quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Beija Flor


Ele não sabia se era pássaro, borboleta ou flor.
Asinhas que eram fumaça em céu infinito.
Biquinho delicado se fingindo de caule, fincado em corpo de flor azulada, verde e brilhante.
Colorido que existia leve, irrompia na manhã de cada dia, mas não cantava.
Por não saber o que era, o Beija Flor chorou.
Se sentiu diminuto em um mundo de envergaduras imensas. 
Se sentiu imenso na delicadeza das flores e borboletas.
E em cada beijo foi flor, em todas as cores e suavidade foi borboleta e em todos os voos foi passarinho.
E na certeza de não ser somente um, foi feliz podendo ser tudo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Chave


Certa vez, em um curso, conheci uma menina deficiente, daquelas que pouco desenvolvem o corpo, tem dificuldades na fala e os membros são retorcidos e pouco desenvolvidos.
Era a palestrante do dia e veio nos falar sobre os benefícios dos animais na sua terapia.
A moça de vinte anos estava de cabelos arrumados, batom, unhas feitas e usava a camiseta do grêmio em homenagem ao time do coração.
E era um imenso sorriso.
Duas palavras e uma gargalhada, mais duas e mais um monte de dentes à mostra.
Cheguei em casa carregando o impacto daquela força que cavou a felicidade e a possuiu com unhas e dentes, pois ela poderia escapar para sempre no primeiro minuto de consciência do que representava viver daquele modo.
Então, lembrei da mãe sentadinha no fundo da sala, enchendo os olhos de lágrimas a cada aplauso nosso.
Então, percebi que mesmo a menina tendo perdido tanto, ela possuía uma joia rara.
Ela tinha aprendido a ter a capacidade de se permitir.
Me enchem de desgosto aqueles vídeos de auto ajuda, daquele tipo onde um rapaz, ora em cima de montanhas, ora na beira do mar, ordena que saiamos da zona de conforto e nos tornemos um herói corajoso que, de vontade e espada em punho, rasga a rotina e desbrava as grandes aventuras e prazeres da vida.
Nem a música inspiradora e em notas crescentes ajuda.
E não adiantam palestras de arrependimentos em doentes terminais ou relatos de como idosos felizes chegaram, no decorrer de uma vida, à esse grau de satisfação se uma simples chave para todas as maravilhas do mundo não estiver em nossas mãos.
A capacidade. Que nasce junto com os primeiros passos e é um reconhecimento de que se é merecedor, sem culpas, de todas as maravilhas da existência, mesmo quando essa existência resume um pouco o número de alegrias.
Uma pessoa com aversão às alturas jamais vai pular de pára quedas mesmo que digam que é preciso, é bacana, é libertador.
Não é dizendo o que deve ser feito para sermos felizes que seremos e o resgate desta capacidade pode ser como um novo parto de si mesmo e um recomeço no aprendizado de se permitir existir, se permitir acreditar em si, nos outros e no prazer que é para todos.
É aprender a não ter medo de pular.
É o amor, e somente ele, que possui essa chave.
O amor do outro que desperta o amor próprio e o amor ao outro que faz esse próprio amor abrir as diversas portas, destravar as trancas, fabricar sorrisos e luz nos cantos mais escuros do mundo.
Não é preciso me ensinar à ser feliz.
Me ame.
Então poderei finalmente ser capaz de procurar dentro de mim aquela chave que ficou perdida e esquecida.
E estarei pronta para usar.