segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Como eu Respiro


Não odeio ninguém. Ninguém.
Tenho lá os meus desafetos, mas não nutro essa coisa escura dentro do peito. Não porque eu seja boa, mas porque sou egoísta e quero um caminho mais iluminado a cada dia. E simplesmente não consigo armazenar ódio nas prateleiras do meu ser.
Não falo bem, não sou muito boa em afagos e abraços com quem não divide o teto comigo, evito festas e locais badalados. 
Moro muito dentro de mim e me sinto feliz assim.
Consigo me conectar com o Mundo escrevendo, pois as minhas verdades são muito mais claras quando nascem palavras.
Porém, por serem verdades absolutas, vez ou outra, arranho a alma de quem me lê.
E por isso, peço perdão.
A intensidade com que existo me rende frutos maravilhosos, mas algumas sementes acabam fazendo parte do mastigar macio, suculento e doce.
Sou assim.
E não pretendo mudar.
Quem lê o que eu escrevo, conhece cada pedaço do meu espírito e não tenho medo desta nudez, pois é ela que me faz sentir aquecida nessa jornada de dias velozes.
Mais do que escrever, sou alguém em busca de sentidos, de felicidade, de paz.
Apenas tenho uma maneira, dentre tantas, de tentar buscar tudo isso.
É no ato de declarar.
Não sou chegada à títulos, mas se escrever me faz escritora, tudo bem.
Apesar da minha intenção ser apenas respirar.

sábado, 28 de setembro de 2013

Do Inferno



Como a zona sul é linda...uma corrida pela orla do Guaíba energiza. Até a primeira cabeça de bode surgir flutuando, com os dentes arreganhados e a língua para fora, nas ondinhas que rebentam na praia. Até o odor ocre de decomposição e de comidas de oferenda putrefatas invadirem o seu cérebro. Até você encarar a triste visão das centenárias árvores com suas raízes escurecidas por terem servido de abrigo para as velas vermelhas. Mas, afinal, por que não mudar um pouco o trajeto e escapar para os lados do Condomínio Jardim do Sol e encarar uma lomba forte que vai lhe encher de endorfina e prazer? Até você começar a encontrar os bodes inteiros, sim com suas cabeças presinhas ao corpo, mas com os dentes igualmente arreganhados e a língua para fora. E as galinhas, dezenas, e as canjicas azedas e as panelas e as garrafas de cachaça e espumante, tudo no meio da rua.
Isso é cidadania?
Isso é evolução, respeito?
Tenho que respeitar esses rituais de gente do mal, que evocam coisas mais negras do que a própria alma?
Um bode sai mil reais - sabe, mercadoria em extinção encarece - então não é raro encontrar gatos brancos ou pretos e até cabeça de cães. Isso é religião?
Que esses seres cometam as suas atrocidades dentro de suas casas, pois, quem sabe, chamando com força, no aconchego do lar, o próprio não os venha buscar em um jatinho particular?
Direto para o andar de baixo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Tudo de Novo

Eu sabia que a danada da expectativa iria matar um pouquinho os meus sonhos.
Se nessa espera ninguém aparecesse, ninguém descesse das portas de algum trem.
Nenhuma cortina revelasse a surpresa que irrigaria os meus sorrisos.
Mas mesmo sabendo que eu poderia encontrar a linda caixa de presentes vazia, foi bom ter o prenúncio do gosto doce na boca.
Depois, feito criança pequena, empaquei no beiço virado para baixo, nas lágrimas que foram mais água do que sentimentos. 
Jurei que jamais esperaria novamente. Jamais acreditaria na minha capacidade de acreditar. 
E chorei mais um pouco, naquele choro bobo de quem tem tudo, mas, puxa, quer mais um pouco.
E o meu sorriso fez uma lágrima ou outra escorregar para o lado, despencar das alturas e sumir no chão.
E a expectativa veio se insinuar como se nada tivesse acontecido! 
Os meus sonhos acordaram de novo.
E depois de terem quase morrido, se endireitaram e levantaram mais fortes.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Matemática


Então a gente quer mudar algumas coisas e pensa que as mesmas mudarão se fizermos outras.
Mas a vida.
Ah, a vida não é bem assim.
E nela a matemática é obtusa e não temos os resultados esperados nas nossas somas e subtrações. Se a gente come, engorda, se trabalha muito, fica cansado, se sua, sente sede.
O corpo é simples. Direto.
A emoção? Nunca.
Não podemos fazer filhos para querermos ser cercados de amor e de gente, na velhice.
Não adianta sorrir e esperar que esse sorriso renda muitos outros sorrisos de juros.
Gentileza não gera gentileza, é mentira.
Gentileza gera satisfação com desapego, porque se formos gentis com quem não está nem aí para nada que não esteja gravitando em volta do próprio umbigo e esperarmos que o mesmo nos entregue o troféu de reconhecimento, estamos ferrados. 
Ser bom, honesto, íntegro e disciplinado neste Mundo de valores histéricos é vinho que se bebe sozinho, degustando o que para os outros é apenas uva esmagada pelos pés. 
Não adianta se esforçar para ser sexy, divertido, alegre, descolado, interessante para ganhar prestígio, pois ser admirado não é moeda, apesar da admiração ser muito confundida com cifras pelos que já esqueceram que, um dia, não haverá barganha para embarcar naquele barquinho sem volta.
A única fórmula que conheço é aquela que, depois de um monte de rabiscos, engrandece a alma.
E a alma, eu sei.
Essa carrega um monte de certos e errados para serem conferidos, revisados e corrigidos. Lá do outro lado.

Luz

Ele era luz. Ela, o dedo que pressionou o pequeno botão. E tudo se iluminou.

domingo, 15 de setembro de 2013

Eu entendo. Apesar de chorar.


- Alô?
Eu suspiro do outro lado da linha e penso: dessa vez vai der certo, afinal eu não posso querer que todos pensem como penso.
- Oi! Sou eu.
- Oi! Posso te ligar daqui a dez minutos? Estou vendo uma coisa na TV.
Tantas coisas mais importantes do que eu. Como uma página chata de um livro grosso, fui lida com esmero, mas não com amor. Cada palavra foi soletrada no silêncio dos lábios, mas não penetrou no coração.
O telefone toca.
- Já terminou o que tu querias ver?
A esperança de que tudo possa ser diferente embebe as minhas falas em algo que faça deslizar sem retrancas ou ressentimentos as dores das minhas entranhas.
- Já.
Penso em tudo que vou contar, nos momentos bons da semana. Quero que a conversa flua como deve fluir uma conversa de pessoas que se pertencem, não por escolha, mas por laços de sangue.
Mas não consigo começar, pois ela faz tudo naufragar no mar denso e carregado de hábitos que elegem a miséria e a infelicidade como  força motriz da vida.
As perguntas são dúbias, maliciosas, as queixas são chaves para a tentativa venal de comiseração. As minhas alegrias compartilhadas passam mais altas do que as nuvens e desisto de dividir.
Não posso querer mudar algo que nasceu estagnado.
Me permito sofrer, embravecer, chorar de vez em quando, mas tenho que aceitar, me resignar com o fato de que essa mudança que tanto quero não me pertence mais.
Posso tentar transformar o que é meu, mas jamais o que nunca me pertenceu.
Sou eu que tenho que equacionar essas fórmulas que me parecem tão absurdas.
Para certas pessoas as verdades jamais podem ser ditas. As alegrias jamais podem ser partilhadas. As vivências excruciantes nunca compartilhadas.
Mesmo elas sendo parte da nossa carne.
Do nosso sangue.
Para elas reservamos a compreensão.
E o afastamento da nossa alma.
- Foi bom falar contigo.
- É, foi bom.
- Um beijo.
- Outro.
Até a próxima dimensão...

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Nunca dá Tempo


- Mãe!
- O que?
Ajeito a última peça do Dominó colorido que ganhei ontem da mãe, depois que ela chegou do trabalho. Fiz uma fileira linda, com curvas e desenhos e agora que mais nenhum caiu, está pronto o meu quadro de chão.
- Vem ver o que eu te fiz!
- Ah, agora não dá!
- Por favor...
- Duda, eu tenho um monte de coisas pra resolver antes de sair pro trabalho, chama a Valéria.
- Mas o presente não é para ela...
A mãe é a mãe mais bonita que eu já vi. Ela usa as roupas mais bonitas e uns sapatos muito altos. E ela é muito, mas muito ocupada. Eu não me importo...ela disse que tem que trabalhar para eu poder ter as coisas boas que as outras crianças não tem...só às vezes eu me importo...porque eu queria ter as coisas boas que as outras crianças não tem, mas queria ter também a mãe na hora de chegar da escola.
Um dia, a mãe me contou que quando eu morei na barriga dela, ela podia sentir eu me mexer, empurrar e até me virar e eu fiquei pensando nisso até agora. Eu devia sentir o calorzinho dela e ela o meu e eu fazia parte dela, mesmo ela tendo um monte de coisas para fazer.
Parece que o tempo é a coisa mais importante na vida dos adultos. A minha professora vive falando que não vai dar tempo de terminar isso ou aquilo, como se todo mundo na sala de aula fosse morrer. Os meus colegas não tem tempo de vir aqui em casa brincar porque eles tem um monte de aulas de inglês, futebol, judô e sei lá mais o que. O meu pai não vem muito me ver porque ele diz que o trabalho dele faz ele ficar com pouco tempo para outras coisas.
Quando eu crescer eu vou abrir uma Escola de Tempo. Aí vou chamar todas as pessoas que não conseguem ter tempo e vou mostrar que os tempos são diferentes, mas todos eles são importantes. Por exemplo, eu tenho os meus deveres, mas sei que se eu não mergulhar os meus pés na piscina, só um pouquinho, eu não consigo pensar direito e faço tudo errado. O Bolota vive me pedindo carinho e ele me enche um pouco, mas sei que se eu não der um pouco de carinho pra ele, ele vai ficar triste e eu não quero um cachorro triste...
Vou ensinar pros adultos que é bom a gente fazer muitas coisas, mas não só uma, porque a gente pode ficar igual ao meu avô Zeca. Ele pediu desculpas pra minha mãe quando ele estava doente lá no hospital, então, depois, eu perguntei pra ela:
- Mãe, por que o vô Zeca te pediu desculpas?
- ...
Ela secou os olhos com um lencinho, ficou um tempo em silêncio e eu nunca tinha visto a mãe tanto tempo em silêncio.Aí, ela respondeu:
- Porque ele deixou de fazer algumas coisas. Por nunca ter tido tempo.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Eu Tenho Envelhecido


Eu tenho feito tanta coisa.
E perdido tantos medos e adquirido coragens que não são pulos de penhascos, mas passos adiante.
Eu estou tão mais pronta para os pingos da chuva que caem sem aviso, que já não empunho o guarda-chuvas ao menor sinal de tempestade.
Ando renascendo, todos os dias, em um corpo com mais sinais do tempo, porém eles doem menos do que as minhas antigas espinhas no rosto.
Porque anda acontecendo alguma coisa com a minha alma, que se recusa a caminhar no mesmo sentido daquele relógio da sala.
Me torno cada vez mais livre das perfeições de uma juventude ditada por padrões. 
Dos outros.
Sou uma senhora que tem ganhado uma alegria genuína que não vem costurada em algum benefício.
Mas está ali.
Por estar, por saber-se necessária em uma fase com tantas perdas, irrelevantes perto da grandeza que vem junto com a compreensão de tantas outras coisas.
Compreensão de que nada é injusto, feio, ruim, o tempo inteiro. Tampouco justo, lindo e maravilhoso.
Compreendo, mas não tudo.
Apenas o necessário para continuar entendendo que enquanto respiro devo estar preparada para o Mundo.
Eu tenho envelhecido.
E estou ficando cada dia mais viva.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Cheiro de Sangue


Dizem que conhecemos os verdadeiros amigos nos momentos difíceis. Não penso assim. Conhecemos os verdadeiros amigos quando contamos que nos demos bem, que algo maravilhoso aconteceu em nossa vida. Porque Amigo Vampiro adora te ver sangrando e Amigo de Verdade adora te ver sorrindo.