sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tão simplesmente complicado


Mulher é assim.
Gosta de de tanta coisa que não é vista e sentida.
Não precisa de um monte de qualidades, mas de uma que seja tão forte que valha por muitas.
Precisa de muito mais riso do que musculatura, de muito mais carinho do que testes de virilidade.
E se for para nos deixar apaixonadas para sempre, que sejam espontâneos todos os gestos, sejam reais mesmo que a realidade não dure para sempre.
O nosso coração acelera com visões bem mais complexas do que braços e pernas.
Ele dispara quando vemos um cantinho que gostamos ser pintado de novo, quando já estava descascado e fosco.
Quando vemos que os abraços não são só nossos, mas são distribuídos sem medo, à quem amamos.
O coração salta do peito com homens que acham graça de si mesmos e choram em filmes de criança.
Porque mulher é assim.
Gera, cria, alimenta, sorve a vida.
Não passa por ela.
Pelo menos, as de verdade.
Que se deliciam mais com um leve sopro no ouvido do que com mãos apressadas.
Que esperam nove longos meses para terem nos braços o que lhes completa por toda a vida.
Que amam a simplicidade.
Porque a simplicidade hoje, é coisa rara e complicada.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Amiga


O mundo era dela.
As ruas, as vagas, os lugares, as posições.
Para conquistar o que desejava,  os caminhos não importavam e as pessoas eram apenas obstáculos a serem transpostos.
A vantagem era sua aliada e chegar na frente, seu lema de vida.
Era agressiva no trânsito, traiçoeira no trabalho, egoísta no amor. Era doce e suave na aparência que escondia uma alma seca e amarga. Não por ter tido falta de muita coisa na infância, mas por ter tido muito mais do que não precisava e nada do que realmente queria.
Fez muitos ombros se encolherem, muitas cabeças baixarem, muitos olhos umedecerem. 
Fez tudo o que pôde para ser a melhor na sua triste concepção de virtude.
Conquistou muito mais do que precisava e nada do que realmente queria.
Porém, só descobriu tarde.
E tarde demais não conseguiu fazer da vida, sua amiga.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Destino


Três elevadores. A fila imensa. Eu, a única a querer ir ao subsolo. Aperto o botão de baixo, para descer. Alguns apertam o de cima, para subir. Muitos chegam, vêem ambos botões iluminados e aguardam. Chega um elevador. Alvoroço. A luz do botão de baixo apaga, sinal de que irá descer. O povo se joga para dentro, sem olhar para nada, apenas com o intuito de entrar no primeiro elevador a chegar. Entro. Quieta, quase sorrindo, me divertindo, na verdade. Começa o movimento de descida. O povo urra "ah não, está descendo!". Em um misto de culpa e divertimento, explico: o botãozinho de baixo apagou, sinal de que o elevador iria descer. Silêncio e bufadas. Saio no subsolo e sinto que sou fuzilada por vários pares de olhos nas minhas costas. Nem sempre o destino é o culpado pelas nossas burradas.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Chance


"Se os olhos da fé estivessem abertos como os olhos do corpo, veríamos numerosos anjos a nosso redor, para guardar-nos."
 Se olhássemos mais com os olhos da certeza de finitude, veríamos o quão é clara a mensagem de que estamos de passagem.
Se abríssemos mais os nossos olhos aos sentimentos perenes e os fechássemos mais à vaziez do supérfluo, não nos sentiríamos tão vazios de tudo. 
Se soubéssemos que cada tribulação nada mais é do que prova, saberíamos tirar proveito de cada lição que nos é passada.
Se soubéssemos de verdade como o tempo é curto, deveríamos refletir  mais de como tem sido a nossa vida.
E o que fizemos com a chance de estarmos vivos neste mundo.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Despedida


Meu sogro morreu.
Minha sogra foi morar com a minha cunhada.
O primeiro passo.
Suas coisas ficaram todas no antigo apartamento recheado de lembranças. Roupas a serem doadas, quartos em demasia para uma única pessoa. Eletrodomésticos que fizeram carinho em forma de bolo, agrados disfarçados de suco são destinados ao desuso.
Hora de desocupar o lar que foi de dois, que foi palco de tanta coisa que na correria dos filhos não tem, assim, tanta importância. 
Tralhas para serem distribuídas entre todos. Cada xícara comprada com gosto para ser usada com cuidado vira despojo, fardo a ser dividido.
E os olhos que já viram muito ainda precisam ver um tanto mais. Precisam ver cada bonequinha de porcelana que um dia foi colocada na prateleira com afeto, ser considerada um pedaço de vidro pronto para ser reciclado.
E ela, absorta, vulnerável, dependente, deixa sua vida inteira ser remexida, desconsiderada, diminuída.
Porque aquela "coberta de mesa" tão estimada, usada nas horas especiais da família  virou estorvo na sede insaciável de se resolver tão praticamente a vida.
Porque a vida não pode parar, mesmo quando quem a gente ama grite em silêncio que estamos indo muito rápido e que mais rápido ainda pode ser a sua partida e que ficaremos boquiabertos se perguntando o porquê de não termos sentado um pouco, escutado mais.
Porque não custa nada segurar por mais tempo as mãos de quem nos segurou por tanto tempo nos seus braços. E esses braços que hoje são mais fracos foram fortes o suficiente para apagar as nossas preocupações. Mesmo elas sendo sobre namoros bobos, faculdades que não nos serviram para nada, trabalhos temporários.
E em cada peça existe um Adeus escondido.
Que é prematuro.
Ao menos no tempo dela.
E o tempo dela, ah, não é o mesmo tempo do mundo.
E o que importa esse mundo quando se tem um mundo de coisas bonitas para alimentar a nossa alma?
Coisas que são tão singelas quanto magnânimas e que não representam números nem mesmo ganhos. Apenas acréscimos na única razão de existirmos: o amor.
O segundo passo.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Partida


Pode ser que eu viva mais todo esse tanto que já vivi da minha vida.
Mas aprendi que tudo que é o mais importante acontece em um tempo bem menor do que o tempo que  esperamos, que planejamos para o nosso curto tempo de vida.
Vim à este mundo em menos de um dia. Apesar de esperar nove meses por isso.
Meus lindos amanheceres duraram muito menos do que a espera longa das madrugadas insones.
A visão tão linda e plena das estrelas no céu foi apenas a ilusão de contemplar uma luz que já morreu.
E na brevidade do existir, serei suspiro que na surpresa da rapidez da vida se perguntará:
Tão rápido parti?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Te amo, criança



Ele veio, assim, do nada, chegando de mansinho, cabelos suados e colados no rosto de tanto pedalar a bicicleta cinza e bonita.
- Oi.
- Oi.
A bicicleta tomba de lado na grama recém molhada pela chuva de verão. O corpinho meio desengonçado, roliço, comprido nas partes erradas, rostinho de bochechas proeminentes e dentes de leite, senta ao meu lado.
- Como é o nome dele?
- É Lupin - respondo acariciando a cabeça enorme e ruiva do meu cão sem raça.
- Que lindo! Eu quero um igual de Natal.
- Tu acreditas em Papai Noel?
- Claro! Vou pedir quatro presentes.
A mãozinha ainda lembra aquela que segurava o dedo da sua mãe - suponho - ao mamar no peito, e agora se apoia no meu joelho direito. Olho com amor para a mão que necessita de afeto, mesmo um afeto desconhecido como o meu.
- Que bom! E quais são os presentes?
- Hum...deixa eu ver. Uma pista do Hot Wheels, uma bicicleta de 4 marchas e um video game.
- ... e o quarto presente? Ah, já sei, uma escrivaninha.
- ...
- Eu não tenho um irmão porque ele iria gastar todo o dinheiro do meu cofrinho com um enxoval só para ele.
- Não, acho que não, tiro uma mecha de cabelo da testa suada. Mas e o quarto presente? Ainda não sei o que é.
- Uma escrivaninha.
- Sério?
- O que é uma escrivaninha?
- (risos) deixa pra lá.
- E as férias? Começaram?
- Sim, mas repeti o ano.
- Mesmo?
- Por que? Não posso repetir o ano?
- Pode.
- Eu sei, sou muito novo para a segunda série, só tenho sete anos e odeio matemática. Eu vou lá em casa pedir pra minha mãe para ficar mais um pouco aqui na praça. Tu espera?
- Claro, vai lá.
- Eu adoro o Lupin e acho que ele gosta muito de mim.
Impossível não gostar de ti, criança. Doce, fresca, com os olhos ainda castos para as mazelas do mundo. Com a fala ainda espontânea, simples, direta. Com a mão pronta para repousar naquele que, sabes por instinto, recebe a tua leve mão com honra e orgulho. Neste breve momento te quis filho, para abrigar tamanha fragilidade nos meus braços sempre prontos para a beleza pura do mundo. Peço a Deus que ceda parte dos anjos que chamo, todos os dias, para cuidar dos que amo. Que vão à ti, criança querida, te peguem pela mão, te guardem e te mantenham igual como és, mesmo que lá no fundo, pelo resto da tua vida.