terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014


Mais uma vez aquela data em que a gente tem que se sentir com esperança.
Mas esperança não tem data nem hora marcada, é coisa quente que desce derretendo a frieza da vida e enche o nosso corpo de futuro.
O ano vai mudar e todo mundo vai beber para comemorar, tudo ensaiado feito enredo de escola de samba.
Mas naqueles dias onde o ano não termina, a vida é mais ou menos ou não?
Escolhemos o caminho que queríamos ou só vamos, assim, caminhando feito zumbis naquela marcha imposta pelo roteirista do filme?
Que pode ser o nosso chefe, a nossa esposa, a nossa mãe, o nosso "carma".
A hora de ser feliz não é agora.
É sempre.
Tanto faz se a cor é azul, branca ou dourada, nada muda sem o nosso consentimento.
Os foguetes, os litros de álcool, a torração da pele na beira da praia e a comilança não são amuletos da sorte, não senhor.
Tudo vai ficar igualzinho, a não ser a nossa barriga e a sujeira na areia.
E se é preciso mudar, que mude!
Mas não hoje.
Nem amanhã.
Mas dentro.
Onde o verdadeiro show acontece.
Ou não.
Esperando mais um final de ano para encher o copo de promessas vazias.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Me dá amor?


Quando existe amor.
Não é preciso pedir quase nada.
Nem carinho, atenção, abraço.
Quando existe amor.
Fazer o outro feliz não é um favor.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Corda Bamba


Aprendi a andar na corda bamba.
Durante uma vida.
Mas confesso que ando cansada.
Talvez.
Somente talvez, o peso da idade tenha me curvado as costas e as tornado mais frágeis para tudo que dificulta.
E tudo que dificulta dói um pouco mais a ponto de eu ter que sorrir um pouco menos quando sacudo uma pedrinha escondida entre os dedos.
Ferindo aos pouquinhos.
Me impedindo o equilíbrio nessa corda de vai e vem.
Mas como jamais desisto nem de sonhos nem de sorrisos nem do meu equilíbrio, trato de olhar para frente ou para cima.

E na visão do sol, das nuvens, das árvores que seguram a corda, tomo fôlego.
Até o dia em que a dor for insuportável e eu tenha que reconhecer.
Que é o momento de descer.
E caminhar.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Dentes à Mostra


Estou em uma idade em que os medos, quase todos, sucumbiram à percepção de que medo não serve para nada. Cautela, sim.
Bem, por isso não tenho mais medo de reconhecer os meus defeitos, que são muitos.
E como todos fazem, neste final de ano vou tentar corrigi-los.
Exceto um.
Sou bicho do mato, ermitã, selvagem ou qualquer adjetivo que se enquadre em alguém que abomina festas.
Não aquelas de amigos de verdade, de sorrisos de verdade, de alegrias de verdade.
Mas aquelas puramente sociais.
Ontem comprovei a minha abominação.
Convidada de um amigo do meu marido para a celebração de sua meia década, até que gostei da parte de escolher um vestido, pedir para a filha fazer aquela maquiagem que só ela faz, arrumar o cabelo, tomar um drinque depois de estar perfumada e com aqueles saltos (que jamais uso) nos pés.
O meu bicho interno ficou domesticado no trajeto de carro, na caminhada iluminada por tochas, no abraço de Desejo Muitas Felicidades.
Mas depois ele começou a se remexer, ameaçando rasgar o meu lindo vestido, rindo dos meus saltos desconfortáveis, fazendo eu me agitar na cadeira em frente ao telão com imagens de uma vida bem vivida.
Não sou comunista tampouco revolucionária, mas a euforia dos adoradores de vida social me constrange.
As mulheres troféu, os homens pavão (aqueles em que as cédulas se abrem coloridas e brilhantes), as disputas de melhor botox, melhores Coxas Depois dos Quarenta em diminutos vestidos de adolescentes, dentes mais brancos, demonstrações de Ainda Como, Ainda Dou, papos de férias monumentais, empregadas incompetentes, tratamentos" baratos" de mil reais.
A certa altura os meus dentes já estavam meio à mostra e eu temia pela transformação iminente.
Então, delicadamente, sussurrei um Vamos Embora no ouvido do meu marido.
Ele disse para eu esperar mais um pouco, pois seríamos os primeiros à sair.
Escondi as garras pontiagudas que começavam à surgir nas pontas do meus dedos, atrás da carteira fina e moderna de couro.
Finalmente percorremos de volta aquele caminho de tochas.
No carro, joguei longe os sapatos.
Soltei os cabelos.
E fiquei feliz de não ter matado ninguém.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Luzinhas de Natal


Quando pequena eu tinha uma fixação em olhar para as casas à noite, prescrutando as luzes de dentro, vendo silhuetas de móveis, de pessoas, de televisões e vidas ligadas. 
A visão do espaço onde a intimidade de cada um acontecia, me enchia de aconchego, de uma sensação perdida, não minha, mas que existia e preenchia um rombo imenso do meu peito.
Em algum lugar eu acharia aqueles lugares que me fariam sentir em casa.
Em algum lugar existiam luzes amareladas, pianos, gente sorrindo em volta de uma mesa de jantar, cortinas derramadas feito cascata, abertas e em paz.
Hoje tenho essas luzes, esses cenários e preciso bebê-los feito água para estancar uma sede que foi saciada aos poucos e acordou o meu corpo para tudo de bonito que a gente vê quando se está quase morrendo sem água.
Essas luzes que são meu jardim sempre verde, meu cão que alguém jogou magro e feio no lixo, cheio de vida e beleza e lambidas e pulos e faróis de esperteza e reconhecimento nos olhos.
Essas luzes que são as vidas que se entrelaçam com as minha, levantado da mesa, "puxa, estava bom, mãe", saciadas de estar junto, dividindo talheres e temperos.
Essas luzes que são cada lâmpada que enfeita a minha árvore de Natal, a fachada da minha casa e avisam: Sim, aqui ainda se acredita!
E quando me dizem para parar de enfeitar a árvore e repôr as tantas luzinhas queimadas e se preocupar menos com aquelas que, puxa já é noite e ainda não foram ligadas, eu sei.
Ninguém pode viajar comigo em cada lugar escuro que já estive.
Então eu entendo.
Mas deixarei a minhas luzinhas sempre brilhando.
Por mais que queimem.
Deixarei o meu jardim sempre verde.
Por mais que o sol tente secá-lo.
Olharei todos os dias para cada cão que tirei das ruas, cada pássaro que me pediu abrigo, cada planta velha que eu insisto em ressuscitar.
E terei aquilo que sempre vi de longe.
E que consegui trazer para o meu coração.
Agora, sem mais apenas olhar e desejar.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Infinito Meu


Eu não conseguia enxergar as estrelas quando tinha os meus olhos vendados pela neblina da insegurança.
A juventude é feita de luz, mas os pés, sem veias nem rugas, pisam um chão de partículas doloridas daquela areia que penetra nos dedos, trazendo o medo de afundar em algum imaginário qualquer.
Tenho uma lua toda minha.
E um céu tão vasto e lindo que me faz sorrir com a ideia de me perder.
Cheguei ao ponto de me desejar brisa.
Mar de marolas, luar refletido nas espumas do mar.
Banho sem pressa de se secar.
Hoje tudo posso.
Sou grande à ponto de conseguir flutuar no infinito.
Não tenho mais medos.
Meu único medo é pensar que depois de saber que tudo posso.
Ter medo de não mais poder.
Por ter deixado a juventude para trás.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A Minha Amiga Especial


Recentemente descobri as maravilhas de um mercadinho. Viciada em supermercados, resisti bravamente até descobrir o quão tenras são as batatas, o quão fresca é a carne e as frutas, o quão é gostoso conhecer o açougueiro, o padeiro e a dona do estabelecimento.
E ainda por cima gastar bem menos.
Há duas semanas fiz uma amiga lá no mercadinho.
Não é uma amiga comum.
Em algum momento doído de sua vida ela resolveu deixar que a dureza da realidade se tornasse fantasia e se escondeu em um canto aconchegante da sua mente.
Aos cinquenta anos ela é linda, mas linda mesmo, não aquela beleza óbvia e vulgar, mas aquela beleza de diva, onde os traços importam mais do que o conjunto.
Vaidosa, adora colares, brincos, tudo combinando, inclusive a sombra e o batom.
Porém, a euforia, a fala solta, a simpatia sem medidas, a coragem de dizer, de se apresentar, de virar amiga, neste Mundo tão antipático e hostil, faz dela uma pessoa diferente, mas não menos interessante.
O meu chaveiro do carro foi o motivo do início da nossa amizade. Um gatinho de plástico, comprado no ebay, com coleirinha no pescoço e uma guirlanda que adoro ouvir tilintar.
Hoje, depois do primeiro dia, onde ela não parava de me enaltecer e onde o gatinho foi dado de presente, sempre que vou ao mercado - a solidão a faz ficar lá, atraindo ouvidos pacientes, que acreditam que com tudo se aprende - ela me vê entrar e diz:
- Eu sabia que hoje a Barbie viria!
Sempre respondo que posso ser a avó da Barbie, mas ela fala alto, olhando para todos, enumernado as minhas qualidades físicas e todos riem e eu saio de lá com um pão fresquinho, cebolas douradas e cheirosas e um enorme sorriso no rosto.
Porque ela não se entrega a devaneios, ela apenas diz.
Diz que está assim por falta de amor, diz o que acha bonito, o que acha feio. Explica porque a família se transformou em um motivo de dor, fala sem retrancas, sem culpas, sem medo.
E não me importo quando vejo os olhares obtusos no momento que ela me abraça, pois sempre me interessei mais pelas almas, mesmo elas estando presas em algum armadilha confusa do cérebro.
E afinal, já vi mais loucos que se dizem normais do que coerentes que se passam por loucos.
E quem sou eu para julgar?

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Maldade


Um erro não é pecado quando existe no Sem Querer.
Quando no caminho, no cansaço, na cegueira temporária se constrói. 
Para em seguida se destruir em remorso e culpa.
Em vontade de que o tempo faça aquilo que nunca faz.
Retroceda e se busque.
Congelado.
Rebobinado.
Editado.
Um erro não pensado é criança que quer aprender.
Um erro calculado, mas permitido, é semente de um monstro tão perigoso quanto permanente.
Aquele onde crescem tentáculos, hábeis em assoprar a ferida, em recolher os cacos, em fazer das vítimas os culpados.
Somos todos errantes na confusão dessas linhas que vez ou outra se fazem nós.
Mas quando aquela gota de veneno pequena, porém capaz de aniquilar coisas imensas, se descobre eu uma mente mais perniciosa do que boa, os acertos perdem importância.
O monstro foi alimentado.
A fantasia que encobria, que fazia do lobo ovelha, cai sob o peso  tentador de estar por cima.
Esmagando, sufocando, ferindo. 
Com todas as forças.
Mas acariciando enquanto mata aos poucos.
E sem remorsos.
Que venham as próximas vítimas.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pressa


E nesse caminho rápido.
De tantas voltas.
Olhei para o horizonte e vi um céu púrpura.
Com nuvens feito moldura.
Com a chaminé escrita como poesia.
Tudo desenho de lápis de cor. Obra de arte.
Para firmar na retina aquilo que vira para sempre refúgio no coração.
Faço a promessa de parar na próxima volta.
Para engolir como remédio esse cenário de sonho.
Tarde demais.
O sol se foi.
A noite é linda.
Mas guardei menos na alma do que eu poderia ter.

domingo, 8 de dezembro de 2013

A felicidade sempre é possível.


Quando alguma coisa nos falta.
Tentamos outra.
E aquele choro de uma abstinência forçada, vira o riso de uma descoberta.
De que, afinal, não perdemos nada.
Apenas ampliamos as nossas opções de felicidade.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Onde vamos parar?


Onde foi parar aquele tempo em que se tinha menos, mas se sorria mais?
Aquele tempo onde o Natal era sinônimo de cidade iluminada, esperança, crianças com listinhas de presentes? Com pessoas mais tolerantes, pois afinal era Natal, e não raivosas, estressadas com a lista infindável de obrigações à cumprir?
Onde foi parar aquele tempo de amigos do peito, de fiado no mercadinho da esquina, de novelas com heróis de caráter?
Aquele tempo em que os filhos crescidos eram mais tolerantes com os pais, as famílias tinham mais força e a força não estava na repetição de sentenças de que família é algo retrógrado e vai além de uma mãe e de um pai? 
Onde foram parar os deveres que ficaram soterrados pelos direitos de que tudo pode, tudo é válido, inclusive afogar os valores em prol da satisfação individual?
Meu Deus, como me faz falta uma época em que eu ouvia dizer que não se podia dizer muito, mas não se tinha tanto medo, inclusive dessa libertinagem de ações?
Onde estão as mulheres que são mulheres e os homens que são homens?
Onde está a alegria de viver?
O Obrigado, o Por Favor, o Pode Passar, O Bom Dia?
Que selva é essa que bestas que se dizem humanas massacram-se, empurram-se, sabotam-se?
Devoram-se?
Onde estão os bons? O que restou de humano, de alegre, de não virtual?
Que época é essa?
Para onde estamos indo, afinal?

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Tudo Pode Piorar


 A TPM é uma coisa séria.
Séria porque esculhamba com os neuro transmissores, dizima o corpo e transtorna a mente.
Poderia ser esse o diagnóstico de uma síndrome grave? Até que sim.
Porque por, aproximadamente, trinta anos uma mulher se transforma em um aberração de si mesma.
Todos os meses.
A fúria é assassina.
A fome também.
O corpo vira uma esponja cheia de água. Cansada, pesada, triste.
Nada que uma panela de arroz não resolva.
Ou meio quilo de chocolate.
Ou uns xingamentos de baixo calão.
Os filhos sofrem, o marido é crucificado, a balança vai pra conserto depois de ser pisoteada e arremessada contra a parede.
A gente sofre.
E como.
Aja choro!
Travesseiro molhado pelo sentimento de que o Mundo não nos entende.
E a fome assassina persistindo à tudo.
Que venham as gorduras, os doces, as frituras, as massas.
Depois é só liberar o choro que as calorias são gastas.
Mas até que gosto dessa inimiga, pois ela  ainda me provém de muitas outras coisas.
Pois aquela amiga dela, a Menopausa, fica me olhando lá do canto, com aquele sorrisinho sardônico e pensando:
Tu não sabe o que te espera.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Fêmea


Gosto de ser mulher.
De lamber cria, de ter colocado no colo, embalado perto do seio para dormir.
De ter olhado de perto o sentar, engatinhar, caminhar. De ter levado e buscado na escola, de aceitar ter sido rival para deixar que ocupassem o seu espaço, de ser secretária particular.
Gosto de ajeitar a casa, molhar o jardim, fazer uma receita nova, de servir à família e regá-la com a vida que almejo ter. Juntos.
Recriei profissões e as fiz mais flexíveis para que as férias não fossem motivo de discussão, para que eu fosse a base de uma construção que não se compra, não se vende e não se empresta. 
Protelo as minhas alegrias, pois sei que elas vem mais brilhantes quando seguem os sorrisos que tanto amo.
Já fui de tudo para que o plano que brotou do coração tivesse mais espaço que aquele que nasceu da mente.
As Mulheres Homens de hoje me assustam na sua busca frenética por fugir de sua própria feminilidade.
Protelam, delegam, para lá adiante tentar resgatar o que perderam.
Porque perdem, apesar da cabeça erguida, apesar das roupas caras, do carro, da posição de predadoras sexuais.
Porque o Lá Adiante chega quando a fugacidade da juventude for percebida.
E então, algo irá faltar.
Aquele algo que não se tem, quando o pensamento foi uma vertente individual.
Aquele algo que não se tem quando se pensa que se é dono do tempo.
Pelo menos, quando não der mais tempo, eu saberei que perdi e ganhei, mas não neguei que vim para amar.
Como jornalista, como filha, como mãe, como esposa, como publicitária, como amiga.
Mas acima de tudo, como mulher.