sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ensina-me a Viver


- Pai, o que é vazio interior?
- Hum...
- É quando  a gente fica sem comer?
- Não (risadas) filho, isto é fome. Vazio interior é quando falta alguma coisa na alma da gente.
- Mas a alma sente fome?
- Sente. Uma fome diferente.
- E por que a alma sente fome, pai?
- Bom, porque ela faz parte da gente, como o corpo, só que a gente pensa muito no corpo, nas necessidades dele. Nos alimentos certos para não adoecer, não envelhecer, ter mais força, mais vontade de trabalhar e viver.
- ....e a alma sente fome de que?
- De tudo que nos deixa em paz, nos deixa feliz.
- E as coisas boas para a alma entram pelos nossos olhos, pai?
- Também. Mas entram pelos nossos ouvidos e por lugares que não tem abertura, como nosso coração. São nossas lembranças, nossos pensamentos, nosso sonhos.
- Então, se existe um vazio, existe falta de lembranças, de pensamentos e de sonhos?
- Não filho, existe tudo isso, mas assim como os alimentos, eles não foram "mastigados", "digeridos", aproveitados e não conseguiram fazer nossa alma ficar mais forte.
- ...ou eles estavam estragados!
- (risos) claro, alimento estragado não alimenta, só prejudica.
- A minha mãe sempre me ajuda com a comida. Às vezes, quando estou muito cansado e mesmo caindo de fome, eu tenho preguiça de comer...aí ela vem e me ajuda a esvaziar o prato. Existem pessoas que fazem igual à mamãe? Pessoas que ajudam a gente a alimentar a nossa alma de sonhos e pensamentos bons quando a gente está cansado?
- ... existem.
- E mesmo existindo essas pessoas, ainda existe vazio interior?
- É que quando somos adultos, todo mundo espera que saibamos tudo. Comer e fazer o que é certo, então, ninguém mais se preocupa muito em cuidar da gente, porque a gente já sabe se cuidar.
- Mas criança não tem vazio interior.
- ...
- Se eu te ajudar a ter pensamentos bons, à pensar que falta pouco para o Natal, te fizer um desenho lindo e colorido e te disser o quanto eu te amo e como eu fico triste quando eu te xingo, eu te ajudo a deixar a tua alma empanturrada?
- ...sim, mais do que eu imaginava.
- Então eu fiz igual á mamãe! Eu te ajudei a comer! Eu tenho que ensinar isso aos adultos, é tão fácil. A gente só precisa pegar as coisas boas, encher elas de todo o nosso amor e dizer estas coisas, pois elas entram pelos ouvidos, criam desenhos nos olhos, vão até o coração e ligam o botão das lembranças e dos sonhos bons.
- (soluço), é filho, é tão fácil...pena que os adultos fazem tudo ficar tão difícil.

Amigo Invisível



Eu ouço tanta coisa.
Assaltos, roubos, acidentes, doenças. E quando imagino que tudo isso acontece tão perto de mim, penso em ti.
Aquele que converso em pensamentos, pedindo em cada singelo momento da minha vida, que guarde à mim e àqueles que amo.
Sou tão quebradiça neste mundo cheio de estilhaços dos outros, que voam e surprendem pela leveza e fragilidade.
Mas é contigo que conto, meu Anjo da Guarda. Para que, quando for necessário, tu abras tuas imensas asas e nos coloque lá dentro, à salvo.

És tu que quase enxergo sentado ao meu lado, nas curtas ou longas viagens de carro, caminhando comigo, retardanado meu passo quando percebes que nossos inimigos nos espreitam à frente.
É no teu colo que deito e aguardo enquanto os teus companheiros trazem meus filhos para casa.
Tu corres ao meu lado e evitas que eu tropece e caia e sussurra no meu ouvido quando, distraída, cruzo tantas esquinas.
Fica sempre comigo, caminha à noite pela minha casa e não deixe eu desacreditar na tua força, pois és mandado por Aquele que já me concedeu tanto que até esqueço que é Dele a minha vida.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Tempo Passa

Meu marido teve uma namorada firme, antes de mim. Daquelas que já compravam ferro de passar, edredom e varal para presentear o namorado, em avisos sutis de "vamos que está na hora". Ela era minha conhecida, conterrânea e estudante do Colégio Farroupilha. Era linda - sempre bronzeada, olhos cor de raposa dourada, sardinhas no nariz e cabelos louros, longos. Além disso, inteligente, boa família, o xodó da minha sogra, que fazia gosto que ela terminasse seus dias passando as camisas do seu adorado filhinho caçula e tomando chá com ela, entre os netinhos sardentos e arteiros. Mas sabemos como a vida é - por mais que façamos tudo para que nossos planos dêem certo, ela vem e muda tudo de lugar. E fui eu, adentrar - como estigiária - as portas da agência de publicidade do rapaz em questão e bagunçar o destino certo da moça casamenteira. Mas ela não deixou muito barato.
Depois de casada, eu soube por fontes próximas ( a própria sogra) que ela vivia ligando para saber do ex-namorado e ficava horas de papo, colhendo detalhes (quem sabe armando um plano?), rindo, colocando conversa fora.
Até o dia do aniversário de 40 anos do meu marido, quando o telefone tocou, eu não atendi, ele atendeu:
"Ahhh, tudo...é...levando...não muita coisa...o de sempre...e tu...?"
Pensei ter ouvido ele falar diferente, meio melódico, doce, atencioso. Achei melhor ver quem era, pegando a extensão do quarto. Pois lá estava ela, destilando progesterona na voz, miando do outro lado da linha. Parabenizando ( e ronronando) o amado ex-namorado. Fiquei furiosa, mas não falei nada, até ouvir ela dizer:
"Bom, tchau que tem gente escutando a nossa conversa, vou desligar".
Contaram-me os vizinhos que meus gritos foram ouvidos lá nos salão de festas, pois iria rolar um churrasquinho.
Mas o tempo passou e ela deve ter conseguido presentear com sucesso outro homem qualquer, pois me-nos deixou em paz.
Domingo passado, eu e ele passeávamos com nossos cachorros e ouço uma buzina. Como eu estava adiante, quase entrando no posto de gasolina para comprar uma água, parei e fiquei olhando enquando ele cumprimentava alguém e se aproximava do carro.
Não reconheci quem era, mas me pareceu  uma amiga da minha cunhada - óculos de grau, cabelos longos mal cuidados e desbotados, peso muito acima do ideal e o carro lotado de crianças.
Como não sou mal educada, voltei e ficamos, os três, em uma conversa animada.
Assim que ela vai embora, ele me fala:
"Se tu soubesses quem era, tu não terias ficado tão animada".
Depois de eu saber que eu e minha odiosa rival - que de raposa, de bela e de rival não tinha mais nada - tínhamos discutido qual seria o melhor filme para os filhos sardentos dela verem, apenas pensei com uma satisfção quase cruel:
"É...o tempo passa...".

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Um Dia


Hoje, cuida bem de mim. Só hoje, pois sempre sou eu quem te protege de tudo que gostas de ser protegido.
Me leva para passear de mãos dadas, para olharmos as árvores que estão tão lindas lá na Redenção. Assim, sem muita conversa, sem horário, apenas nós dois, sem ressentimentos, preocupações, compromissos. Sem futuro. Quero que me compres um algodão doce e roubes tufinhos coloridos da minha boca, entre nossas risadas. Depois, deixe eu deitar a cabeça no teu ombro, enquanto me dizes que a vida é boa por eu estar ao teu lado. Mesmo que seja só hoje. Que sejamos crianças que vibram e explodem em seus sentimentos, mesmo que eles possam ser esquecidos amanhã. E quando meus pés estiverem doloridos de caminhar, coloca-os no teu colo, descalça os meus sapatos e diz que são os pés mais bonitos que já vistes, para arrancar de mim um sorriso bobo, desconfiado, mas feliz.
Depois, à noite, me coloca na cama, puxa minhas cobertas, olha nos meus olhos e diz que me ama.
Só hoje.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Preconceito

Ele fica sempre na mesma sinaleira, fazendo malabarismos com imensos pedregulhos. É jovem, tem a pele curtida pelo sol, traços grosseiros, olhos claros, cabelos crespos desgrenhados e o corpo com os membros um pouco encolhidos - lembra muito um homem pré-histórico. Parei no seu local de "trabalho", carregando dentro do carro um casaco que foi do meu marido e que eu guardava para ser doado. Apesar de ser forrado de lã e com acabamento em couro sintético, já tinha algum uso e o falso couro já rasgava em vários lugares. Olhei para fora, esperando o sinal abrir e lá estava ele, de mangas curtas, atirando suas pedras ao alto. Pensei por alguns instantes se seria ele o merecedor do agasalho ou se ele logo o trocaria por drogas. Abri o vidro e o chamei.
Logo que recebeu a jaqueta, a vestiu, saiu dando pulos de alegria, enquanto me acenava e colocava as mãos no coração. Já sou mole por natureza e não preciso dizer que derreti.
Semanas se passaram sem que eu o visse, até o dia em que ele estava lá novamente, em companhia de suas pedras, em um dia frio. Sem o casaco.
Me arrependi de tê-lo dado. Puxa, tantos outros por aí precisando e fui dar logo pro drogado que -conforme eu esperava - vendeu ou trocou por alguma pedra de crack.
Esperei mais alguns dias e vendo ele lá, novamente em manguinhas de camisa, chamei:
"Então, tu vendestes o casaco que te dei?"
"Não tia, é que eu dormia com ele para me aquecer e ele se rasgou todinho".
Arranco o carro, olhando pelo retrovisor para o menino que novamente está com as mãos no coração, me acenando com a promessa de um novo agasalho.
Mal ele sabe que foi ele quem me salvou.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Sem Legendas

Me sinto uma aberração, um peixe fora d'água, mas não consigo gostar de assistir à televisão. Fui viciada, lá pelos meus sete anos, já fui fiel a muitas novelas no decorrer da minha existência, porém a minha relação com a telinha - mais ou menos nos últimos dez anos - é uma briga diária. Invejo as luzes azuladas que vejo através das janelas das casas, quando levo meus cães, à noite, para passear. Penso que tem alguém ali, focado, mergulhado em sua distração, alheio aos movimentos dos outros. O pior é que tento, tento bastante. Tenho dois membros da minha enxuta família viciados em televisão. Vez ou outra, chego tímida, me abanco e tento me divertir um pouco, pegando carona em alguma programação. Devo ter alguma limitação, pois não consigo! Os filmes de TV aberta se repetem como voltas na roda gigante, novelas não aguento nem o som, esportes odeio assistir, exceto torneios de tênis (que são esporádicos), as séries são ótimas, mas não suporto os intervalos. Os  tele-jornais são ensanguentados e deprimididos, os canais históricos, detesto - sim, sou ignorante, mas reconheço. Enfim, sou um ET na terra movida pela TV. Eu gostaria sinceramente de aguardar ansiosa por alguma programação, pois o que fazer à noite, sem televisão? Minha salvação são os livros, os filmes locados (já sou quase sócia da Miragem Vídeo) e a Internet. Talvez, por esta razão é que eu durma cedo. Enquanto a maioria está com uma caneca de café, pipoca ou cerveja na mão em frente à sua fiel companheira, estou voando em alguma ilha distante e fazendo viagens surreais pelos meus sonhos, resgatando alguma imagem reveladora da minha telinha subconsciente - sem áudio, sem limites e sem legendas.

sábado, 25 de agosto de 2012

O Cego

Quando estou sem ânimo para me arriscar atravessando ruas enquanto corro, frequento uma pracinha muito querida, família, bonita, pertinho de casa. Fico lá, feito Hamster na sua roda, dando minhas voltas e contemplando as mães e seus bebês, as casas com seus barulhos e movimentos de vida, os cães podendo correr um pouco, livres das guias. Fazem oito anos que corro lá e um frequentador muito especial sempre me chamou a atenção - um senhor cego. Os cegos que perambulam corajosamente pelas nossas ruas, já me chamam muito a atenção e fazem os meus pensamentos correrem de lá para cá, tentando achar o lugar em que se esconde a resposta para a tamanha força destes seres humanos - nunca a achei e sigo procurando.
Porém, este cego da praça é um homem que, além de toda a força e coragem, possuí algo bonito de se olhar - uma imensa alegria de viver. Na maioria das vezes, ele está se exercitando - bengalinha branca na mão -, completando cada volta junto comigo, porém no sentido inverso. A calçada estreita e os ouvidos atentos fazem ele diminuir o passo quando ouve os meus que se aproximam. A bengala interrompe um pouco a busca frenética por obstáculos e ele educadamente se afasta minimamente enquanto passo. Depois, os alongamentos ao sol, a esticada de coluna em um dos bancos, o usufruir dos sons - sua dádiva. Muitas outras vezes, ele conversa com a vizinhança e todos o adoram. Também em outras, leva seu radiozinho e coloca suas músicas, sentadinho, assobiando.
Ontem, quando pensei que não me surpreenderia mais com a sua alegria e vontade de viver, me surpreendi -  à minha frente lá vinha ele, mão esquerda firme na bengala e a direita segurando uma guia. Na ponta da guia nada de cachorrinho tranquilo, mas um Schnauzer daqueles padrão - enlouquecido, alegre, cheio de energia - tensionando ao máximo a cordinha, testando os limites de um senhor que está sendo forçado a ser ainda mais ágil, na sua tarefa diária de caminhar. Mas ele vem sorrindo faceiro, usufruindo do prazer de caminhar com seu companheiro.
Ah, pensamentos que correm de lá para cá, fazendo meus olhos se encherem de lágrimas, lágrimas que correm pelas minhas bochechas e molham o meu sorriso. Um sorriso que um senhor cego é capaz de arrancar, um senhor que não me vê sorrindo, não me dá respostas, mas me enche de esperança.
E a esperança, este sentimento quente, lindo e vivo, precisa de muitas outras palavras para eu
poder lhe homenagear.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Tsunami

É tão bom quando nos damos conta de que sobrevivemos às tempestades. Sabemos que iremos passar por algum tipo de provação futura e preparamos a linha e a agulha para costurar cada pedaço nosso que estará espalhado pelo chão.
E quando finalmente passamos pelo nosso Tsunami, percebemos que ele arrastou um monte de coisas dentro de nós, abalou nossos alicerces, mexeu nas nossas bases, transformou-nos de alguma maneira, mudando a nossa paisagem interior. Porém, ele não foi forte o suficiente, como pensávamos, para derrubar árvores de verdade, tornar negro um dia de sol, provocar alagamentos, mortes e calamidades ao nosso redor. Não, está tudo intacto esperando o nosso retorno - porque sempre retornamos -, cada tijolo de nossa casa, cada planta que regamos com carinho, cada vizinho amigo, calçada que fazemos a nossa caminhada, está lá, indiferente à onda gigantesca que nos atingiu. E diferente da vida real, a nossa morte terá uma ressureição e ela não será em meio aos escombros, mas em meio à promessas vivas de um futuro diferente.

Eu


Sou tão dependente de escrever que talvez eu seja apenas um texto.

Verdades Escondidas


Eu, contando uma situação para uma amiga, me sentindo e me colocando como vítima. Ela, olhos atentos, silêncio louvado dos que sabem escutar.Termino a historinha melodramática e ouço a única coisa que não esperava ouvir: "Tu te destes conta de que quem precisava de atenção e quem estava sofrendo não eras tu?" - Me ajeito na cadeira, esperando estar enganada a respeito do que ouvi, mas o olhar dela confirma que não foi uma falha na comunicação. Como sou flexível, esperei ela tecer os detalhes da tese em que a minha posição havia mudado drasticamente, e no final fui obrigada a concordar, com arrependimento e vergonha, que havia sido egoísta.
Por que são tão difíceis estas questões emocionais? Mesmo eu estando aberta a todas as teorias de comportamento, mesmo eu sendo alguém que se interessa demais pelo outro, que se esforça para não errar, cometo tantos e tantos erros, e o pior, na maioria das vezes - naquelas em que o tema não foi discutido com ninguém - os erros passam desapercebidos e vou dormir tendo a certeza de que só fiz o certo.
São difíceis as relações humanas e mais difícil ainda é julgarmos fielmente quem somos, o que fazemos e como nos relacionamos com quem amamos.
O auto-conhecimento é um trabalho árduo que deveria ser executado a dois, porém terapeutas saem caro, requerem tempo, disponibilidade e desprendimento. E nem sempre podemos contar com os amigos, pois cada um tem seu próprio tema de casa para efetuar.
O pior é que, muitas vezes, passamos anos e anos de nossas vidas acreditando em verdades superficiais quando a verdade está escondida, camuflada por anos de comportamentos repetitivos e aprendizados erronênos, resultados de nossas vivências confusas.
É muito difícil enxergarmos o verdadeiro reflexo no espelho e termos a humildade e dignidade de -quando ele é fielmente revelado - aceitarmos o quão feio ele possa ser.
Mas nenhuma mudança é fácil e a parte mais difícil é a aceitação de que algo deve ser mudado.
Só quem está aberto à elas pode aceitar que as próprias verdades são como diamante bruto que deve ser lapidado para poder encher de brilho e beleza quando oferecido a quem resolvemos presentear.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Os belos que me perdoem, mas alma é fundamental



O maior problema da beleza é o poder que ela tem de corromper a moral.
Como o dinheiro, a beleza arromba portas, transforma atitudes, manipula pessoas, colore caráteres pretos como a noite. A beleza é chave - feito terno e gravata quando usado em assaltos, pelos ladrões. Ela é isca em um mar voltado para a aparência e morte para quem dela só se alimenta.
São sempre os mais belos que enlouquecem na vã tentativa de jamais envelhecer. São eles que se tornam figuras horripilantes de desespero e insensatez, afundando-se em lábios hiper inchados, plásticas retorcidas, bíceps medonhos e avantajados.
Talvez, como droga, o muito belo experimente aquela dose falsa de felicidade e sinta-se no topo do mundo, querendo prolongar a euforia pelo resto de sua vida. Talvez, a beleza tenha sido por tanto tempo o seu objetivo de vida, que os demais objetivos ficaram lá esquecidos, atrofiados e quando requisitados mostram-se fracos.
Não generalizo os belos em geral, mas vejo na beleza uma propensão às doenças psicológicas e morais.
É um preço alto.
Pois, em um mundo neuroticamente voltado ao físico, ser muito belo é quase uma tarefa tão árdua como conseguir entender que, depois de um tempo, a beleza não vale nada.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

E não acredito


Eu não acredito quando:
Me dizem que comem e não engordam - ou a pessoa come pouco e não nota ou está em fase de crescimento.
Mulheres de cabelos lindos dizem que não fazem nada - cabelo lindo sai caro.
Vendedoras de roupas lhe dizem que você está arrasando, no provador.
Pessoas muito ricas dizem que ficaram ricas com suor e trabalho - ou é herdeiro, jogador de futebol, traficante ou colarinho branco.
Cabelereiro diz que seu cabelo está precisando de uma hidratação.
Homens dizem que todos homens traem, exceto eles.
Loja muito careira entra em promoção - antes de reduzir os preços na etiqueta, elas triplicam os valores das mesmas.
Alguém elogia muito a própria vida - quem é feliz não precisa sair contando.
Alguém conta muita vantagem sexual.
Meus colegas me diziam que não estudavam nada e tiravam notas altas.
O Cleo Kun faz previsão do tempo.
Dizem que o Brasil será de primeiro mundo.

Prisão


Ele estava preso desde que se tornou um homem e nem lembrava direito como havia chegado lá. Talvez, as velhas coisas - escolhas erradas, falta de oportunidades, fome de riqueza e poder. Já não importava mais e o que importava agora era a falta que ele sentia das coisas normais. Tudo era racionado na prisão - o sono bom, o desfrute do sol, as amizades, a tranquilidade. Ele não podia ter um amor, nem um jardim, nem um lazer. Sua vida era apenas uma sobrevivência diária, seca.
Um dia ele adoeceu e teve que deixar o presídio para poder se tratar. Pneumonia. Resultado da falta de cuidados a que se submetia. No hospital foi bem tratado, bem alimentado, tinha um sono bom. Até esqueceu da prisão. Todos os dias, um sorriso de lábios cor de rosa o ajudava no banho, na troca de roupas, na ingestão dos remédios. E todos os dias ele esperava ansioso pelo sorriso que amolecia um pouco o seu coração feito de pedra. E aquele presidiário condenado ao esquecimento e à solidão descobriu que estava diante do amor. Um amor paciente, pouco exigente que lhe estendeu as mãos e lhe disse que estaria esperando lá fora, para o momento em que ele finalmente estivesse pronto para ser livre. E apesar dele continuar atrás das grades frias e feias, o tempo foi diminuido a sua pena e ele foi aprendendo a aceitar a espera.
E chegou este dia.
Sem muito alarde, sem muito drama, ele deixou o passado para trás. Já não era mais jovem, mas também não era velho e ainda tinha tempo de se modificar.
Foi ter um amor, pegar mais sol, cultivar amigos, um jardim, construir um lar.
Aprendeu aos poucos a escolher os caminhos certos a até entendeu finalmente que a prisão que ele havia construído com esmero - cada ferro, cada tranca, cada cela - nada mais era do que a vida que havia escolhido para si.
E foram sua próprias mãos que o empurraram, cruéis, para lá.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Aparências


Todos os dias, ela fazia a mesma coisa. Tirava a bicicleta de cestinho da garagem e ia lá pedalando atrás dos mais fofinhos pães que conhecia. Não era só dela o gosto por pãezinhos no capricho por isso, cedinho a padaria já estava com fila na porta. E todos os dias era a mesma coisa: quando ela estava lá pelo terceiro ou quarto lugar na fila, depois de meia hora de espera, vinha aquela senhora, - calma, de vestido florido e laquê no cabelo - ultrapassando pela esquerda, feito ambulância em engarrafamento. Com seu trotinho de Pônei de circo, passava por todo mundo sem sequer olhar para os lados. Passava à frente de gestantes, de deficientes, de velhos mais velhos do que ela, de crianças, não importava, ela seguia convicta, impassível, para surpresa de quem estava para ser atendido. Abria um sorriso contido e pedia: "Seis, bem clarinhos". Agradecia e ia embora. As pessoas não entendiam nada, mas sabe-se lá, uma senhora tão distinta deveria ter bons motivos, não iria furar por furar. Podia, a coitadinha, ser até distraída. Porém, um dia, enquanto a moça tirava a bicicleta da garagem, resolveu que iria perguntar o porquê daquela atitude diária. Chegando lá encostou a bicicleta e não entrou na fila ficando um pouco antes da porta da padaria. Avista o vestido floreado e a cabeça com quase um metro de cabelo afofado que se aproxima. Antes da velha chegar na entrada ela limpa a garganta e dispara: "Com licença, fico nesta fila, todos os dias, por quase uma hora, e vivo me perguntando o porquê da senhora chegar mais tarde e passar na frente de todo mundo. Posso saber?"
A cabeça estufada e cheia de laquê se ergue e um par de olhos castanhos e doces encaram a moça por alguns segundos, em silêncio. Os doces olhos da velha de repente tornam-se duas bolitas argutas de águia:
"Simplesmente, minha querida, porque eu quero e posso. Eu furo a fila, porque gosto de ver como as pessoas confiam nos próprios olhos e julgam mais do que deveriam com eles. Elas acreditam somente no que vêem e eu sou apenas uma pobre senhora apressada que deve ter deixado o marido convalescendo em casa ou que já está com suas funções perceptivas debilitadas. Eu dou o que elas querem e elas me dão o que eu quero e todos saem felizes - eles por acreditarem que estão fazendo caridade e eu por nunca ter tolerado filas." - diz e sai trotando para dentro da padaria.
A moça não acredita. Fica ali digerindo o que acabou de ouvir da velhota e vai ficando cada vez mais furiosa. Adentra a passos largos a porta, as bochechas feito brasas, o suor brotando da testa, chega resfolegando na fila imensa:
"Por que todos os dias todos nós temos que ceder lugar para esta senhora?" - aponta para a idosa que já está lá com os ombros um pouco mais encurvados do que antes, fazendo seu pedido. Todas as cabeças se viram e quinze pares de olhos a fitam.
"Sim, qual é o problema? Ninguém se importa enquanto ela passa na frente de todo mundo? Ela tem as mesmas condições físicas que muitos aqui e até melhores que outros e ninguém fala nada?" - ela está gritando, o balconista já está saindo de trás do balcão, alguns sacodem a cabeça, outros riem, muitos se indignam com a moça. O padeiro se aproxima e com um gesto suave a encaminha para fora, explicando que ali não é lugar de tumulto, voltando para o meio de seus cacetinhos e se procupando em atender aos pedidos.
A velha sai com "seis bem branquinhos" na sacola, cruza com a moça e dá um sorrisinho diabólico.
Ela, pega sua bicicleta de cestinho e vai embora. Nunca mais volta e fica sem os pães mais fofinhos que conhecia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Amor sem Rótulo


Depois de alguns anos juntos, esquentando os pés um do outro, embaixo do edredom com estampa de corações minúsculos, eles resolveram se casar. Por que não? Sabe, estabilidade que só o papel poderia dar e quando viessem os filhos, a oficialização seria bem vinda, para não ter que explicar muito para as professoras da escolinha.
Assim, em um belo dia de outono, começaram as preparações. Ela escolheu um vestido azul claro, ele alugou um terno bem cortado, pois no seu armário só existiam camisetas e jeans. Nada de igreja, pois cada membro da família tinha sua crença e ninguém queria que o casamento dos dois fosse motivo de discursos empolados sobre religião.
E no dia, lá estava ela com flores no cabelo, ajeitando os arranjos das mesinhas com toalhas de renda. Os pais tinham providenciado tudo com zelo e o salão de festas do clube, que ambos frequentavam quando crianças, estava repleto de velas e seus candelabros, fitas, enfeites, comidas e bebida a vontade.
Ele de flor na lapela, sentado à mesa, bebendo um uísque, ela caminhando entre os convidados, dividindo sorrisos, acariciando ombros.
A música era suave, a luz tremeluzia tênue, das chamas das velas. Todos conversavam. O juíz demorava.
Ela tinha uma necessidade estranha de não ficar parada. Via ele lá, sentado, bebendo sozinho e não conseguia distinguir o que sentia, o que a impedia de ir junto dele, sentar. Ele meio triste, vez ou outra dava atenção para quem sentava, para conversar.
De repente, ela teve uma necessidade imensa de fumar, coisa que não fazia desde o colegial. Pegou a madrinha, fumante de dois maços, e a arrastou para o bar.
Fumou oito cigarros, um atrás do outro, enquanto entornava uma garrafa de champanhe no gargalo.
Olhou para a festa e viu ele de pé, circulando, de copo na mão.
Se olharam nos olhos. Ele sorriu, desmanchando a máscara fria que tinha no rosto.
Ele sabia, ela sabia.
Se deram as mãos.
Foram para casa e fizeram amor. Depois, enroscaram os pés um no outro, embaixo do edredom com estampa de corações minúsculos e resolveram nunca mais se casar.
Fazem trinta anos que estão juntos, os filhos criados, e eles não lembram do dia que alguma professora de escolinha pediu para um deles se explicar.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Carta para Mim


Mônica, você sabe, eu sou sua melhor amiga, por isso vou te dizer certas coisas. Muitas você não vai gostar de ouvir, mas precisa.
Primeiro, você cresceu. Então qualquer coisa mal resolvida do seu passado, esqueça, pois você não tem mais idade de culpar ninguém pelos seus próprios erros, principalmente seus pais. Se eles erraram, supere e procure não errar do mesmo modo com as suas filhas. As coisas erradas que eles lhe ensinaram, através dos seus próprios comportamentos, não devem servir de modelo para tudo, portanto: se alguém não lhe cumprimentou, não significa que lhe odeie, pode não ter lhe visto - não confunda isso com a mamadeira atrasada do passado. Se outro alguém passou na sua frente na fila, também pode ser por distração e não sabotagem, por isso dê uma chance e veja o que acontece. Não tenha raiva antecipada de pessoas que você nem conhece, pois você não está mais disputando o baldinho na caixa de areia do parquinho. Não se ache melhor por fazer certas coisas melhores, pois várias pessoas fazem muitas outras coisas melhores do que você - valorize-as, mas não se coloque em  posição de vantagem.
Você pode se sentir com menos idade, mas não tem, por isso, aja conforme a sua, pois existe uma linha tênue entre a liberdade e o rídiculo: trancinhas, chiquinhas, cabelos até a cintura, saias muito curtas e biquínis com babadinho não lhe cabe mais usar, aceite.
Você é mãe de suas filhas e não o contrário, pare de deixar elas lhe darem ordens.
Você já sabe que é preciso ser feliz agora, por isso não deixe para depois.
Acredite nos elogios, nem todos são falsos. Acredite mais nas pessoas, pois se você anda decepcionada com elas, muitas também andam decepcionadas com o mundo e elas podem pensar o mesmo de você.
Se você quer mais amor, ame mais. Se quer mais amizade, compreensão, respeito, seja mais amiga, mais compreensiva, mais respeitável.
Quando estiver triste, pense que passa, quando estiver alegre também, só assim as suas expectativas em relação à vida serão menores e você terá mais paz.
Continue não tendo vergonha de ser o que é,  de dizer o que pensa, pois a autenticidade faz bem ao coração.
Pense um pouco menos, pois o pensamento é o melhor amigo da inércia. E desvie os pensamentos ruins para longe, pois estes não trazem benefício algum.
Talvez, em breve, eu lhe escreva outra carta, porém vou considerar esta encerrada, pois tenho a tendência a escrever demais.
Até mais.

PS: E sempre lembre que comigo você pode contar, pois eu lhe amo mais agora do que já fui capaz de lhe amar.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Amanhecer


"E se eu não tivesse nada a perder?", ele pensou e continuou pensando e se questionando se as suas escolhas seriam as mesmas. Porque ele dicidia muito e até se sobrecarregava por ter que tomar tantas decisões, pois as consequências de tudo que ele fazia não eram somente dele, mas de vários. E do mesmo modo que ele se sentia feliz por estar vinculado a tantas outras vidas e coisas, isso o fazia ser diferente do que ele havia sido quando apenas Um. Antes, lá no começo, ele era um filho, apenas isso. Agora, ele era o filho, o marido, o pai, o gerente, o correntista, o inquilino, o financiado, o dono. Ele tinha muito, mas o muito que tinha o fazia ter medo de, um dia, vir a perdê-lo. E, mesmo com todo esse medo, ele ainda queria mais, porque a vida o empurrava para fente, com as suas mãos apressadas, com a sua urgência de tarefas, datas e conquistas. E ele já não sabia mais se o que fazia era porque queria ou porque deveria.
Então, em uma manhã, em um novo começo, ele resolveu mudar. Fingiu que não tinha nada a perder.
E esta manhã virou uma semana, a semana, um mês e o mês, um ano.
E ele perdeu muitas coisas neste ano, mas ganhou várias, pois tudo que era dele, de verdade, assim se manteve. E ele voltou a ser Um, mas não o antigo. Voltou a ser Um cercado de tudo que ele queria ser e ter se ele não tivesse nada a perder.
Voltou a ser ele mesmo.

Sempre dá Tempo


Escrevi que pessoas de quarenta e poucos ou tantos anos ainda tem muito tempo para muitas coisas, inclusive seus maiores desejos ainda não realizados. Depois, lembrei de algo dito pela minha sogra, uma senhora de 87 anos, viúva ha dois meses: "Agora eu quero é viver. Só vou fazer o que eu quiser e gastar bastante dinheiro." Não que ela não amasse o marido, o problema foi tê-lo amado demais a ponto de, nos últimos dez anos, ter se esquecido de si mesma. Mulher antiga, depositava na família toda a sua energia. Era coadjuvante de todas as histórias da casa, alguém que mantinha o sucesso do espetáculo através do incansável trabalho nos bastidores. Com poucas vontades, mas muitas obrigações. Vários deveres e poucos direitos. Alguém que se acostumou  a servir sem quase nunca ser servida, a dar satisfação de cada atitude, de cada vontade.
Com os filhos todos casados, fora de casa, o foco passou a ser o esposo tão adorado. E eram para ele as frutinhas cortadas em rodelas, a alface picada no prato, a comidinha feita com carinho no fogão. Era para ele cada camisa lavada e passada, cada lençol cheiroso. Nunca a vi reclamar. Nos últimos anos, quando a convalescência dele fez dela uma enfermeira, o cansaço era suprimido pelas obrigações diárias, mas o sorriso no rosto esteve o tempo todo lá.
Somente com a partida do marido, todos souberam que o fardo andava pesado demais - minha pequenina e sorridente sogra, alguns dias depois do falecimento do seu amado, sofreu um enfarte. Não que já não tivesse desmaiado nos seus braços, ao tentar juntá-lo do chão, mas só depois de ter cumprido sua missão é que se deu ao direito de enfartar.
Só depois de ter sido a mãe e a esposa ideal, é que ela pensa em aproveitar o tempo do jeito que lhe convier. Pelo visto, com mais gastos, menos obrigações, mais privilégios, mais regalias e mimos, pois, para ela - que tanto mimou - esse é um luxo da qual ela não quer mais abrir mão.
Porque ela não tem tanto tempo, mas o tempo que tem ainda dá tempo.
De escolher, ainda, a felicidade.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Tempo, tempo, tempo...


Ainda temos muito tempo, nós de quarenta e poucos ou tantos anos. Não todo o tempo do mundo, mas ainda dá tempo de escrever algumas histórias novas. Pois, já escrevemos muitas. Já criamos  nossos filhos, plantamos nossa árvore, conquistamos nosso espaço no mercado de trabalho, passamos nossos ensinamentos, inventamos poesias e cartas de amor dramáticas. Já sofremos - muitas vezes - por amor e já sabemos de que forma ele é melhor para nós.
Estamos na parte do caminho em que as partidas são mais frequentes do que os nascimentos, mas que a compreensão da vida nos faz fortes para encarar todas as coisas ruins com menos desespero.
Porque ainda temos muito tempo de conquistar. Não o mundo, como pensávamos lá no passado, mas aquelas outras coisas que deixamos passar em função de tantas outras. Ainda temos fôlego e pernas e braços e cérebro para escalarmos muitas montanhas, não tão altas, mas ainda magnânimas.
O que não podemos mais, é deixar o tempo passar. Porque não podemos mais protelar nossos desejos, pois o Nosso Dobro de Vida, já será muito. É hora de escrever outras histórias. Para quem só se entregou ao trabalho, talvez seja a hora de mudar a forma de trabalhar. Para quem só se dedicou à familia, ainda dá tempo de inventar um trabalho, de se sentir útil, parte, necessário nas engrenagens da vida. É hora de fortificar os laços para mantê-los firmes para o que está por vir, porque o que virá não será fácil. Talvez seja a hora de se entregar à alguém, para aqueles que sempre temeram a entrega ou que se decepcionaram com ela. Porque é hora de parar de jogar, de derrubar o tabuleiro e as peças e olhar para a paisagem que podemos estar perdendo enquanto estamos só preocupados em ganhar.
Tempo, tempo, tempo...
Não temos mais todo o tempo do mundo, mas aindá dá tempo de recomeçar.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Fissuras


É tão assustador quando ouvimos - de alguém em quem sempre acreditamos morar a verdade - um discuro cheio de inverdades aceitas como realidade. Porque o que mais aterroriza não é o fato de pensarmos o quão essa pessoa pode ter mudado, mas a decepção por sentirmos algo tão firme e resistente dentro de nós, acusar mais uma fissura que pode abalar permanentemente a sua solidez.

domingo, 12 de agosto de 2012

Perdão




E, Deus, então me perdoe por não ter perdoado.
Pois, o que somos se não retratos envelhecidos de nossa infância? Nem sempre cientes de nossos desvios, devaneios, erros, repetições neuróticas, auto defesas patológicas.
Quem sou eu, Meu Deus, para julgar e apontar o meu dedo, querendo o mal de quem acredito fazê-lo?
Obrigada pela chance de reconhecer que a maldade não existe na versão recém nascido, tampouco criança que anseia apenas pelo abraço e o aconchego do colo. Obrigada por me fazer entender, que por trás de cada ato, existe uma imensa engrenagem de vivências, nem sempre felizes, nem sempre saudáveis e plenas.
Como posso condenar ao infortúnio alguém que não conhece a força, a resilência, a superação?
Como posso, da ilha em que me sento, esperar que os que nadam ao relento, não cometam tantos pecados para poder, em sua ignorância solitária, se salvar?
Quem sou eu para esperar qua a consciência que me destes seja presente também dos que não tiveram a mesma benção?
Estou aqui, entendendo finalmente, que somos apenas seres humanos. Estou aqui, Te agradecendo por mais esta chance, por mais esta luz - que sempre me dás - fazendo minha mente se engrandecer de lucidez.
E Te agradeço por esse simples pensamento. Por ele conseguir fazer o meu coração ficar longe de tanta raiva, de tanto desejo de justiça, pois, assim, livre, ele passa a pesar muito menos.
Te agradeço por me fazer entender que é preciso, mais do que tudo, perdoar.
Para podermos realmente viver.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Chorar também é bom

Fiz a recente descoberta de que devemos olhar para o positivo, o bom, para acrescentarmos valor à nossa vida.
Ok. Mas como a vida, mesmo quando estamos voltados ao otimismo, nos apresenta várias situações de dor, penso que não podemos simplesmente fingir que as mesmas não existem.
A pior dor é aquela que não deixamos se manifestar, que nos corrói as entranhas, mas que a negamos com um sorriso no rosto. É aquela que nos faz trincar o dentes, rangê-los à noite, pois a banhamos com camadas de purpurina para nos encaixarmos no padrão de felicidade imposto pela mídia - quem não tem vida de comercial de margarina não vive, não é feliz nem bem sucedido.
Tudo mentira. Mesmo nos esforçando para viver o bom, a vida dói. E não precisa a dor ser excruciante para arrepiar a nossa pele, ela pode ser leve, e mesmo leve pode nos fazer muito tristes. E quando tristes, penso, devemos experimentar a tristeza, vivê-la. Devemos sim, deitar no meio da tarde enroscados em dois cobertores, chorando por algo que até pode fazer o outro rir, mas que é o nosso choro, o nosso momento, a nossa vontade de deixar o salgado das lágrimas lavarem o nosso rosto.
Tive uma  amiga muito querida que foi a pessoa mais piadista e espirituosa que conheci. Vivia rindo. Mas tinha problemas familiares terríveis e havia perdido uma irmã caçula para a leucemia. Na época, como uma boa adolescente ingênua, eu a considerava forte, hoje sei que ela era boa em disfarces. Talvez a dor de existir fosse tão profunda que a maneira mais fácil de lidar com ela fosse a negação. Talvez se ela chorasse, gritasse e  reconhecesse que aquilo tudo era uma grande decepção e que ela estava de verdade sofrendo, o sofrimento fosse um fardo mais leve.
Sou a favor de explicar o quanto estamos frágeis.
Sou alguém que avisa a todos da casa quando estou de TPM, pois sei que serei mais irritada, mais chorona, mais furiosa. Ninguém precisa me aguentar, mas tenho o direito de manifestar sentimentos que não posso controlar.
Excluindo os que usam da tristeza como moeda de barganha - como forma de manipular - considero todas as manifestações de vida válidas. De cada singular, pessoal e ímpar vivência.
Não devemos ter vergonha de nos sentirmos infelizes, mesmo ao nos compararmos com toda a infelicidade do mundo. Assim como os sexólogos nos ensinam que sexo é saudável e qualquer coisa é válida dentro de quatro paredes, vale também exprimirmos tudo que nos derruba e abate e dizermos para quem quiser ou não ouvir : sim, estou triste, quero chorar, apesar de ter muito mais do que a maioria das pessoas do mundo tem.
Porque existem coisas na vida que não podem ser medidas.
Alegrias, conquistas, decepções, sonhos, planos. Dores.
São diferentes para cada um.
E se eu quiser chorar, que eu não tenha vergonha.
E que esse choro sirva como remédio para a minha cura.

Perspectiva

Minhas vontades são tantas que nem sei se elas ainda cabem em mim.

Boas Vibrações



Sempre soubemos que o pensamento positivo é uma força aliada.
Agora, isto se tornou fato científico com as descobertas da Física Quântica, que garantem que podemos modificar (positivimante ou negativamente) nosso DNA, de forma que ele se expanda ou encolha. Ainda, o Universo é energia, nossa alma é pura energia e nossas vibrações são poderosas forças para que essas energias funcionem ao nosso favor. Se pensarmos positivo, orando, pedindo e visualizando aquilo que queremos, podemos conseguir tudo.
As forças que não enxergamos são realmente poderosas e quantas vezes não nos afastamos de pessoas e ambientes que nos oprimem?
Para quem crê, como eu, em Deus, não basta pedir, é preciso acreditar no merecimento do pedido. Não basta nos ajoelharmos como vítimas injustiçadas, mas juntarmos as mãos como merecedores.
O problema é que, assim como as milhares de tentações carnais estão aí para acabar com o nosso vigor corporal - fast food, álcool, cigarro, açucar, gordura, drogas lícitas e ilícitas -, somos bombardeados, diariamente, com tanta informação negativa que se torna um trabalho dificílimo vibrarmos de forma positiva.
Mas é possível.
Assim como puxamos um monte de ferros, exaurindo o corpo para podermos, na velhice, nos abaixar e juntar nosso lenço, assim como saímos feito loucos correndo desefreadamente pelas ruas, para termos fôlego, podemos forçar nossa mente na intenção de um benefício futuro.
Não só exercitá-la para evitar os malefícios das doenças degenerativas, mas estimulá-la a pensar coisas boas, a esperar o melhor, a acreditar no bom. Procurar não falar mal dos outros, escolher o que se assiste, não imergir nas notícias de calamidades e de doenças.
Se podemos evitar os doces e as frituras, podemos evitar aquilo que nos deprime e não nos acrescenta nada. Não podemos salvar o mundo, portanto temos que salvar a nós mesmos e tudo aquilo que está ao nosso alcance.
Já bastam os maus cometendo e pensando maldades.
Talvez, se tentarmos arduamente, fazer o contrário, as coisas boas possam se espalhar com mais facilidade.
E todos nós seremos mais felizes e realizados.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Brasil


"...As aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá..."
As pessoas, que aqui se respeitam, não se respeitam também lá. Porque lá, no meu Brasil brasileiro, respeito humano não há.
"...Nossos céus tem mais estrelas, nossas várzeas tem mais flores..."
Nossas casas mais alarmes e grades, nossas vidas poucos valores.
"...Minha terra tem primores, que tais não encontro eu cá..."
Tem pouca dignidade, honestidade e defesa da criminalidade, uma troca injusta pelos primores, eu poder admirar.

 "...Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores..."
E todos bosques e amores, por ganância e impunidade, correm risco de acabar.

Meu Brasil brasileiro, o que contigo fizeram? Que tipo de pessoas abrigas? Quem colhe os teus frutos, ara a tua terra, explora as tuas belezas? Quem se encanta com as tuas frondosas aves e florestas?
Meu Brasil brasileiro, por que teu povo não se espelha na perfeição dos teus recortes e mares, na plenitude das tuas montanhas, na permanência da tua generosidade e fartura?
Por que tu sendo tão lindo, rico e magnânimo, acolhes tantos que não te merecem?
"...Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá..."
Não permita Deus que eu morra, sem ver alguma coisa mudar.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Bipolar

Um amigo, certo dia, comentou que minha escrita é bipolar.
Fiquei pensando e, apesar de eu não ser uma pessoa bipolar (já estive em consultórios psicológicos e posso ser tudo, menos isso), acho mesmo que meus textos precisam de medicação para bipolaridade. Analisando mais a fundo a constatação sincera do meu amigo, vi que sou doce e amarga, em intervalos bem curtos de tempo. Porque não consigo sentir nada "mais ou menos", minhas alegrias me levam ao choro tanto quanto minhas tristezas. Quando estou muito triste chego a me questionar se me iludi pensando ser feliz no decorrer da minha existência. Assim como minha felicidade parece apagar, feito borracha, qualquer passado inglório da minha mente. Me entrego facilmente às pessoas, às causas, aos sentimentos. Me rasgo por dentro quando penso que decepcionei alguém e tento sempre colocar a justiça acima de tudo. Talvez, por isso mesmo, vivendo em um mundo tão egoísta e injusto, é que minhas emoções atinjam picos tão vertiginosos e contraditórios, pois a instabilidade na normalidade das pessoas, me confunde, me transtorna. Fico tão estupefata com todos os absurdos que são considerados aceitáveis que penso, muitas vezes, em me jogar nos trilhos do trem. Mas como sou uma otimista nata, deixo os trilhos para depois, pois sei que verei ou presenciarei algo que vai me encher de esperança e, como escrevo para aguentar o mundo, vou deixar as mágoas de lado e vou fazer dos pássaros, das flores e do sol, minhas palavras.

domingo, 5 de agosto de 2012

Meu Herói

O meu herói não gosta dos holofotes. Ele não precisa provar nada para ninguém, nem alardeaer que nele moram a perfeição, a beleza, o poder e a glória. Pois o poder, mesmo sendo dele, não o faz diferente, pois ele se sente igual tendo ou não a chance de se sentir superior a tantos. O meu herói não gosta de tudo o que gosto, mas ama os meus gostos, pois sabe que eles fazem parte do que sou. Ele conhece as minhas dores e não as diminuí pela simples razão de serem somente minhas, mas me acalenta no colo, me sussurra no ouvido que as coisas vão ficar bem. Sou salva por ele, de todas as formas possíveis, mesmo quando ele mesmo não sabe que está me salvando ao ser exatamente o que é. Me salva ao ser brando na fúria da vida, ao ser terno na correria do tempo, ao ser leve no peso das imposições. Ele me salva quando acha graça de mim e de si mesmo e quando me convida para entrelaçar os dedos somente para olhar as estrelas. Me salva ao me cobrir do frio da noite, ao confessar os seus pecados, ao pôr-se de joelhos e rezar. Ele me salva quando me mostra que precisa que eu o salve, mesmo eu não tendo todos os poderes para poder salvá-lo. Ele ama, mas não se submete e sabe que para amar não é preciso se submeter. Meu herói sabe perder, errar, chorar, pedir, recomeçar. É dele meu coração, é com ele que cresço, é nele que confio. É com ele que aprendi a voar.

Canoa


Com quantos paus se faz uma canoa?
Eu nunca soube a quantidade de paus necessários para se construir esta singela embarcação, mas já sabia, na tenra idade, que quando eu ouvia essa frase, a minha vida, provavelmente, estava em perigo. "Agora tu vais ver com quantos paus se faz uma canoa!" , dizia a minha mãe  e eu já sabia que não teria tempo de fazer cálculo algum e o melhor era sair voando para fugir da resposta: Vinte? Trinta? Dois mil? Eu ficava pensando enquanto corria e me embretava em algum esconderijo ultra secreto, feito para essas horas de cálculos matemáticos. O pior é que, mesmo depois de tomar uns tapas, ela nunca chegou para mim e disse: "Olha, uma canoa é feita com tantos paus", porque, penso eu, elucidando o mistério, ela teria que reformular a ameaça usando algo como: "Agora tu vais ver com quantos tijolos se faz uma casa". O mistério maior ainda é que eu nunca soube o porquê dela usar essa frase como um aviso de uma boa surra iminente. Ela poderia simplesmente me torturar um pouco, como punição ao meu crime. Poderia me colocar sentada, com uma luz no rosto e me fazer a tal pergunta. Cada resposta errada, um tapa. Aí sim, tudo faria sentido. A minha desconfiança é de quem nem ela sabia a resposta, por isso ficava tão furiosa quando eu, no auge da minha inocência, respondia, : "Com quantos, com quantos?".

sábado, 4 de agosto de 2012

Mergulho


E a vida é isso. É olhar para trás, folheando álbuns de fotografias e saber que se era feliz. Então, ter a certeza de que, mesmo em meio à todos os problemas, vamos olhar as fotos de hoje, lá na frente, naquele futuro tão próximo, e vermos que éramos felizes. Que a maior parte das tristezas não conseguem desmanchar nosso sorriso, pois elas são feito chuva que encharcam e acinzentam um pouco o colorido da vida, mas vão embora deixando tudo mais brilhante e vivo. Vamos nos dar conta de que assim como um filho recém nascido no colo, os netos serão nosso fôlego, nosso êxtase, no mergulho sem volta nesse oceano de existência. E vamos até rir dos momentos em que achamos tudo tão difícil, dos momentos em que pensamos que tudo seria para sempre. Mesmo o bom, acima de tudo o ruim. E a vida é isso. É nos darmos conta de que sempre teremos o riso, o sol, o gosto do doce, o travesseiro fofo, o prazer do suor, o brinde, o nascimento, a comemoração, o amor. A vida é não tentar entender nem controlar o que não se entende, mas compreender que mesmo nos privando de um pouco de ar, é quando podemos sentir e ver coisas que só vemos e sentimos ao nos deixarmos entregues, ao mergulhar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Projeto Exaustivo


Mulher de verdade é aquela que, na juventude, fez questão de ser bonita para arrumar "bom partido". Que aprendeu a lavar, cozinhar e limpar para manter o "bom partido" em casa. Que faz sexo sempre que ele quer, caso contrário ele parte para outra. Que sabe que será chamada de relaxada se o marido sair com a camisa mal passada na rua e que a única forma de trabalhar fora é levando pra passear as crianças - uma no colo e a outra agarrada à cintura. Mulher de verdade quase nunca teve empregada, nem babá e, no banco, só tem conta conjunta. Guardou o diploma na gaveta, faz cursinho de pintura em porcelana de tarde e antes de dormir passa a roupa. Tem cada copo, talher e prato reluzindo feito metal precioso e jamais reclama das lidas da casa. Tira o pó até do número da residência - na fachada ou na porta- faz silêncio na hora do jogo, dorme ao mesmo tempo que o marido e ri, condescendente, quando ele paquera na sua cara. Controla as refeições da família, cuida do método contraceptivo, das plantas, do supermercado e ainda tem tempo de bordar em paninho de prato. Mulher de verdade, depois Desse Muito, não deixa de ter orgasmos, porque pra ela é tudo fácil, é tudo simples, é uma questão de treino, organização e foco. Porque, para ela, a vida é  um projeto exaustivo e a felicidade um sonho para ser esquecido.