sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Novo Amor



Adoro as duas cidades em que moro.
A cidade Zona Sul e a cidade Zona Norte.
Nelas eu sou feliz com formas distintas de felicidade.
Meio índio, meio hippie, na Zona Sul não abandono os chinelos de dedo, o short (quase sempre o mesmo) e a regata. O traje chique - bermuda, sapatilha e camiseta - fica para as ocasiões muito especiais como a ida ao supermercado, ao banco, ao cabeleireiro. 
Delineador nos olhos, batom, vestido e até salto alto (às vezes) me transformam na mulher urbana que habita o bairro Moinhos de Vento, Petrópolis, Higienópolis, Três Figueiras.
A Zona Norte é feita para negócios, encontros com os amigos urbanos, compras exclusivas nos supermercados, pois supermercado de hippie quase nunca tem o estoque renovado, o padeiro não tem vontade de assar nada mais do que "cacetinhos" e os sorvetes viram noites em seus únicos sabores.
O carro na cidade Zona Sul é pouco usado, pois a bicicleta já vem com buzina, bolsinha para a chave e o dinheiro. As necessidades urgentes como locadora, verdureiro e farmácia, são resolvidas de tênis, empunhando seis coleiras.
 Aqui o que mais faço é abanar - para o guarda, para o motorista do transporte escolar, para o verdureiro, os muitos conhecidos da praça, o entregador do gás, o carteiro e muito outros amigos de vista, cúmplices dessa amizade calorosa mesmo não sendo íntima.
O mesmo sushi que frequento de roupa de corrida é o mesmo que entro com saia rodada - culpa das diferenças das minhas amadas cidades.
Fui Zona Norte desde que nasci. Ainda a admiro, visito, usufruo, mas confesso que a traí.
Pois a troquei, com medo, pela promessa de vida melhor e há nove anos que essa paixão que pensei não ter futuro, virou o meu novo e grande amor.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cor



Só posso dizer que nunca quis plantar as sementes ditas certas. Nunca quis um jardim planejado, magnífico.
Pois amo o meu.
Que na intenção simples de  experimentar a chuva e o sol.
É divinamente colorido.

Apenas


Se você queria mais amor, bastava dizer. Apenas dizer."

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Fissuras


E então ela disse.
Pela primeira vez, a mais dolorida de todas.
"Você é um fracassado igual ao seu pai".
O corpo dele quase não se mexeu, como se a agressão tivesse passado despercebida, mas os olhos, sem que ela visse, se fecharam e as pálpebras tremeram ao som da voz dela, sempre tão doce, agora ácida.
Naquele momento algo se partiu dentro dele. Algo pequeno, mas com cacos afiados que lhe rasgaram a ilusão, lhe mancharam o álbum de suas lembranças aonde os dois eram imunes às palavras que só dizimam.
Mas eles eram felizes. Mais ela do que ele, pois para ela a raiva justificava quase tudo e o pedido de desculpas apagava marcas, pois eram apenas coisas ditas.
Mas o mundo inexpugnável deles agora tinha uma leve rachadura, porém perigosa. Nela, seres microscópicos, como as bactérias, rondavam, esperando a chance de algo se enfraquecer.
E a fenda foi sendo forçada cada vez mais, por brigas bobas onde ela lhe lembrava o quão parecido ele era com o pai. Ela havia aprendido a ferir, mas não a carne, e esperar o momento da cicatrização para ficar tudo bem.
E a fissura se tornou imensa e por ela já passavam monstros que se alimentavam dos sonhos dos dois.
O amor deixou de ser espontâneo, a amizade foi enfraquecendo a na relação turva e escura, os dois não se enxergavam mais.
Ele amou de novo.
Ela viajou para o exterior. Lá conheceu outro homem e nunca mais brincou com as palavras.
Ele casou. Teve os filhos que tanto queria e viajava todos os anos com a família para visitar o pai.
O pai que não via há dez anos.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O Beto


Fui criada na Rua Mariland - uma travessa da Cristóvão Colombo - perto da minha avó, dos meus tios e do meu melhor amigo - o meu primo Beto.
Eu era uma criança bronzeada do sol de tanta brincadeira na rua. A calçada era a minha casa, a motoca, meu primeiro meio de transporte e os meus amigos eram todos meninos, pois eu era um moleque de cabelos compridos. O Claudio, o Gilson, o Luciano, o Bebeto, o Lelo e o Beto dividiam as estripulias, as correrias e até algumas bonecas que eram arremessadas em alguma parede depois de algumas, das muitas brigas.
Todos eram muito amados - apesar de eu levar certos sopapos - e todos nós nos dávamos muito bem.
Porém, o menino que eu mais brincava era o meu primo. Montávamos uma pequena cidade de caixinhas de fósforos, onde nossas miniaturas de carrinho percorriam as estradas desenhadas de palitos. Lá, no doce pátio dos meus avós, embaixo dos parreirais carregados de cheirosas uvas, eu era feliz. Eu era dona de uma frota colorida que era guiada ao som da cigarra, em meio ao aroma adocicado de frutas maduras. Cavávamos a terra em busca de minhocas, brincávamos com o Bob - uma mistura de Pequinês e Poodle - colhíamos Alamandas do jardim, pilotávamos nossa bicicletas sem risco de sermos atropelados ou sequestrados. 
Lembro, como se fosse ontem, da mão da minha mãe que se erguia na janela do primeiro andar do prédio onde eu morava, levantando o lanche da tarde - uma mamadeira de Nescau (pois é, mamei até tarde) que era sorvida, deitada no sofá, com os olhos fitando o teto dourado pelo sol de verão.
Mas nunca me esqueço de um dia, um dia especial.
Estávamos em meu apartamento, assistindo à primeira TV colorida da minha vida.
Minha mãe nos trouxe o almoço. Uma bandeja para cada colo.
Ali, no aconchego da minha infância, ouvi a frase que marcou minha vida, dita pelo Beto:
"Ah! Isso é que é vida, comida e TV colorida".
Beto, faz tempo que eu não te vejo.
Queria poder te dizer que a gente mal sabia que a boa vida das crianças do mundo estava no princípio do fim, pois a TV retirou o riso ingênuo das bocas diminutas. Encerrou uma etapa aonde meninos e meninas conheciam o seu bairro, mas não de dentro dos carros. Aonde o corpo era nossa  principal ferramenta nas brincadeiras, aonde músculos eram exigidos, faces eram coradas, mentes eram indomadas e férteis.
Beto, nós tivemos o privilégio de sermos crianças felizes.
Hoje, a felicidade infantil virou um clique.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Imunidade


Filhos são como praga que infesta a nossa alma, enche ela de um amor tão forte que a dependência física fica eterna e a cura jamais será descoberta.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Insônia


Os sons começam a aumentar gradativamente e piados, latidos e passos noturnos tornam-se amplificados. O nosso colchão, antes tão sedutor e convidativo, não agrada mais ao nosso corpo e passamos a nos virar que nem loucos de um lado para o outro.
É a insônia.
Esse monstro noturno que nos deixa à merce de nossos pensamentos mais incômodos. 
Na solidão da noite devem andar soltos os duendes feios da preocupação, loucos para invadir algum cérebro insone e atormentar os corações.
Por que eu deixei de fazer aquilo, por que eu fiz isso? O armário da cozinha está com vazamento, eu não devia ter falado, eu devia ter falado. Eu perdi, gastei, errei, faltei.
A gente tenta esmagar os pensamentos sombrios, mas eles vem como marola, se formam onda e arrastam feito Tsunami nossas boas lembranças. Porque mente com boas lembranças é serena e adormece como criança.
Muitas insônias, porém, são eufóricas, cheias de planos, metas, realizações. São tantas coisas maravilhosas para serem feitas que os olhos se mantém abertos na expectativa e excitação do amanhecer que nunca chega. Que noite lenta essa que interrompe o nosso sucesso! Por que toda essa gente perde tanto tempo dormindo quando tanta coisa poderia ser feita?
Penso que a insônia possa ser bipolar, mas mesmo eufórica ou deprimida não acho ela nada simpática.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Viagem


Sabemos que o tempo passa rápido, mas a cada prova real dessa verdade incontestável, ficamos estarrecidos. É como se fosse uma verdade absoluta para os outros, porém sempre temos a ilusão de que podemos ter enganado um pouco essa sucessão veloz de dias. Eu me sinto presa aos trinta anos e preciso de boas doses de realidade para ser colocada no meu devido lugar. 
Uma delas á acompanhar o crescimento e o desenvolvimento - abrupto?- das minhas filhas e ver nelas a minha juventude refletida.
Foi  ainda ontem que eu estava  rodeada de amigas, em frente ao espelho do banheiro, passando rímel, com um CD (vinil) ao fundo, tocando minhas músicas preferidas. Hoje, estou aqui contemplando esta cena vivida por alguém que, puxa, pensei ainda estar rodeada de bonecas. 
Eu sou mãe de mulheres agora e isso me torna uma senhora madura. Como isso aconteceu tão rápido?
Como assim, não vou mais ter bebês meus nos meus braços?
Não quero abrir mão de toda aquela bagunça louca e linda, cheia de fraldas, mamadeiras, cheirinho de Hipoglós e noites insones que pareciam eternas.Não consigo entender como homens de barba por fazer, entram aqui em casa e não são meu pai ou meu marido, mas amigos ou namorados desses mesmos bebês que deixavam a minha roupa molhada de leite talhado.
Mas aconteceu. Eu envelheci.
De olhos arregalados vejo elas se formarem, viajarem sozinhas, prestarem vestibular, se tornarem o que fui, porém muitas vezes melhor.
Vou ainda pegar bebês meus no colo, mas filhos delas, meus netos.
Sou como um personagem de filme que viaja no tempo e, de repente, se vê no futuro e se surpreende com tudo que foi construído, modificado.
Ainda sou o bebê enrugado, a criança alegre, a adolescente insegura, a mulher no seu auge e a mulher madura.
E percebo essa  feroz temporalidade quando descubro que de todas as pessoas que habitei, só me resta uma - e a última.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Não desisto de Ti


É.
O mundo anda mesmo assim, um pouco bizarro, com valores estranhos, coisas distorcidas e mais assustadoras do que qualquer enredo de filme de terror. Ele também parece aquelas fases dos jogos de videogame, onde tudo é bastante insólito, obscuro e cheio de travessias perigosas, armadilhas e seres voadores que atacam quando se menos espera.
Mas aqui nesta terra tudo que ataca não voa nem rasteja, pois há muito tempo que as cobras deixaram de ser algo que assusta, pois para elas temos antídoto e antes dele, temos a vantagem de sermos mais temidos do que as pobres coitadas.
É engraçado, mas o nosso maior inimigo é ser da mesma espécie, esse humano que adora uma coisa chamada destruição.
E como dizimar é algo soberbo para esse bípede perdido na selva de suas ilusões, ele tenta, além de liquidar com tudo, matar a fé.
Porque não acreditar em Ti, acredite, virou moda.
É simplório e ultrapassado o homem que deposita a vida nos Teus braços.
Porque a vida é cheia de uma egocentricidade científica e filosófica, aonde Tu, Deus, não ocupa lugar algum.
Tudo é muito racional e material para ceder espaço para uma alma esquecida em meio à tanta coisa importante acontecendo.
Mas eu não desisto de Ti.
Pois para cada notícia que ouço de alguma mãe que jogou o seu bebê no lixo, vejo muitas, com os olhos embevecidos de amor, embalarem seus recém-nascidos e os aconchegarem ao seio, fazendo deles um mundo à parte - inteiro, todo para ser vivido.
Porque para cada falta de ar que sinto quando vejo tanto sofrimento, Tu me mandas o vento cheio de perfume de flores e de esperança.
Te sinto no meu coração quando admiro um pequeno pássaro tão cheio de cores que seria impossível não ter sido pintado à mão.
E deixo todos os céticos tentarem, em vão, dizimar mais ao minimizarem ou excluírem o Teu nome.
Porque eles chegarão ao fim e não conseguirão explicar como coexistirão a partir do nada.
Aí, eles Te chamarão.
E Tu atenderás.
E para eles será uma forma de recomeçar.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Realidade



Ninguém é tão perfeito a ponto de não nos decepcionar e tão imperfeito a ponto de não nos surpreender.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Remédio


Remédio 100% natural, capaz de reduzir o stress, o colesterol, a ansiedade e a depressão. O bem estar é garantido, a felicidade fica mais acessível e os amores mais fáceis, por consequência. Sem efeitos colaterais. É gratuito e não precisa de receita médica. Promove união. Quem não usa pode censurar, pois é considerado simples e de fácil acesso, coisas desvalorizadas hoje em dia. Posologia: uma embalagem - contendo duas cápsulas, uma de sorrisos e outra de fé - ao dia. Tempo de uso: enquanto persistirem os sintomas de infelicidade gratuita.

Troféu


O que faz você se orgulhar de si mesmo?
Que tipo de fotos você tem satisfação de emoldurar, expôr, para que ou outros compartilhem da sua felicidade?
Temos os nossos troféus e não vejo problema em querermos dividir as nossas conquistas, alegrias, obstáculos transpostos. Temos o nosso lado terreno marcado na alma, pois crescemos parte de um todo difícil de extirpar quando o mesmo é responsável por uma boa quota de prazer em nossas vidas.
Ter paz, saúde, família, amor, amigos, caráter são requisitos incondicionais à nossa felicidade, mas sucesso profissional, dinheiro para poder pagar as contas e se divertir, conforto no lar, um automóvel em bom estado para poder se locomover também são parte do pacote, pois uma vez vivos neste mundo, certas adequações são necessárias para existirmos com plenitude.
O que me preocupa e me assusta são as pessoas que invertem esta ordem, que trocam a cronologia destas páginas no livro da existência.Que são pautadas por conquistas que têm tamanho, cor e valor.
Já vi tanto. Vi mulheres deixarem bebês que ainda mamavam no peito entregues às babás e às mamadeiras para poderem fazer uma viagem ao Caribe com seus maridos. Já vi cesáreas serem marcadas antes da previsão do parto, para não atrapalhar o reveillon em Punta. Já vi pais darem presentes astronômicos que substituíram a vontade de um abraço. Já vi tantos cenários de exibicionismo velado que seria mais prático encher a dentadura de dentes de platina.
Quando temos mais orgulho dos talheres de prata do que da comida gostosa que  conseguimos ter à mesa, é sinal de que as coisas estão um pouco equivocadas.
Ter é bom, querer mostrar é uma vontade quase infantil de que conseguimos algo que alimenta  nossas necessidades supérfluas de aceitação. Faz parte. Agora, ostentar, dobrar o pescoço carregado de jóias preciosas, exibir fotografias de salas, jardins, sofás e casas, com legendas fictícias, em intenções mascaradas é bobo, perceptível e triste.
Pois estaremos todos nós, passando desta para uma melhor, tão pelados como viemos ao mundo.
E teremos apenas lembranças para carregar.