutela da consciência, dormindo.
Acordados, temos alguns subterfúgios.
Alguns atravessam mares à nado, correm à exaustão, saltam de pára quedas, ficam sem ar escalando montes gelados.
Buscam nos primórdios da raça humana (quando a endorfina e a adrenalina eram quesitos para sobreviver, visto que atravessar um rio para buscar alimento era algo diário) uma fonte de reencontro.
Acredito que o vinho ( gim, whisky, vodka, cerveja) tenha um semelhante poder.
Ele quebra certas camadas que se sobrepõe à superfície e penetra na parte que escondemos ao Mundo.
Como dreno, busca lá de dentro as putrefações (ou alegrias) escondidas pela infecção da vida.
Porque o peso imenso da consciência se dissipa através da leveza suave da embriaguez.
Da embriaguez suave.
Aquela que acorda, não a que faz dormir.
Aquela que pega os sentidos desprevenidos e os deixa alertas e radiantes.
Aquela que nos faz enxergar a imagem certa no espelho, que expurga as vontades pra fora e nos pergunta quando vamos dar um jeito de atendê-las.
Aquela que revela a raiva ou o amor.
E por mais pecado que seja.
O vinho (gim, whisky,vodka, cerveja) nos aproxima do que somos.
E, que Deus me perdoe, ajuda a ter mais coragem de confessar os nossos pecados.

Destino


Se o amor estiver sempre em busca das borbulhas do primeiro beijo, o caminho será percorrido sem um destino.
Que é o aconchego de morar em um abraço.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Assim Seja


Que Deus permita que as pequenas divergências, pequenos infortúnios, contratempos e decepções sejam apenas tempestade passageira. Daquelas que se dissipam com o vento e servem para nós enxergarmos o brilho do sol com o coração e não apenas com os olhos.


domingo, 4 de agosto de 2013

Bumerangue


Simples assim.
Um belo dia ele volta.
Pra sua mão.
Com a mesma força do arremesso.
A mesma intenção.
Atingir, brincar, ferir, jogar, apenas movimentar, se divertir.
Esse bumerangue de ações.
Que você cria.
Impulsiona.
E na volta escura ou clara, sua mão recebe o que ela deu.
Estrelas ou nuvens.
Inferno ou paraíso.
Tudo aqui mesmo, na volta sublime de lançamentos.
Depois. Além.
Será apenas redenção.

sábado, 3 de agosto de 2013

Brilho


Éramos cinco.
Dois meus, dois um pouco menos.
Cheguei onde o meu coração tem uma casa de veraneio.
Soltei as guias.
Os quatro correram, livres.
Minha alma também. Se enroscou nas árvores, virou trinado de pássaro, chafurdou na terra e saiu rindo, suja de uma sujeira limpa.
Namorei um pouco com o sol tímido antes de beber um pouco de chuva.
Foi quando eles vieram.
Saídos do campinho de futebol.
Bola na mão, curiosidade nos olhos.
Entre oito e dez anos.
Também eram cinco.
"Que lindos."
"Como é o nome dele?"
"É uma menina." - já estou derretida, pois nada aquece mais o meu corpo do que a pureza da vida.
E a conversa sai tão simplesmente fácil. Meninos que acariciam pêlos, percebem quem é mais assustado, mais bobo, mais engraçado.
"São de raça?"
"Só essa."
Todos distribuem sorrisos.
Sorriso fácil.
Sem preço.
Sem retrancas.
Fico lá no meio de tanta coisa boa.
Infância, verde, bicho, vento, chuva, sol, inocência.
"Como é o teu nome?"
"Mônica."
"Puxa, foi tão bom ficar aqui contigo e com eles. Agora vamos voltar a jogar. Tchau."
Olho para lá. Para o campinho, na direção onde minha mão está acenando. Minha alma está fragmentada em cada menino, depois de ter sido planta e bicho.
Recuperei tudo o que perdi nesta semana.
Volto para casa brilhando.



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Morangos Estragados


Escolhi duas caixas de morangos no supermercado.
Entre muitas, levei as que pareciam conter as frutas mais lindas - encarnadas, nem grande nem pequenas, o topo de um verde intenso, quase uma foto de revista.
Ao abri-las, já em casa, comecei a experimentar o sentimento tão comum de decepção que está incorporado na vida das pessoas.
Os morangos da camada de baixo eram pálidos, tortos e quase que na sua totalidade, estragados.
Murchei, mas não desanimei. Enquanto jogava vários no lixo, lavava o restante, colocando-os, viçosos, no prato.
Eu havia sido enganada. Não uma trapaça descarada tampouco imensa, mas daquelas pequenas trapaças do dia a dia, onde alguns, nas pequenas atitudes, sobrepõe a sua vontade de vencer (?) às custas de pequenos engôdos, que eles sabem, serão desconsiderados em prol de algo maior.
Eu poderia voltar ao supermercado, dizer que isso não vale, é desrespeito, propaganda enganosa, mau caratismo. Mas dentre tantas barbaridades, os meus morangos poderiam ser fonte de piada entre os funcionários.
Então, engoli a insatisfação e feliz, levei o meu pote de lindas frutinhas vermelhas à geladeira.
Quantas vezes fazemos isso?
Os morangos, ah, são nada perto das decepções que engolimos, pois o medo de sermos incompreendidos e julgados nos amordaça e algema.
Os amigos nos machucam , mas nada dizemos, pois poderíamos comprometer o viço de uma amizade imaculada. 
Nosso chefe, marido, filho, empregado, pai, mãe nos oferecem certos morangos doentes e os aceitamos com o intuito de não perder tempo com essas coisinhas miúdas da vida.
Porém, esses sentimentos colocados na nossa lixeira, não serão recolhidos por nenhum funcionário da prefeitura. Ficarão dentro de nós mesmos, sendo corroídos pelo tempo e desprendendo cheiros que nos pegarão desprevenidos em momentos inoportunos.
Teremos esquecido os morangos, os iogurtes que nos prometem consistência de sorvete e são praticamente líquidos, os milhos com a podridão virada para baixo. 
Teremos esquecido as frases que doem, a atitudes que pisam, pois teremos muitas outras pela frente para lidar.
Porém, um dia, um dia onde a lixeira estará lotada, o ímpeto de jogar a caixinha de promessas não cumpridas no chão do supermercado será irrefreável.
E então, seremos a louca varrida que atrairá todos os tipos de olhares.