quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Mudanças


Por que ele estava ali há tanto anos?
Ela lembrava que na mudança, o trouxera com carinho, enrolado em plástico bolha para não avariar a delicada estrutura metálica com detalhes em cristal. Funcionava perfeitamente na casa antiga, projetando um facho de luz denso que corria vertical até o teto. Gostava daquele efeito, embora fosse mais decorativo do que funcional.
Porém, se deu conta que nos dez anos de casa nova, com tantas sancas cheias de luzes embutidas, ele se tornara um objeto inerte no canto da sala. Não sabia ao certo porque ele havia parado de funcionar e com preguiça, deixou-o ali, jazendo em sua inutilidade silenciosa.
Mas hoje, depois de tanto tempo, ela o olhava e via o quão lindo era. Lindo, porém excluído, estéril de toques em cada acender e apagar.
Por que o conservava, mesmo ele sendo peça invisível para si? Se acostumou com aquela presença sólida no canto do sofá a ponto de fazê-lo indelével no seu dia a dia?
Ela aproximou-se e alisou o cano metálico tingido de preto, que terminava em um bojo de cristal verde e translúcido. Soprou o pó e afastou as pequeninas teias que haviam se cristalizado no descanso da lâmpada, agora vazio.
Então, retirou-o da tomada, carregou-o até o andar de baixo. O papel bolha foi enrolado com cuidado, com respeito aos velhos tempos, quando a sua tênue luz amarelada preenchia a casa com o mesmo aconchego que agora era outro, pois ela era outra também, assim como a sua sala.
No outro dia um caminhão levou-o embora.
Que ele iluminasse outras vidas agora, o tempo deles já havia passado.
No canto do sofá colocou uma planta imensa, verde, com as folhas rajadas de branco.
Teria que cuidá-la, se preocupar com a luz, o sol, os parasitas.Teria um trabalho que o lustre não lhe dava.
Não se importava.
Era tempo de colocar vida dentro de casa.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Perdas




Nós fazemos tantas coisas que deveríamos fazer diferente.
Aos invés de declaramos a nossa tristeza, fazemos de tudo e mais um pouco para que os outros nos percebam tristes. E muitas vezes criamos a fórmula errada e o carinho que queríamos por estarmos à beira do abismo vira uma  coisa ilegível, incompreensível que nos afasta, quando tanto queríamos o aconchego.
Porque o ser humano pensa que é esperto, mas é bobo. Ele pensa que sempre sai ganhando, mas perde na maioria das vezes.
Perde por não respeitar o que é, o que sente, o que quer dizer.
De verdade.
Sem amarras.
Com medo de perder tanta coisa fácil de se perder.
Coisas mais fáceis do que perder a si mesmo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Portas




Ela tinha muitas preocupações, ele sabia.
Com a casa, os filhos, o trabalho, o pai doente que exigia atenção diária e quase irrestrita.
Eles brigavam, divergiam, discutiam, eram normais, afinal.
Mas o peso daquelas últimas palavras ditas, as quais ele tentava obliterar o significado, ainda retumbava no seu cérebro como marteladas que lhe tiravam a concentração nas tarefas mais simples.
Palavras. Ditas de forma ríspida, gritadas, cheias de ódio.
De onde havia saído todo aquele rancor que avolumou o peito dela e foi despejado com os olhos semicerrados, com uma vontade voraz de machucar?
Ele era tudo aquilo que ela havia vociferado? Se percebia tão pouco, em todos esses anos, para pensar que certos sentimentos estavam destinados às pessoas bem menos felizes do que os dois?
Ela lhe dizia verdades, escondidas nos anos de cumplicidade ou escolhia, catava feito pedras brutas, palavras que pudessem construir um diamante monstruoso que ela ostentaria na intenção de enfraquecer qualquer qualidade que ele pudesse pensar serem suas?
Não saberia, nem com toda a raiva do mundo, construir um ser tão feio como ela o construiu, tão egoísta nas suas próprias necessidades e tão vazio de virtudes.
Não conseguiria, mesmo quando o amor navegava por águas turvas, macular aquilo que haviam construído para eles, aquele mundinho que considerava único no universo de casamentos infelizes.
Mas ela disse. Estava feito, não tinha como voltar no tempo e esquecer o que fora formulado, mesmo em um momento onde a razão havia se dissipado em prol da fúria, da explosão seca e rápida.
Motivos todos têm, ele também os tinha. Tantos problemas para serem resolvidos. Mas ele cuidava para que eles não tomassem o espaço que deve ser preservado, defendido, jamais penetrado.
E o tempo levou consigo as acusações duras. Foi ficando fraca a imagem dela, a voz alterada, a batida da porta.
Os filhos cresceram e passaram a exigir menos, a casa ficou mais limpa, pois não abrigava mais brinquedos, carrinhos, tampouco tantas panelas sujas. Ela foi promovida, conseguiu pagar alguém para ficar com o pai e ambos tiveram a chance de fazer mais coisas juntos.
Comemoraram mais um aniversário de casamento.
Todos riram e relembraram os bons tempos, nas imagens projetadas no telão.
A perenidade da relação era exemplo para amigos e familiares, a felicidade, a cumplicidade.
Porém, dentro dele uma porta havia sido fechada.
E nunca mais conseguiria ser aberta por ela.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Força


É na adversidade que a vida mostra a sua força. No meio do bambuzal ela coloriu o céu. Não nasceu somente, mas cresceu e superou a monotonia do verde na intenção delicada de flor.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Viver


Mesmo tendo sido um(a) jovem louquinho, aventureiro, pegador, impossível, indomável, você será, um dia, um velhinho de respeito. E ninguém vai imaginar que por trás dos óculos, das roupinhas recatadas e do jeitinho quieto mora uma alma livre. Portanto jovem, aproveite ao máximo, mas com cuidado para poder chegar à velhice.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Recomeço


E já se arrastavam quarenta anos.
Esse "arrastavam" era uma maneira meio rude de definir uma união estável, sem muitas brigas, com um início apaixonado como a maioria dos inícios são.
Mas representava a forma que os dois tinham escolhido, na última década, para dividir algo mais parecido com camaradagem do que amor.
Ela constantemente se via absorta em fantasias onde, de uma forma que ela não queria nem imaginar, ficava livre para recomeçar uma vida que ainda guardava ânsia de experimentar mais, intensificar mais, ser mais.
Ele já havia desistido de querer que a esposa o acompanhasse no que julgava ser a sua evolução pessoal, como o curso de informática, os amigos virtuais e a extensão desta amizade nos churrascos de fim de semana, regados à caipirinha e falastronismos sobre mulheres impossíveis.
Os netos eram a alegria mútua e a rara intimidade mantinha os lençóis pouco remexidos, sempre fáceis de arrumar a cada manhã.
Até aquele dia acontecer.
O dia em que ele descobriu, sem querer, que a esposa que considerava um pouco antiquada, trocava mensagens no celular.
Não que fossem mensagens com algum homem desconhecido, mas mensagens bobas com as amigas, cheias de "hahahaha", "beijocas" e "até depois", termos que quase profanavam a imagem que tinha da esposa.
O que se escondia atrás das pregas bem passadas da saia dela, para ele nunca ter percebido que ela sabia mandar mensagens no celular e ainda mensagens moderninhas, cheias de frescor,  liberdade, quase um viço juvenil?
Virou um espião das conversas escritas da mulher e a cada dia recuperava um pouco daquilo que havia se perdido, daquilo que havia feito ele se apaixonar que nem um louco, largar o emprego na outra cidade, recomeçar a vida em um lugar estranho.
Ela estranhava a novidade das mão bobas do marido, outrora frequentes nas suas coxas antes delas perderem a firmeza e o brilho.
Os churrascos dele começaram a ficar meio chatos e as fantasias dela agora incluíam viagens juntos para lugares ainda não visitados.
Ela emagreceu, entrou para a academia.
Ele perdeu alguns amigos, mas não todos.
Passaram a jantar fora todo o fim de semana e se amavam depois de cada jantar.
Ela não tinha mais muito tempo de conversar pelo celular e nem se importava de ter que arrumar os lençóis bagunçados, que davam um trabalho danado.
Quase todas as manhãs.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O que eu quero da vida




Escrevi algo que foge um pouco dos padrões Otimismo Mesmo por Cima do meu Cadáver - tema muito bem vindo em redes sociais -, na minha página de Facebook. Mas apesar do teor melancólico de muitas palavras que torno públicas, sou uma otimista nata. Caso contrário, para quem conhece a minha história de vida a fundo, sabe que eu teria licença para ter feito mais bobagens. Mas os meus dissabores não vêm ao caso, mas a repercussão do meu pessimismo explícito, sim.
Um amigo, um daqueles que realmente foi meu amigo – e continua o sendo via internet -, não pela frequência e intensidade da amizade, mas pela sintonia de pensamentos, me colocou sentadinha, a pensar na minha atitude injusta perante a vida afortunada que tenho.
Através de algumas palavras e da pergunta “o que mais queres?” me deu um bom puxão de orelha, apesar de termos a mesma idade.
Bem, caro amigo, eis a minha resposta a qual tive a elegância de me abster para não tornar mais melodramáticos os nossos pequenos comentários públicos.
O que eu quero da vida eu já tenho. E muito.
Porém como sendo feita de sangue e carne e tendo sido colocada neste mundo, sei que devo estar nos primórdios da minha evolução espiritual e mental, portanto sou ainda um bebê nessa imensidão do Universo. E como bebê de Pai bom, tenho as minhas necessidades básicas supridas, como poder andar, tomar banho sozinha, escrever – palavras suas para tornar clara a minha ingratidão.
Mas sou bebê e daqueles inquietos, ainda por cima.
Mesmo com todo o leite que jorra no seio da minha vida, muitas vezes quero que o meu crescimento seja rápido para poder experimentar mais que o aconchego do peito me traz.
Na intensidade e paixão com que eu vivo, fico meio voraz de alegrias e, imatura, esqueço-me do que tenho, pois já sendo possuidora de tanto, parto em busca de mais flores para poder colorir ainda mais o meu jardim.
Não, amigo, eu não menosprezo tudo que me foi dado, inclusive na minha conversa noturna diária com Aquele que me abençoou tanto reconheço, de joelhos, o quão sou afortunada.
Apenas tendo pernas, mãos e olhos que com carinho me foram dados, começo a descobrir o mundo e nele vejo quem nem todos fazem bom uso do que lhes foi presenteado.
Então nos encontramos todos, os conscientes de tanta benevolência e os absortos nos prêmios concedidos por eles mesmos, em um universo que acreditam manipulável pelas suas mãos ensandecidas.
E nessas horas o meu otimismo se dissipa um pouco na densidade tóxica que envolve tantas coisas.
Apenas isso, caro amigo.
Mas, talvez, quando eu tiver feito o meu tema de casa, e possamos conversar novamente, o meu Eu crescido possa rir  dos meus anseios de bebê ingênuo.
Então, não precisarás mais perguntar o que eu mais quero da vida.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Balança


O erro é inerente à vida.
O que mais me assusta é quando erros são super dimensionados e acertos passam despercebidos.
E o pior.
Quando ambos são confundidos.