terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Machos e Mergulhos Profundos


Ontem, ao assistir outra reprise do filme Uma Linda Mulher pensei com meus botões que não, não é possível que um homem espere de uma mulher aquela versão lindíssima, sensual, patética, infantilizada, submissa e Inteligente Somente Quando Ele Quer do filme que, sim é antigo, mas muitos homens ainda vivem nos anos cinquenta, sim senhora.
Vivian, a Puta Boa Moça do filme canta na banheira de espumas como uma adolescente, ri de comédias antigas e bobas como uma menininha de sete anos, caminha como uma criança de cinco, obedece como uma de dois e abre as pernas como uma mulher que está sempre pronta para o tesão do seu macho alfa.
Ele, o Galã Rico Triste Solitário, se encanta e é arrebatado pelo fato de poder ser tudo que ela não tem e ao mesmo tempo despertar nela tudo que ela mesma nega, tipo um herói salvador de mulheres que só estão na lama pelo fato de ainda não terem cruzado com um protótipo tão encantador quanto impossível.
Então, me lembro de uma pesquisa informal feita por uma amiga, onde as perguntas eram referentes à freqüência de ajuda doméstica que as amigas recebiam de seus companheiros. Feita no WhatsApp mesmo, só com a intenção de aliviar a dor da pesquisadora de se ver às voltas com um Não Faz Nada e tentar descobrir se a situação desafortunada só morava em sua casa.
Então, me lembro de uma amiga terapeuta que me contou em sigilo e sem citar nomes que a maioria de seus pacientes estão com um tipo de impotência muito peculiar, brocham por medo de brochar.
Avisam as candidatas à cama, mesmo antes delas encostarem no lençol, que nas primeiras cinco vezes brocham, portanto elas que levem um bom baralho de cartas pro motel nos próximos cinco coitos.
E sabem porque? Pela sombra de independência e liberdade que ofusca o Sol Macho deles.
Então, me lembro de maridos que alegam, em sutis indiretas ou diretas cheias de escárnio, que suas mulheres não tem carreira, nem nada com que se ocupar e preocupar, pois lavar dez pias de louça por dia, fazer três maquinadas de roupa, alimentar sete cães, passar pilhas de camisas, regar todas as plantas, cozinhar, dar carona pros filhos e mais meia dúzia de coisas, não é nada, não.
Aí é a hora que me pergunto: o que eles querem afinal?
Confesso que beirando meio século, ainda não sei.
E dizem que nós somos complicadas!
Claro que somos, pois todo mundo que passou dos doze anos de idade se envolve com certos conteúdos de vida complicados, mas como os donos do Famoso e Super Valorizado Chaveirinho estacionam nas duas dúzias de anos, fica difícil compreender certos fatos.
E, não, não mesmo meus caros rapazes, esse Chaveirinho não vai solucionar todos os nossos problemas, pois graças à Deus nos movemos e nos realizemos com questões pouco hormonais também, SURPRESA!
E somos complicadas por sermos completas, sabe?
A gente não resolve no soco, nem cospe e ajeita as bolas em público.
A gente não estupra, nem sequestra, nem vira assassino em série, nem bate no marido ou em homossexual, ou tortura animais e estranhamos muito quando uma mulher faz tudo isso, pois a nossa complicação e a nossa TPM são muito mais inofensivas do que se vende.
Portanto, fica aqui a dica de alguém que sofreu na carne o fato de ter vivido muito tempo no século vinte.
Bem feito, rapazes! E aproveitem uma relação de verdade.
As mulheres de hoje são muitas respostas não dadas, muitas Julias Roberts engolidas, muita vontade de ter um parceiro, companheiro, aquele que divide o fardo da vida.
Muita vontade de fugir de padrões tão retrógrados quanto injustos.
E se elas exageraram um pouco, ok.
O mergulho é sempre mais profundo quando o corpo aquece demais.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Jardim


Ela tinha flores e buxos que podava e regava como mãe que amamenta seus filhos.
Cada planta tinha o seu lugar como retalho em colcha cerzida que serve para abrigar do frio e colorir a vida.
Deslumbravam o coração e os olhos as trepadeiras de jasmim, a grama pintada com o verde oliva, as camélias com vontades de maio.
Os coqueiros que cortavam o azul do céu com suas folhas que provocavam um tremeluzir nas cores fortes do sol.
Ela era essa vida que nascia em cada pétala e umedecia os dias como as seivas que nutriam a terra.
Então, ela perdeu.
Um pedaço dela foi junto quando ele partiu.
Não tão tarde, mas muito cedo na vida que ainda brotava.
E no adeus ela deixou parte do seu coração.
A parte que remexia o solo, adubava e via na insurgência das plantas a porção necessária da indocilidade de uma natureza exuberante e dona de suas hastes.
Ela perdeu a paixão selvagem de deixar os cabelos secarem ao vento enquanto introduzia novas sementes.
Ela perdeu os olhos que olhavam os dela e se rasgavam em um sorriso ao ver os pequenos labirintos de pingos d'ouro que ela cultivava.
O rosto dele que não se importava com mãos cheias de húmus nas unhas. 
E como ele, o seu jardim deu sinais de pouca saúde.
Na ausência da mãe que cuidava, o sol e a chuva não foram as carícias e o colo.
O verde tornou-se cinza nas réstias da beleza de antes.
A vontade murchou sem água.
O caule se curvou sem esperança.
E o jardim estava prestes a partir.
Feito ele.
Até ela receber uma flor.
Que replantou no jardim quase morto.
Que regou com o resto da vontade.
Que viu surgir forte, densa e colorida.
E tudo mudou.
Nada tinha o mesmo lugar de antes, os tons eram novos e certas sementes adormeceram aos pés dos brotos que penetravam o solo.
As cores de antes tinham novas nuances.
E outros olhos se rasgavam ao ver a força dela em amamentar a vida.
Como uma pequena flor ela furou o solo.
Respirou o ar.
Renasceu.
E redescobriu o amor.


domingo, 3 de janeiro de 2016

Sócrates e seu baixo astral.


Sócrates insistia no conceito de que a vida deve ser examinada para ser vivida plenamente.
Porém, os filósofos ao longo do séculos buscaram uma forma de atingir um estado que se chama ataraxia, que seria uma total imperturbabilidade.
Acredito que o pensamento de Sócrates e dos demais filósofos são divergentes, pois não existe chance de sairmos incólumes à perturbação ao examinarmos a vida.
Por isso, para este ano novo, pretendo buscar na ignorância uma forma de viver melhor.
Ao examinar algo dedicamos os nossos pensamentos e energia ao objeto em questão.
Pode ser uma obra de arte, um pôr do sol, uma pessoa, um cenário, não importa, seremos essa obra, esse sol e essa pessoa enquanto estivermos ocupados e entregues à essa investigação minuciosa e nela definiremos o que pensamos e sentimos a respeito.
Não quero mais examinar o que me agride, quero olhar, sentir e receber o que me faz bem, o que me provoca bem estar.
Porque o exame de algo que nos desagrada leva ao julgamento e o julgamento leva à pré conceitos que não dizem nada em relação à vida, exceto em relação à nossa própria história. 
Ao nos envolvermos com o ruim e ao julgarmos algo injusto temos que agir ou simplesmente morder os lábios, gritar, esbravejar ou sacudir a cabeça e essas ultimas atitudes só servem para poluir a alma.
Se para poder viver em paz eu tiver que virar o rosto e ignorar, tentarei arduamente.
Se para poder viver em paz eu tiver que deletar o ruim da minha mente, molhando as minhas flores no jardim, olhando para o céu ou rindo com as minhas filhas, tentarei com todas as minhas forças.
Porque estou cansada de reclamar do que não posso mudar.
E de consertar dentes depois de rangê-los.
Estou cansada de reclamar do país, das pessoas, da segurança do raio que o parta.
Estou cansada de examinar o nó sabendo que ele não irá se desfazer através das minhas mãos.
Se não posso desarmar a bomba, vou caminhar calmamente para bem longe da explosão e se eu não puder, vou fechar os ouvidos e pedir a Deus que me poupe dos estilhaços.
E só Deus sabe quantas bombas desarmei nestes últimos anos.
Houve época da minha vida que eu ignorava uma série de realidades duras pelo simples fato de possuir a ingenuidade da juventude (e a fórmula para a sobrevivência).
Eu era mais feliz?
Não, mas era mais tranquila.
Eu conseguia sorver mais do bom sem que o meu conhecimento do mal interferisse na degustação.
Era mais fácil habitar o meu mundo particular e tentar fazer dele o melhor lugar para viver sem precisar existir em lugares que eu jamais tomaria conhecimento sem a rapidez das informações.
Eu demorava mais dias para ver todo o sangue que jorra por aí e só tomava conhecimento quando o mesmo havia secado e o impacto do vermelho não era mais motivo para o meu próprio sangramento.
Eu abraçava menos causas e, portanto, deixava de fazer outras vidas mais cômodas, mas preservava a minha saúde psíquica e consequentemente física.
É egoísta pensar assim?
Pode ser, mas se não formos um pouco egoístas na hora de correr junto da manada, seremos os primeiros a cair entre os dentes alheios.
E o mundo sempre foi cruel, insano e feio, porém não existia uma forma tão hábil de ficarmos por dentro de toda essa feiura.
Como a ataraxia exige que as sensações sensoriais sejam suprimidas e sou movida à paixão, prefiro fechar os olhos.
Posso evitar em 2016 pessoas que não me dizem nada.
Posso evitar tudo que me agride e entristece.
Quero evitar o ruim.
Mesmo que seja cultura, mesmo que seja moda ou informação.
E quero que Sócrates vá às favas.