quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Me beija.


O beijo.
Pode um quase nada de minutos dizer uma eternidade de palavras?

O beijo pode.
Sem se fazer alfabeto, ele promete, ele fala, conversa, conforta e seduz.
Tirem as crianças da sala, pois o assunto será sobre a magia das línguas entrelaçadas.
Ou dos lábios que, suavemente se tocam, mas que provocam reações nada suaves.
Mas as chamem de volta depois, pois elas são as nossa fonte inesgotável de carícias também.
A linguagem dos lábios desenha o universo sensual de quem beija.
O beijo duro, aquele que se retém no abrir da boca, no amolecer de lábios. Que encosta, mas não toma nos braços, não arrebata. Esse desfaz sonhos de entrega daqueles romances que sobrevivem às tempestades do amor.
O beijo urgente, rápido e violento pode ter o seu valor, mas jamais na conquista, por favor.
As mordidinhas de lábios são do amantes antigos que fazem das novidades os velhos sorrisos.
Beijar bem não tem idade, mas tem endereço.
O bom beijador mora dentro de um livro de sutilezas e percepções dos momentos de retroceder e avançar, de suavizar e se impôr, de abrir um sorriso no meio do toque das bocas ou de lamber o lábio superior dizendo que está na hora de desvendar novos mistérios.
O beijo também é de filho, de mãe, de testa, mas não deixa de dizer um monte de coisas.
Vai, eu te amo, mas estou magoada em um beijo rápido com mais olhos do que o toque de peles.
Por favor, se cuida, em um demorado contato de lábios que se abrem e soltam suspiros que só os que se preocupam entendem.
Um batom que marca as bochechas rosadas feito aviso de amor para quem quiser ver que o dono daquelas bochechas é mais do que é amado.
E aquele beijo de namorado, que engole a pele, a suga e deixa o carimbo de posse.
Ah, o beijo.
Que sai e vem para a boca, essa que nos alimenta e supre, que nos faz ser entendido nesse mundo, ela que ofende, que grita, que se arreganha de sofrimento, de dor e de raiva.
Mas que se suaviza, desfalece na hora de dizer eu te amo.
A boca para falar sem dizer palavra.
A pele para arrefecer a sede de alma. 
Que basta.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Inveja é Burra


Mas como a inveja é apenas um sentimento das pessoas, digo que o invejoso é burro.
Ouvi de diversas bocas para não ficar alardeando a felicidade, pois os invejosos de plantão estão aí para, com seus olhos de Medusa, liquidar com a plenitude alheia.
Dá azar colocar fotos de amor lindo, beleza rara, viagem de sonhos, corpo de sílfide, status de playboy de Sampa, festas de se arrebentar rindo, no Facebook.
O amor vai acabar, a beleza vai minguar, os corpos vão engordar, o dinheiro vai sumir, a festa vai dar uma ressaca daquelas.
Será?
Claro, olha a inveja, comadre! Olha o olho grande!
Vamos por partes.
Muitas e muitíssimas vezes gostamos de registrar a nossa felicidade e dividir os nossos momentos felizes não por exibicionismo, mas por sabermos que, nesse mundo, a felicidade vem em conta gotas e é preciso sorvê-la e degustá-la e colocá-la na palma da nossa mão para a admirarmos pelo tempo que quisermos, mesmo depois dela ter ido embora e virar uma doce lembrança.
Cada foto de dentes expostos pode ter sido precedida por momentos não registrados de lágrimas e ninguém é imbecil para tornar públicas as suas dores, mágoas, neuroses e ninguém quer saber de gente infeliz, pois todo mundo tem o seu grau de infelicidade e quem é saudável de mente vai saber que são para poucos os nossos momentos de dor.
O invejoso é burro porque vê a felicidade projetada em coisas, bens e prazeres, mas desconsidera que nada, absolutamente nada nos faz feliz se não estamos suficientemente bem (de corpo, de alma e de energia) para receber todas as benesses do conforto material e físico.
O invejoso inveja a coisa, não o contexto, pois no contexto todos sofrem, choram, sentem medo, raiva angústia, mesmo tendo a coragem de secar as lágrimas com o dorso da mão e sorrir para a foto, dois dias depois, bebendo um martíni na sua piscina de águas turquesa.
E, sim, quem ri vai querer postar no Facebook, feito uma aval, feito uma medalha que se dá à si mesmo com a intenção de fazer daquele momento especial uma lembrança de que, mesmo vindo muitos outros ruins, enquanto vivos, sempre teremos momentos especiais.
Vamos querer dividi-los, compartilhá-los, degustá-los de todas as formas possíveis.
E não existe força invejosa que derrube nossas conquistas.
Pois a inveja é burra.
Ou seria o invejoso?
Tanto faz.
Pois a burrice não constrói nada.
E duvido que seja capaz de destruir alguma coisa.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Contratempos


Sou filha de pais que lidavam muito mal com contratempos.
Muito mal ao ponto de, aos dezesseis anos (dirijo desde os 14), eu sair correndo de dentro de um Fiat 147 amarelo, depois de ter, pela primeira vez, acertado a coluna do estacionamento do prédio, em uma ré.
No momento que senti a traseira cedendo ao concreto, tive uma visão sobrenatural de dois rostos contraídos, com olhos injetados e duas bocas que mostrariam a minha incapacidade de dirigir, através de algumas nada bonitas palavras.
Tenho vários outros episódios, mas não vejo porque citá-los.
O que desejo é mostrar que, invariavelmente, copiamos os exemplos dos nossos progenitores ou os repudiamos e, no meu caso, passei a encarar com uma leveza absurda as pequenas mazelas do dia a dia.
Se belas taças se quebram e saímos no prejuízo, é sinal de que andamos comemorando a vida com os amigos.
Se a porta do nosso carro aparece com um ovinho, significa que estacionamos em algum supermercado, shopping ou restaurante e, que bom, temos saúde para sair por aí dirigindo, comendo, comprando, vivendo e o nosso carro está aqui, nos servindo.
O melhor vestido rasga? Temos condição de ter um melhor vestido? Então, por favor, paciência.
Dia desses, meu marido me disse que a forma ligth de eu encarar os contratempos beirava o retardo mental.
Discordo veementemente.
Retardado é quem se maldiz por perder algo, que é incapaz de perceber que as coisas não se estragam, não somem, não quebram, não se desgastam se não existem mãos para manuseá-las e onde existe mão, existe um corpo que está vivendo, pois morto não estraga nem perde nada.
E, a propósito, morto não tem mais tempo, por isso nem nada que vá contra o mesmo.
Dinheiro vai, dinheiro vem, vão-se os anéis e ficam os dedos.
É chato ter avarias em bens materiais queridos?
É.
Gosto de chutar uma pedra e lascar meu amado e novíssimo sapato de verniz?
Em absoluto.
Vou estragar o meu dia, quiça semana ou mês por isso?
Não. Vou no sapateiro.
Vou no supermercado, na fruteira, no cinema, no bar, na pizzaria de sapato arrumado e um gasto à mais.
Apenas isso.
Pois daqui há dez anos, esse sapato estará enterrado na minha lembrança.
Porém, a forma de eu encarar a vida e as consequências dela, não.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Somos Selvagens


E a gente acaba sobrevivendo.
Mesmo pensando que, depois de algumas lacerações, vamos, finalmente e infelizmente, sucumbir.
Mesmo depois de ouvir o que esfaqueia sem corte.
Mesmo depois de saber que existir pode ser cruel, mesmo quando a crueldade não acontece no mesmo nascer do sol que vemos, todos os dias.
Vamos sobreviver porque respirar é algo nosso. E é quase impossível certas vezes, mas mais impossível é deixar de usar as pernas para pular os riachos, quando as temos pregadas no corpo.
E a gente acaba sobrevivendo.
Nem sempre de maneira exemplar, mas com os recursos que nos cabem, na intenção de fazer tudo ser menos dolorido.
Porque viver não é nada fácil desde que inventamos esse monte de coisas para usar, mas que servem para nos escravizar em uma escravidão sem correntes.
Esse monte de coisas que precisamos.
Essa dose de veneno diária que nos mata tanto quanto nos fortifica.
Levamos adiante em silêncio, pois seríamos rudes ou indelicados.
Fechamos os olhos, o coração e as vontades, pois seria incorreto e não civilizado.
Somos onças criadas em cercados feito bois.
Sem a chance de escalar as árvores e lamber as feridas dos tombos.
Tudo é não dito, protelado.
Tudo é culpa, raiva contida, fúria domada.
E a gente acaba sobrevivendo.
Aos ataques subliminares desse ser selvagem que pasta no campo.
E que acaba virando um monstro.
Pois não pode existir como fera.
E que somos todos nós.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Cadê os meus bebês?


Puxa, andei com uma baita falta de tempo de me dedicar à esse dedilhar nervoso e calmante no teclado.
Falta de tempo.
Esse tempo deste instante que teclo.
Esse tempo que jamais voltará para mim.
Nunca.
E falo muito do tempo, pois a maneira como lidamos com ele define a nossa capacidade de ser feliz.
Esses dias, parada em um semáforo, vi uma mulher grávida caminhando lentamente com a mão pousada no ventre expandido.
Sempre amei estar grávida e ter os meus bebês em casa, arrulhando, faziam o sangue das minhas veias virarem pura vitamina para o meu corpo.
Mas esse tempo passou.
Nunca mais ficarei grávida.
Esse contentamento e êxtase não será mais meu, será das minhas filhas, sobrinhas, filhas das amigas, jovens ou nem tanto, mas ainda prontas para transferir os seus genes.
Não posso mais ter os prazeres e realizações do passado, mas devo buscar no meu presente e futuro as compensações e os prazeres de caminhar em uma estrada que já não tem tantas curvas à frente.
Pessoas idosas geralmente são assombradas pela amargura de desejar um presente repleto de gratificações do passado.
Os filhos à volta, a disposição, o marido ativo e saudável, a casa cheia, os ouvidos atentos, a vida profissional nos trilhos, se locomovendo.
O tempo estagnado no tempo em que tudo foi bom ou não tão ruim.
Porque envelhecer é difícil e gostaria de encontrar pessoalmente quem intitulou a melhor idade, para poder dar, no mínimo, um empurrão.
O tempo não é generoso conosco, mas temos que ser generoso com ele.
Compreende-lo, ajustá-lo, encaixá-lo, amá-lo.
Fazemos a própria cama em que iremos deitar no futuro e se ela não for tão macia quanto esperávamos, a culpa é totalmente nossa.
Não do colchão, do vendedor, do travesseiro, mas da nossa incapacidade de saber que a eternidade de tudo neste mundo é ilusória.
Saber envelhecer é saber que não poderemos mais ficar grávidas.
Mas que podemos ter a coragem de experimentar o que ainda não experimentamos.
Eu odiava sushi e rúcula, hoje os amo.
É isso.
Construir nesse tempo que trata de destruir os segundos, minutos e horas da nossa vida.
Ser valente é saber que se é.
Não que se foi.
A fazer a vida ser leve.
Para si e para os outros.