sábado, 30 de junho de 2012

Conto de amor

Eles eram felizes assim, ha um tempo. Ele abraçava mais, beijava mais, aquecia mais o corpo dela, à noite, quando serenavam os ponteiros do relógio e o tique e taque era mais uma música do que uma urgência. A palavra "desculpa" costumava sair mais dos lábios contornados pela barba mal feita, lábios mais generosos e que sorriam fácil. Ela achava que ele ria muito, se preocupava pouco, se desculpava toda hora. Ele cuidava, ela era cuidada e precisava de espaço, de sair mais com as amigas, fazer mais coisas sozinha. O espaço dele era ela, preenchendo cada momento morno dos dias de folga, com café, conversas, sushi e mãos enroscadas. Um dia, no meio desse tempo em que eles eram felizes, ele ficou vazio de abraços. Ela se sentiu livre. Ela podia ser ela, coisa que amava, ele podia ser ele e eles podiam ser dois mais soltos, mais individuais, mais normais. Mas o tempo trouxe a falta de algo que só ele costumava cuidar e ela tinha esquecido de como criar. Eles não eram mais felizes, nem cúmplices, nem íntimos. Alguma coisa fazia ela querer de novo o riso fácil, a falta de preocupação que não era dela, era dele, mas que ele fazia ser dos dois. Então, ela teve que reaprender a abraçar mais, beijar mais, sorrir mais. Ela fez ele se preencher dela novamente até eles voltarem a ser o que eram. Dizem que eles estão felizes por muito tempo. E estão sempre se abraçando.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Batalhas Diárias

Dou valor a qualquer luta, por mais ínfima que ela possa parecer aos olhos dos outros. Tenho a tendência a valorizar somente as lutas travadas com intuitos grandiosos - cura de doenças graves, recordes nos esportes, graduações acadêmicas, premiações - que, geralmente, tornam-se públicas, dada a sua relevância. Públicas para muitos, vários ou alguns, mas não apenas próprias. Porém, cada pequena batalha que travo, todos os dias, representa muito para a minha estima e, mesmo não sendo ela cheia de virtudes morais, me deixa feliz e plena. Não criei a vacina contra a gripe, mas inventei um trajeto novo e mais rápido para o trabalho. Não bati o recorde na Maratona de Nova Iorque, mas meu cardiologista diz que a corrida virou a melhor amiga do meu coração. Não sobrevi à um câncer, mas sobrevivo à ataques emocionais que não ficam visíveis na forma de calvície, mas me tiram pedaços, me desmoronando por dentro. E é mais fácil saber com quem se está lutando, do que termos inimigos ocultos nos espreitando. E eu, você, nós, seguimos lutando. Para sermos mais felizes no casamento, no trabalho, consigo mesmo, com os filhos, os outros, o mundo.  Podemos não ter participado das grandes guerras, mas Deus sabe o quão heróicos somos nas nossas batalhas diárias.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Barco

Meus olhos ainda vêem muitas coisas ruins, mas não me permito esquecer de sorrir. A violência e a insensatez do mundo me servem de despertador noturno e a manhã ilumina as brincadeiras dos meus cachorros, as camas ainda quentes e desfeitas das minhas filhas, o verde úmido e orvalhado das plantas. Afasto as nuvens de preocupação - com tantos filmes de futuro que passam na minha mente - com um sopro suave em uma xícara cheia de café com leite. Deixo por pouco tempo o meu lado de pouca fé governar a minha esperança, enegrecer o meu otimismo, desvirtuar o meu coração, amargar os meus pensamentos e palavras. Meus dias podem ser todos uma grande sexta feira, assim como as cortinas podem cair, pesadas, encerrando a mágica. O meu barco pode ser levado por brisas suaves, subir e descer nas marolas cristalinas, como pode quase naufragar nas tempestades. Mas jamais me permito desistir de acreditar. Mesmo quando o silêncio de um coração interrompido me mostre que nada aqui é infinito. Pois quando for a minha vez de silenciar, quero estar do outro lado do caminho olhando para trás, satisfeita por não ter deixado que o medo das ondas bravas e gigantes me impedissem de desfrutar do sol e do colorido da vida, ao navegar.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Adeus

Ele nasceu três dias e 47 anos antes de mim. Se foi ontem. Por força dos astros herdamos a mesma teimosia e, mesmo sem ninguém saber, sempre gostei de ser comparada com alguém que teimou em acertar. Teimou em ser tudo o que considerava cert...o na vida e, teimando, foi um grande homem. Não quero que descanses, Grande Homem, pois só descansa na partida quem esteve cansado de viver. O teu cansaço pequeno dos últimos tempos foi apenas o resultado dessa batalha que todos nós travamos, todos os dias, mas que tu, saístes vencedor. Quero que recomeces, que renasças e que faça o que sempre fez, aonde estiver - agregue, respeite, ame, construa, seja amado. Quem sabe, se pedires com jeitinho, possas nos passar todos os teus ensinamentos através dos nossos sonhos. Tenho certeza que seremos pessoas melhores. Até um dia!Ver mais

sábado, 16 de junho de 2012

Turista

Fazia algum tempo que meus horizontes não se ampliavam, que minha paisagem mudava pouco e que meus pés não pisavam solos distantes. Os vôos longos não levam somente o nosso corpo para longe, mas nos obrigam a mudar, nos tiram da rotina e nos transformam em observadores da rotina alheia, dando-nos a chance de exercitar um Eu diferente daquele que somos todos os dias do ano. Fui, por doze dias, alguém que eu havia esquecido que poderia ser. Alguém que toma chuva sem se preocupar em molhar a roupa e os cabelos, que come o que quer sem se preocupar com o peso, que inicia uma conversa com pessoas desconhecidas em um bar, que ri mais e que leva tudo mais na esportiva. Fui aquela que se esconde dentro de mim, pois as imposições do dia a dia afugentam a originalidade da alma. Me lembrei de como gosto de banho de banheira e me perguntei o porque de não ter uma. Por que deixei para trás o prazer intenso das bolhas de sabão, estourando na superfície quente da água, em troca da insipidez do chuveiro? Me lembrei de como gosto da diversão ingênua dos parques, da sensação infantil de gritar na Montanha Russa, de comer doces coloridos e comprar bichinhos de pelúcia. Redescobri coisas simples como a importância de fazer novas amizades. Renovei a fé em mim mesma ao ouvir que falo bem uma língua que julgava  ter esquecido, ao compartilhar riscos, interpretar mapas que nunca fiz questão de entender. E, acima de tudo, convivi e conheci mais as pessoas que amo, mas que vejo menos do que gostaria, pois todos corremos cegos, vendados pelo poder dos horários. Não podemos ser sempre o que queremos, a vida não é como idealizamos. Mas, temos que, vez ou outra, achar um meio de resgatar aquela parte de nós que pega nosso lado mais leve, mais solto, mais feliz, e o chama para brincar.

quarta-feira, 13 de junho de 2012