sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Cores


E se tornava nuvem lenta em dias de preguiça.
Flor e mato nas horas de perfume e desafeto.
Pescava sonhos, afogava pesadelos.
Era sorrisos, gozo e lágrimas.
Se dizia alegre para sentir-se novamente triste.
E pensava.
O que é esse caleidoscópio que cega e ilumina?
De quantas cores precisam os dias que se avermelham em amanheceres e se despedem em púrpura?
Qual o sentido das cores?
O porque do cinza?
Dos pretos que anulam as luzes?
São de pedra e de areia fofa os caminhos. 
De risos de dor e lágrimas de alegria.
De brindes e despedidas.
De olá e adeus.
De amores que nos seguram e salvam.
De alimento e de fome.
Temporais raivosos e brisas suaves.
A vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O amor não acaba

O amor uma vez surgido, nascido, iniciado, não acaba.
Ele se assusta e se esconde.
Se ressente e se encolhe.
Se machuca e vai tratar de ir para o escuro curar os ferimentos graves.
Ele muda, cresce, diminuí, mas não acaba.
O amor volta, ressurge, se reergue, se cura.
O amor uma vez surgido, nascido, iniciado, não acaba.
Mas pode ficar para sempre guardado, trancado, esquecido.
E nunca mais dar as caras.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Quando o sol queima


Fui uma pessoa de falar muito pouco a respeito do meu próprio desconforto e tristeza em relação às atitudes das pessoas que eu convivia.
No início da vida por medo, pois quando se estuda em uma escola onde um dos métodos de ensino é a opressão, o silêncio é pré requisito e o conformismo uma dádiva.
Enquanto amadurecia e morava com pais e irmã, a falta de coragem para enfrentar certas injustiças era uma forma de respeito e respeito na minha casa era boca fechada para discordâncias e atitudes medidas com régua.
Pois bem, cresci e levei comigo essa bagagem pesada sob os ombros. 
Essa que vem cheia de ideias erradas de que para ser amado deve-se agradar à todo mundo e que falar o que machuca é coisa de gente chata.
Essa que vem cheia de ideias erradas de que o sofrimento pode ser medido pelo julgamento dos outros.
Eu posso sofrer com algo que outras pessoas tiram de letra e isso não me faz pior ou mais fraca do que alguém, só representa a minha maneira particular de sentir a vida.
E essa maneira pode mudar de acordo com o período que estou vivendo.
Posso ter sido forte até agora para coisas que simplesmente não consigo mais digerir e posso me tornar um  gigante para outras em que minha pequenez me tornava fraca.
E não gosto que me julguem por isso.
Gosto muito do exemplo do bebê que chora por motivos risíveis aos adultos e acho medonho adultos que riem de seus próprios filhos por julgarem pueris e bobos os seus pequenos sofrimentos.
O sofrimento não é medido em escala richter e o meu terremoto avassalador pode ser apenas um tremular do oceano para tantas outras pessoas.
E vice e versa.
Amar alguém é, acima de tudo, respeitar o seu jeito de ser.
Então, ao amarmos nossos filhos, namorados, amigos, seria ideal que conseguíssemos fazê-lo sem imposições pessoais sobre o modo particular como cada um deles lida com os seus próprios problemas, mas ajudá-los a lidar da melhor forma possível com os mesmos.
Uma das minhas filhas sofria desesperadamente aos tirar notas abaixo de oito na escola e queria um boletim recheado de dois dígitos.
Eu sabia que era um absurdo tamanho sofrimento por esse motivo, mas eu tentava aliviá-lo e não ridicularizá-lo ou julgá-lo.
Era um sofrimento dela e ponto e seria cruel da minha parte lembrá-la que ela tinha olhos, pernas, braços, família, amigos e uma casa para morar, pois eu não estaria diminuindo a sua mágoa, mas mostrando o quão injustos eram os seus sentimentos.
Então, eu não os diminuía, apenas tentava fazê-la entender que notas dez eram o máximo, mas ninguém precisava do máximo para viver feliz.
Eu tentava aliviar a dor sem julgar o motivo.
Só eu sei o quanto sofro pelas imensas tristezas e misérias do mundo, pois infelizmente (ou felizmente) nasci sensível demais, porém nada impede que eu tenha uma crise de choro ao descobrir um rasgo irreparável no meu vestido preferido, me entristeça com um fim de semana de folga em dias chuvosos ou fique deprimida por conta das injustiças que sofro.
Ou simplesmente fique apenas triste sem motivo algum.
Se alguém sofre e calha de ser alguém que amamos, melhor do que entender e julgar a causa, é estender a mão, é oferecer o colo, os ouvidos e o coração.
Pois o sol é maravilhoso, mas também é capaz de arder e queimar.
E não é um discurso que alivia uma pele queimada, mas uma mão amiga para espalhar um bom hidratante nas partes que a nossa mão não pode alcançar.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Deixe-me entrar.


Foi em uma tarde quente de verão.
Quando ele, verdadeiramente, quis entendê-la.
Ele escondia todas as coisas sentidas e não ditas em um copo cheio de gelo e vodka.
Deitado na espreguiçadeira, no pátio modesto, depois de ter cortado a grama e podado as camélias.
Depois de ter chorado um pouco por conta de goles dados e beijos recusados.
O sol brincava com os cubos de gelo, assim como os seus olhos e dedos.
Então, os mesmos olhos voaram do copo e pousaram no tecido.
Que tremulava florido, feito bandeira de flores, no varal. 
O vestido dela. O seu preferido.
Na dança fluida dos panos ele viu ela dançando no tempo que tinha ficado para trás.
Sentiu seu perfume, seus anseios, suas dores, suas batalhas e vitórias, seu corpo esguio, mas forte, seu seio pequeno encostado na curva do seu braço.
Ela que era dele, mas que era dela mesma antes deles existirem como dois.
Ela que ele só via no descanso das noites e dos finais de semana.
Ela que gostava de flores na casa e nas roupas, mas que poderia gostar de tantas outras coisas que ele não sabia.
Que era uma mulher diferente para o frentista do posto de gasolina, para o colega de trabalho, para a manicure, para as amigas e para os homens que a desejassem.
Era tudo dela que ele via balançar com a brisa, na intimidade de um vestido secando ao sol.
Na intimidade de estar ali tão perto e tão longe, tão dentro e tão fora mesmo estando sempre ao lado.
Porque ele havia se acostumado a tê-la, mesmo sabendo que nunca se tem ninguém.
E foi naquela tarde quente de verão.
Que ele chorou mais um pouco e recolheu as roupas do varal.
Encheu um vaso com flores, lavou o corpo com sabonete de limão.
Alimentou o gato, preparou o jantar.
E a beijou como quem beija uma borboleta que está prestes a voar.
E pediu para entrar.


sábado, 28 de novembro de 2015

O valor do silêncio


Nuca fui uma pessoa que consegue se expressar bem, falando.
Gaguejo, me atrapalho, digo o que não gostaria de dizer, deixo de dizer o que estava pronto para ser dito.
Falo para quem não deveria, deixo de falar para quem eu gostaria.
Por isso encontro na escrita um refúgio, uma ordenação dos meus sentimentos.
Não me considero escritora, me considero alguém que no ausência da fala encontra as palavras certas.
Ao menos as minhas.
E amo o silêncio.
E ele deveria ser muito mais valorizado do que é.
As pessoas estão acostumadas com a poluição de sons e tem uma concepção errada em relação à beleza da ausência dos mesmos. Confundem com solidão e tristeza.
Para estar alegre tem que gritar, gargalhar, grunhir, soltar rojão.
Nem sempre.
Os sons são, muitas vezes, enganosos.
A necessidade de ter a última palavra, de retrucar, de revidar é uma necessidade imatura e vazia, o silenciar é a forma mais nobre de repudiar o ódio e o verdadeiro bem geralmente é feito sem alarde.
Quem fala muito engana a consciência, distraí a razão, ludibria a lucidez.
Quem precisa mostrar satisfação e descontentamento através dos próprios sons são atrizes pornô, bebês e animais selvagens, o resto é demonstração exagerada de sentimentos superficiais.
Com exceções.
Falar demais de si, dos outros, dos problemas, das soluções não nos faz melhores, os outros piores e os problemas solúveis.
Falar demais nos torna chatos, compulsivos e insanos.
As palavras ditas nem sempre saem do coração.
A raiva expelida através da fala machuca e estraga.
Discursos são sempre chatos. Os políticos nem menciono.
Somos humanos e usamos da fala para nos relacionarmos socialmente, mas penso que ela tem se tornado uma forma de justificarmos as nossas atitudes erradas.
Uma forma de existir diferente da que realmente existimos.
Um tapa buraco de erros.
"Oi, tudo bem?" é um exemplo. 
Ninguém realmente nos pergunta isso querendo uma resposta.
Fazemos da fala um escudo para os sentimentos quando ela deveria ser a manifestações real dos mesmos.
Reservamos as nossas palavras autênticas à quem amamos e abrimos o nosso coração conversando apenas com quem selecionamos, o resto é falastronismo.
Por isso consigo ouvir melhor o silêncio.
De um olhar, de um sorriso verdadeiro, de um postura de ombros, de uma inclinação de cabeça de um mexer nos cabelos.
Do quebrar de ondas, do trinar de pássaros, do farfalhar de árvores e de todos esses sons que não foram inventados por nós.
E se a fala é necessária para viver e se relacionar, o silêncio é necessário para respirar.
Não para sempre, mas o tempo necessário para restaurar a paz que anda arredia e fugidia para a maioria das almas, principalmente as que falam demais.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Não desista de tentar ser feliz.


Este ano, o primeiro da minha vida, tive o ímpeto de não colocar árvore de Natal, tampouco luzes e Papai Noel.
Comecei a ver as casas se colorirem de vermelho, verde e dourado e, pela primeira vez na vida, o meu coração não se aqueceu.
Muita tristeza no mundo, muita noticia ruim brotando como Alamandas no verão.
Dinheiro curto, tragédias longas, falta de compaixão e boa vontade, lamas, mortes, queimadas.
Mil chicotes açoitando a minha alma que é sensível como pele de bebê.
Sempre fui muito amiga da melancolia desde a mais tenra idade e toda a dor e beleza de nascer e existir andam de mãos dadas ao meu lado, essas minhas companheiras de vida que insistem em brilhar na mesma intensidade.
Porém, o mundo, vez ou outra, me provoca e me enfrenta na tentativa de fazer eu só enxergar o que a dor é capaz de permitir.
Mas brigo, luto e nunca desisto de acreditar que tudo pode ser bom, tudo pode melhorar e ter um final feliz.
Esse mundo me foi dado e ponto final.
Vou ficar velha e morrer ou simplesmente morrer e a maneira como vivo é o que importa.
E viver, mesmo com todo o caos que isso representa, é tentar construir um mundo dentro desse mundo, um lugar que nos acolha, nos faça feliz, nos preserve, nos alimente e nos dê forças para cavar a dignidade e a coragem de ver o bonito e o bom.
Porque é muito mais fácil destruir do que construir e as portas largas e fáceis de abrir nem sempre descortinarão os cenários mais deslumbrantes.
Mergulhar na profundidade do oceano e desfrutar da sua mágica requer preparo, resistência, calma e boa vontade, assim como navegar ao vento, saltar no céu, surfar no mar.
Para ver a dor basta olhar.
Para ver a beleza é preciso se abrir, se entregar, se dedicar.
Então, enchi de luzes a minha casa.
Bolas coloridas de vidro, renas, Papai Noel e presépio.
Vou fabricar a minha felicidade e este é um direito que tenho.
Que temos.
Me senti feliz, apesar da infelicidade do mundo.
E no outro dia, aquela companheira que faz eu ver o lado bom da vida, empolgada com a minha alegria, me cutucou e apontou para debaixo de um viaduto, ali mesmo perto da rodoviária.
Fui ver o que ela tanto queria me mostrar e enchi os meus olhos de lágrimas.
O papeleiro enchia de luzinhas o caixote que lhe servia de casa.

sábado, 21 de novembro de 2015

Fantasmas


Sente no chão da sua casa e olhe.
Você existe nas paredes, nos retratos, nos detalhes de cada canto.
Cada quadro pendurado com cuidado, cada vaso mantido com carinho, cada incenso ou mesmo toda a forma de bagunça.
O local que você escolheu para os seus guarda-chuvas, as suas bolsas, as suas chaves, as suas contas a pagar.
Os livros, as caixas abarrotadas de papéis, as roupas perdidas e em pilhas nos guarda-roupas ou esperando pacientemente em um canto da lavanderia a hora de passar.
Os imãs de geladeira, o cesto de revistas, a planta falsa, mas bonita.
Tudo é você.
A louça protelada, o descaso planejado, o afeto depositado na placa de Seja Bem Vindo ao Nosso Lar.
O boneco de ferro que sorri na grama, usa uma chapéu de palha e um avental de vovó.
As xícaras que não combinam, a louça que só pode ser usada em dias de festa, os copos feios e bonitos, a bagunça em cima da pia da cozinha e o ferro de passar que nunca parece ter um lugar definido para estar.
Então, sente no chão da sua casa e olhe.
Repense enfeites que não lhe dizem nada e que a cada dia que passa só ganham pó.
Repense a limpeza excessiva, a falta de bagunça, de liberdade e de vida.
Endireite os quadros de uma vez por todas ou os arranque das paredes e passe uma tinta nova para cobrir buracos e marcas antigas.
Jogue fora o que está apenas ocupando espaço, abra o coração e as janelas e deixe o ar entrar.
Recupere, mantenha, cuide de tudo que lhe pertence, de tudo que você quer olhar ao acordar e dormir, de tudo que faça os seus olhos sorrirem e a sua alma se encher de sentimentos bons.
Se desfaça, desapegue, jogue no lixo ser for preciso tudo aquilo que não faz mais sentido.
Mesmo o novíssimo recém adquirido que não lhe diz nada, apenas mostra a sua capacidade de o possuir.
Tudo é você.
Tudo remete à você.
Não aceite conviver com aquilo que não lhe traz conforto, sejam recordações, objetos, roupas, móveis novos ou antigos.
Sejam sentimentos, pessoas, atitudes ou lugares.
Nos acostumamos com cenários montados, com ideias antigas, com posturas apreendidas, com colchas velhas e travesseiros surrados.
Com coisas inúteis e caras.
Com carros e sentimentos blindados.
Nos negamos colocar fora vasos rachados, lâmpadas velhas, baús enegrecidos pelo tempo.
Guardamos muitas coisas velhas, muitas coisas sem uso, muitas palavras não ditas, muitos pés de meia que sabemos que nunca mais serão um par e sapatos novos que nunca iremos usar.
Temos medo de nos desfazer, de deixar para trás.
Do vazio a ser preenchido.
Mas antes uma casa vazia, pequena, simples e limpa, pronta para se (re) habitar do que um imenso castelo cheio de luxos, mofo, passado, futuros indesejados e histórias demais para guardar. 

domingo, 15 de novembro de 2015

O Passarinho Azul


Um ponto azul perdido na imensidão de verdes e marrons.
Um ponto que já foi para a calçada cinza e cheia de mandíbulas e pisadas.
O que você faz aqui pequeno pedaço do mar que ainda não pode ser oceano e voar?
Vou embora e deixo que a vida cuide da vida, pois não sou nada perto da sabedoria que me cerca.
Mas volto, pois meu coração bombeia mais com a força dos troncos, folhas, água e bichos do que com o meu próprio sangue.
Trago para casa o pedacinho de mar que ainda não é oceano e não pode voar.
Seringa com papinha, água, abrigo, preocupação. 
Adeus.
Depois de uma noite serena ele se despede na palma da minha mão.
Depois de eu ter a vida abrigada no diminuto espaço entre os meus dedos, as asinhas azuis vão bater em outro lugar que ainda não posso enxergar. 
Desabo com tanta dor como se duzentos quilos me arremessassem ao chão.
Um filhote de passarinho.
Não apenas um filhote de passarinho.
Toda a fragilidade minha, nossa, vossa que eu tenho a pretensão que se cure, sare, acabe, voe para longe, para o infinito.
Toda a dor de ser sozinho nos verdes e marrons, de doer na lama e nas calçadas de uma cidade que se chama luz.
No turbilhão de dormir e acordar e ser sol, chuva, temporal, amor e angústia.
Tenho a cabeça entre as mãos e o coração apertado por punhos.
Por um filhote de passarinho.
Não apenas um filhote de passarinho, mas todos os nossos afetos, amores, bondade que são mortos quando ainda estavam ensaiando o primeiro voo.
Ao olhar o corpinho inerte fico imensamente triste sem entender qual é, afinal de contas, a lição.
Ao ver as notícias, ler depoimentos, olhar fotos, fico imensamente triste sem entender qual é, afinal de contas, a lição.
Desse mundo que não tem paz.
Onde passarinhos não tem a chance de conhecer o céu.
Mas temos trabalho a fazer, vidas a viver, apesar tudo.
Sentada no chão de uma casa que não é minha, ouço um farfalhar desesperado atrás de uma grade de lareira.
Um ponto marrom de longas asas pretas se agarra ao ferro e tem o olhar resignado de quem sabe que chegou ao final.
Na palma da minha mão a andorinha se despede.
Mas desta vez para um lugar que eu posso enxergar e que é lindo como as asas do passarinho azul.
Adeus.
Uma manhã e duas despedidas.
Diferentes.
Penso que entendi a lição.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A ilusão das páginas


Hoje me lembrei de uma daquelas coisas que fazem o coração da gente amolecer de saudade.
O início da temporada de piscinas da Sogipa e a alegria de, depois de horas na fila, finalmente passar no exame médico (nenhuma pereba no corpo, graças a Deus).
Cheguei a sentir a textura emborrachada e quadriculada que servia para escorrer a água dos pés no momento da vitória de transpassar o portão giratório e mergulhar no azul cristalino das alegrias genuínas.
E me lembrei que eu estaria de férias e contando os dias para o Natal, aquele Natal onde só existiam alegrias, pois a preocupação com a vida tinha sido deixada para trás na aprovação do colégio.
Era o momento que eu jogava fora, incendiava, pisoteava, rasgava, triturava a minha agenda Colégio Farroupilha e todas aquelas obrigações de ser datas, números, superações.
Toda a preocupação de ser a versão turbo de um fusquinha que nasceu para rodar sem stress e sem pressa na contramão de uma escola que queria que todos fossem tanques de guerra alemães.
Então me dei conta de que mantenho uma agenda até hoje, não profissional, mas com anotações de consultas médicas, compromissos pessoais, datas que devem ser lembradas e tudo o mais.
E me dei conta, através da minha agenda florida e cheia de borboletas, de que faltam sessenta e nove dias para eu jogar ela em uma gaveta e sair em busca de novas estampas que vão armazenar os rituais da minha existência.
Me apeguei ao controle, aos números que eu representava no colégio e me castigo todos os dias ao me definir em datas.
Me castigo ao anotar pesos, medidas, distâncias, tempo (muitas vezes anoto a distância e o tempo do treino de corrida para fazer comparações com o passado. Menos mal, meu pai contava os passos que dava) e tudo aquilo que só uma pessoa que foi marcada em brasa para nunca esquecer de ser quadradinha é capaz de se permitir.
Porque não anoto os beijos que vou dar ou dei, tampouco os cafés que vou tomar com as minhas amigas, muito menos os dias em que vou querer ir ao cinema, namorar e deitar ao sol com um drinque na mão.
Não vou anotar o creme perfumado que devo comprar, pois vou comprá-lo depois de cheirá-lo e depois de sorrir e fechar os olhos ao sentir ele na minha pele.
Não vou anotar que devo urgentemente mergulhar no mar para lavar a ressaca dos dias.
Esse tipo de coisa eu não anoto.
E tudo que eu anoto geralmente é chato.
Exame pronto, vistoria do carro, contas.
Esses dias fiquei olhando para a minha agenda e senti uma tremenda pena dela por ela ser tão bonitinha e tão chata.
E pensei: fui eu que criei essa monstrinha e a necessidade dela existir.
Pois nem os dias que tenho trabalho são anotados, pois são dias em que vou fazer o que fica anotado na parte do cérebro que não precisa de datas: a parte das coisas gostosas.
E o mais engraçado é que tenho diversas agendas guardadas e de vez em quando dou uma lida nelas.
Quase morro de rir com certas anotações que eu julgava serem necessárias e inadiáveis.
E o mais importante: tudo que foi anotado com muita antecedência deu um jeito de não acontecer.
De uma forma ou outra a minha tentativa pueril de agendar e controlar a minha vida faliu e os acontecimentos fizeram eu rabiscar datas, arrancar páginas, riscar horários, frustar a velha tentativa de controle.
Hoje aprendi a deixar de fazer muitos planos.
Porque o Professor que tenho não é alemão, nem radical, tampouco quadrado feito as fraus que me encaixotaram até eu virar o que sou.
E mesmo quando eu for a feliz proprietária de uma agenda 2016, sei bem que não vou controlar absolutamente nada, por isso fingirei o contrário ao brincar com os números da minha vida.
Na doce e boba ilusão de que a vida é tão estável e estagnada quanto algumas páginas.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Amar não é fácil


"Uma relação tem que servir para tornar a vida dos dois mais fácil".
Essa frase é de autoria do Dr. Dráuzio Varella e abre o texto "Para que serve uma relação".
O Doutor enumera várias ações que conotam uma relação feliz e não uma relação imposta por fatores sociais, econômicos ou demais.
Adorei o texto que vale muito ser lido e me permito acrescentar muitas outras coisas que considero imprescindíveis para que uma relação não aderne, além do sexo sem amarras, do respeito e do companheirismo que são citados no texto.
Estar casado e feliz é um exercício diário e puxado.
Não concordo com o que muitos dizem que morar junto arrefece a paixão e destrói a ilusão, não acredito que o sexo fique sem graça ou quase inexistente e que casas separadas são a garantia da felicidade do casal.
Quem assim pensa, tem preguiça de exercitar a intimidade saudável e não luta para que ela não se transforme em monotonia, frustração, competitividade ou ressentimento.
Tornar uma vida mais fácil é faze-la mais feliz e portanto mais fácil de vivê-la e a felicidade não é e nunca será sinônimo de facilidade, mas de conquista.
Fazer o outro mais feliz do que seria sozinho, fazer com que ele ou ela anseie a volta do trabalho sabendo que será ouvidos e boca, será amparo e consolo para a rigidez do dia a dia.
A admiração mútua é o alicerce que sustenta uma relação feliz.
E admiramos quem tenta nos ler, mesmo quando a leitura não é fácil.
Admiramos quem não se acomoda à união e faz dela uma situação garantida, um fato consumado, como um objeto que compramos e deixamos guardado a espera de uso.
Pessoas felizes procuram no outro aquilo que lhes falta, mas com a consciência desta procura, sabendo exatamente o papel que se quer representar, não por imposição ou fraqueza, mas por opção na construção do perfil dos dois.
Um pode ser mais dependente emocionalmente e o outro financeiramente.
Um pode ser o que mais cede, o outro o que mais exige, não faz mal, desde que a fórmula não tenha sido criada por um apenas, mas que seja uma criação de ambos e que ela tenha sempre na sua composição a alegria e a satisfação de estar junto.
Fórmulas prontas de felicidade não existem para nada.
Cada um tem a sua e ao se relacionar, ambos devem estar dispostos a compreender os ingredientes da felicidade particular daquele que escolheu para dividir a vida e esta disposição deve permanecer para sempre ou o melhor é cada um cuidar de si.
Cultivar o amor não é ver um filme de terror quando se detesta, mas procurar um filme do agrado dos dois já que ambos gostam de cinema.
É conceder as gentilezas que são importantes para aquele que escolhemos para estar ao nosso lado e se vamos querer continuar dividindo a vida que seja para nos fazermos felizes, pois já existe muita infelicidade neste mundo e não é aconselhável plantá-la dentro da nossa casa.
Ela gosta de flores? Dê.
Ele gosta que lhe prepare um pratinho gostoso, feito com carinho? Faça.
Desde que não doa, pois se doer, a concessão amorosa vira mágoa.
No início de todo o relacionamento sempre procuramos prestar atenção àquilo que agrada o outro e o fazemos para nos tornarmos especiais e amados.
São esse detalhes que devemos preservar quando estamos em uma relação estável e se perguntar todos os dias, "o que eu fui e fiz para ele/ela me amar"?
Porque não amamos os defeitos, amamos as qualidades e os defeitos são parte do pacote, portanto temos que tolerar, assim como toleram os nossos.
O sexo, a paixão, o companheirismo e a aventura de viver em par mudam de formato, mas nunca de teor e se nessa mudança o brilho se apagar, então é hora de repensar.
Estar junto jamais deve ser sinônimo de dividir apenas um espaço.
Se não tivermos mais vontade de ser ou fazer aquilo que despertou no outro a vontade de estar conosco, que tenhamos a coragem de dar adeus e sermos felizes sozinhos com todas as outras possibilidades de não ser feliz a dois.
Amar não é apenas tornar a vida do outro mais fácil.
É fazer ela ser muito mais agradável.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Menininha Raiva


Às vezes eu queria dar um pé na bunda do mundo.
Mas daqueles bem dados com direito à lábios e olhos cerrados para a mira ser certa.
Acabar com esses filmes de terror que ele me manda ver quando eu esperava ver somente filmes de amor água com açúcar.
Porque esse mundo é perito em bullying, cutucando a minha paciência, botando elásticos no corredor e morrendo de rir enquanto a minha cara bate no chão frio de linóleo.
Eu queria pegar esta horda de alunos que cabulam aulas, que empurram os colegas e colam nas provas, que batem nos fracos e levantam as saias das meninas e levá-los direto para que o Diretor os avermelhasse as mãos com palmadas.
Não que eu seja uma santa, não senhor, pois também falo mal dos outros alunos e estudo menos do que deveria, mas tento ser o melhor possível.
Faço os meus temas, compareço nas provas e acho (não sei bem ao certo) que ando repetindo anos, caso contrário eu já estaria na faculdade ou, quem sabe, graduada.
Por isso não posso julgar toda essa bagunça, pois sou parte dela.
Até me fantasio nas festas de fim de ano e dou beijinhos no rosto daquele que derrubou de propósito a minha mochila.
Tudo para parecer normal, pois se a metade dos alunos soubesse o que penso me bateriam na hora do recreio até eu perder os meu dentes e o resto da minha consciência.
O Diretor é o único que sabe que não me encaixo, pois nem a minha mãe sabe.
Ele conhece os desenhos que guardo no fundo da classe, aqueles cheios de flores, de animais que sorriem, de mãos dadas, abraços e finais felizes.
E ele me olhou sorrindo quando os descobriu, como se sorri quando um bebê solta gases, para dizer em seguida "trate de aprender as lições, criança, elas são duras, difíceis, eu sei, mas tudo vai fazer sentido quando, um dia, você jogar o seu capelo para cima."
Saí de lá puta da cara.
Sempre essa hora.
Essa formatura que todos ficam falando.
A hora em que finalmente eu vou saber que tudo, mesmo a porcaria toda, valeu a pena.
Cada hora, minuto, ano de estudo, de aula prática, essa coisa toda que eu dividi com quem segurou a minha cabeça quando vomitei todas as doses extras.
Esses que vou olhar nos olhos quando essa coisa capelo estiver no ar.
E vou querer dizer, eu acho.
"Foi você, vocês que me fizeram aguentar até o final. Além do Diretor, é claro, que foi tolerante demais ao me  engolir sem me expulsar, mesmo quando eu quis dar um pé nessa bunda de mundo e ele veio sorrindo como o dono que vê o seu cãozinho fazer xixi no tapete, mas sabe que o tapete é o de menos.
Pois não importa a bagunça.
Nem a minha revolta com os colegas.
Mas o que serei depois da formatura.

E tudo o que aprendi até aqui.
Sem mais.
Obrigada."

domingo, 11 de outubro de 2015

Assumi os meu cachos.


Ela sofria há um bom tempo de um tipo de maus tratos tão eficiente quanto um tapa no rosto, mas menos perceptível e tão dolorido quanto.
Ou mais.
Era a anulação afiada e discreta de tudo o que ela era.
Depois de uma separação conturbada foi nele que ela encontrou um ancoradouro para aportar e descansar das ondas calmas e solitárias de estar navegando sozinha.
Mas aos poucos perdia em si coisas que não sabia definir, apenas buracos incômodos se formavam e ela os preenchia com os desejos dele.
Se tornou uma imagem projetada, com falhas que eram criadas todos os dias, compensando as que ela pensava terem sido restauradas.
E as exigências não vinham na forma de acusação, vinham na forma de elogios à tudo que as outras possuíam e que não fazia parte dela.
Então, ela quis ter tudo das outras e ser tudo na intenção de aplacar a fome insaciável de não se pertencer.
Se vestia para agradá-lo.
Passou a pintar de vermelho as unhas e maquiar o rosto.
Começou a fazer dieta.
Tomava banhos de sol e alisou os cabelos.
Falava pouco com as amigas, deixou o gato na casa da mãe, esfolou os joelhos nos ladrilhos da cozinha enquanto polia o chão.
Começou a frequentar a academia e consumia litros de suplementos para definir os músculos.
Assistia filmes de tiroteio e documentários sobre esportes radicais.
Parou de tocar violão e sentia vergonha de não comer carne.
Até o dia em que ficou doente.
Doente por dentro.
E descobriu que estava permitindo que essa doença a consumisse na ilusão de que o amor era algo que não lhe pertencia.
E estando com quem a maltratasse, teria o aval para não merecer ser amada jamais.
Foi com terror e surpresa que ele encontrou uma linda mulher crespa, de mãos livres de esmalte, aconchegada no sofá com seu gato cinza aninhado nas pernas.
Foi sem se levantar das mantas bordadas de flores que ela ouviu ele recolher suas coisas, embalar a própria doença e colocá-la na mala.
E as pessoas passaram a dizer que nunca a tinham visto tão bonita e ela apenas respondia "assumi os meus cachos".
E em uma noite, sozinha, assistindo algo romântico na TV, tragando o cigarro que se consumia e sorvendo cada gole da taça de vinho, descobriu que estava pronta para amar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Precisamos Sorrir


Há três anos eu estava fazendo uma viagem de sonhos.
Primeiro, por estar com toda a família, coisa rara hoje em dia, pois filhos crescidos pousam em ninhos diversos.
Segundo, por estar em um dos lugares de que mais gosto, onde moram o sol, a praia, a civilidade, os cenários paradisíacos e as várias opções de lazer. 
Estando tão perto, não poderíamos deixar de visitar a Disney World.
Pois lá a gente perde a memória de tudo que é ruim.
De cem bocas, noventa e oito estão sorrindo e as outras duas, comendo.
Em uma das suas diversas lojas, conheci um enfeite para antena de carro do qual me apaixonei. 
Cabeças de Mickey e outros diversos personagens que servem apara arrancar a seriedade de um monte de lata, através de um pequeno orifício que se encaixa.
Não comprei, pois minhas filhas me convenceram de que eu iria aproveitar pouco a minha diversão, pois as mãos do nosso país são rápidas em retirar a alegria alheia.
Foi um dos raros momentos que deixei de sorrir.
E hoje me arrependo de não ter comprado, mesmo assim.
Três anos se passaram.
E estou tratando da minha vida,  tentando evitar ao máximo os pensamentos pessimistas oriundos de um cenário horroroso de roubos, mortes, assaltos, injustiças, atrocidades, corrupção, crise econômica.
Estou tentando atravessar a rua em um semáforo aberto para mim, onde os carros não param.
Estou com o dinheiro recebido do trabalho escondido debaixo do sutiã e com medo de ter o dedo arrancado por causa da aliança de casamento.
Estou chateada, pois acabei de ser dispensada de um trabalho que eu amo, pois a crise me considera mão de obra supérflua.
E vejo o personagem do desenho Frozen balançar intrépido na antena de um carro que vai entrar em uma garagem.
Impossível não se emocionar.
Me enchi de um alegria tão genuína quanto infantil, aquela alegria de criança que não tem previsões ruins de futuro e que só vê coisas boas no ato de crescer, pois sabe que vai poder aprender a andar de bicicleta, vai poder entrar no mar sozinha, aprender a jogar futebol, um dia dirigir, namorar, ir no cinema e nas festas.
Ela, criança que é vendada para a tristeza futura assim como os animais que não sabem que um dia irão morrer.
O dono do carro tem a mesma sede imensa que sinto de poder brincar com a dureza da realidade para poder respirar sem que lhe doam as entranhas.
Porque se nos enrijecermos demais, acabamos quebrando.
Se olharmos só para os cinco mil bois afogados no transporte de navio, o desmatamento, o aquecimento, se ouvirmos só as asneiras da energúmena que preside o nosso país, se focarmos no ruim e alimentar esse ruim com a energia da nossa raiva, vamos morrer atualizados e secos. 
Vamos adoecer de alma e de corpo e nada vamos poder fazer exceto estar por dentro de tudo e ocos por dentro.
Se sofro com tudo isso? Muito.
Quando o cadeado que aperta o meu peito ameaça explodir o meu corpo, trato de achar enfeites em antenas de carro.
E faço delas o meu remédio para dor.
Faço delas a minha esperança ao ver que ainda se enfeitam os carros com a ilusão bonita de uma criança que repele um futuro escuro por mais provável que ele possa ser.
Caso contrário, ela se impediria de crescer.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Tudo vai ficar bem.


Por que deixar a raiva acompanhar o nascimento do sol?
Depois dela ter estado em companhia da lua?
Por que?
Mesmo sabendo que toda a cura se dá pelo amor?
Essas nossas mãos também impuras, essas que enrijecem o dedo em acusação para nós justa.
Nesse mundo de restauração.
Nesse universo de amor imenso que não combina com facas, nem farpas, nem vingança de dentes que perseguem e matam.
Como esperarmos que curem as nossas feridas se as arranhamos e as sangramos na repetição de tentar saciar uma sede ingrata?
Somos frases de efeito e vítimas, mesmo sendo algozes de nossas vidas.
Na tentativa de sermos únicos mesmo sendo feitos de todos.
E enquanto tivermos razão, vamos ser cegos para a luz.
Aquela que ilumina a costa íngreme que se escala.
Aquela que desnuda o sofrimento travestido de mágoa.
Aquela que nos faz sermos nada.
Nenhuma palavra imposta.
Nenhum julgamento transfigurado de justiça.
Nem ódio na instauração da paz.
Por que deixar a raiva acompanhar o nascimento do sol?
Não somos donos das florestas, nem das marés, nem de nada que caminha e habita a terra.
Exceto donos do que queremos para nós.
E queremos tudo à que viemos.
Mesmo esse tudo tendo sido transfigurado pela dor.
Por mais suave ou dura que ela seja.
Mas não forte o suficiente para perdermos a batalha pelo bom.
Ele que sempre nasce com o sol.
Tendo estado em companhia da lua.
Por mais que a maldade tente nos fazer esquecer essa luta.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Aonde eu quero chegar.


"Aonde você quer chegar com isso, Mônica?"
Era uma pergunta comum da minha mãe quando eu fazia algo que a desagradava.
Eu não queria chegar a lugar algum.
Eu queria simplesmente caminhar, sem necessariamente chegar, trilhar a minha estrada mesmo que ela desgostasse a minha mãe ou o restante do mundo.
Porém, aos doze, quatorze ou dezoito anos, eu engolia em seco e bloqueava os meus passos com medo que eles ocasionassem o sofrimento de quem eu amava, mesmo eles estando muito longe disso.
E é no meu caminho que eu quero estar, sem necessariamente chegar, mesmo sabendo que a gente sempre acaba chegando, mas isso é outra história.
Antes da chegada o mais importante é como percorremos todo o trajeto até ela.
E estou finalmente percorrendo do modo que julgo certo para mim, mas com o cuidado de tentar sempre não esculhambar o caminho do outro.
Mas que não esculhambem o meu, por favor!
Que não venham julgar as minhas escolhas, elas sendo inofensivas ao próximo, mas sendo específicas para mim.
Ouvi certa vez de uma psicóloga, em um período muito turbulento da minha vida, a seguinte pergunta: "O que serve para você?"
Já se passou um bocado de tempo, mas jamais esqueço que eu não consegui responder.
Hoje tenho a lista.
Quase completa, pois vou adicionar e retirar itens amanhã, na próxima hora, segundo ou ano.
Não me serve mais ser o que esperam que eu seja em detrimento do que eu realmente quero ser.
Número um na lista.
Não me serve mais a tolerância absurda com o que me fere, entristece ou rouba a minha alegria.
Os nossos passos, opiniões, verdades e modo de viver não ofendem ninguém exceto àqueles que querem que seus passos, opiniões, verdades e modo de viver sejam dicionário a ser consultado.
Os meus significados são somente meus e se alguém possuir alguns sinônimos serão esses os meus afetos.
Dos outros, peço apenas respeito.
Demorei quase cinquenta anos para elaborar as palavras que me constroem e são elas que fazem o meu caminho ser agradável e autêntico e não pretendo abrir mão disso.
Mesmo quando dizem que estou em uma má fase, pois sei bem o que uma má fase alheia representa no dicionário daquele que julga.
"Aonde você quer chegar com isso, Mônica?"
À todos os lugares que façam a minha felicidade possível, cara mãe.
Mas não se preocupe, jamais vou impedir a sua.

sábado, 26 de setembro de 2015

Vida


Ela cheira a gordura e a suor.
Sai para a rua e senta no meio fio para fumar um cigarro e apaziguar a vontade de matar o marido.
Olha para cima, para o prédio cheio de vidraças e vê uma aberta onde uma homem e uma mulher estão começando a se amar.
Ela traga.
Ele acaricia um seio, ela fecha os olhos.
Lá chove.
O cigarro se apaga, o amor começa enquanto ele recebe a notícia da morte do filho.
Ele já havia morrido mil vezes, mas agora já pode se enterrar enquanto neva onde ela chora pelo emprego perdido e o excesso de peso.
O sol brilha.
Eles perdem a vida ao virar uma curva, ela nasce, abre os olhos para olhos que se enchem de emoção e lágrimas.
Eles assistem à televisão, ele mata e pica quem lhe roubou o ponto de venda enquanto ela debuta vestida de branco e rosa.
A novela acaba e todos suspiram.
Enrolada nas cobertas, em um dia iluminado, ela se recusa a ver o mundo na noite estrelada onde ele dirige vendo o mar em busca da felicidade que é sua.
Ela não tem idade para sentir medo de mãos conhecidas em seu corpo, mas esquece um pouco de respirar naquele quarto pequeno e escuro ao mesmo tempo em que ele prende o ar em um salto que é parte de um sonho de poder voar.
Ele caminha os últimos passos na fome e na miséria, ela caminha os últimos passos depois de tantos excessos.
Ambos tem raiva de tudo que sobrou e faltou, ambos tem tanta falta e tanto excesso.
Ela embala o filho e canta uma canção tão linda na madrugada onde não importam as horas, a mesma madrugada em que ela larga enrolada em mantas rotas uma canção nunca cantada que adormecerá para sempre no frio da noite e do abandono.
No mesmo momento em que ela se culpa por não dar tanto carinho, ele recebe nos braços de outra.
O avião mergulha em um voo cego onde cento e oitenta pessoas jamais verão novamente a cor do céu e onde cento e oitenta baleias rasgam o oceano em busca de paz.
O dia nasce.
Morre.
Ele ama, ela odeia.
Ele mata, ela trabalha para preservar a vida.
A crueldade sangra inocentes.
Inocentes salvam a bondade.
Lições são aprendidas.
Almas restauradas.
Aqui.
Lá.
Tarde.
Cedo.
Nunca jamais.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Capas de Sofás


Em uma noite de chuva, sentada no chão, esperando os cães do cliente tomarem água, depois de muita farra, passei os olhos pela casa, a do chão em que eu estava.
Porque o chão é o melhor lugar para eu estar quando eu quero estar de verdade, principalmente quando quero entrar dentro de mim.
Olhei cada detalhe pensado com carinho, aquele carinho de quem está recomeçando, faxinando o passado, enfeitando e enfeitando-se para refrescar o presente e tentar preparar um futuro diferente.
Então vi o sofá, o mesmo que havia visto algumas vezes, mas como disse é do chão que enxergo e ouço melhor o mundo.
Eu sabia que o sofá era branco, mas algumas amarras no encosto me mostraram que, além de branco, ele tinha uma capa.
Uma capa branca também que o protegia de mãos, pés, esporadicamente patas, pernas, costas e traseiros.
Uma capa que deixava nesgas de um tecido muito mais bonito.
E pensei.
Quem será o merecedor da nudez do sofá?
Quem poderá vê-lo, tocá-lo, sujá-lo e beneficiar-se do seu conforto e da sua real beleza?
Por que deixar para os outros, para depois, para mais tarde, para uma ocasião especial o que consideramos valoroso?
Copos, louças e sofás. 
Comemorações, brindes e alegria.
Nós.
De verdade.
Por que não desfrutamos da segunda e da terça, do sentar macio e do deslizar das mãos em um sofá que é nosso? 
Aquele que olhamos na loja e nos apaixonamos, mas que o escondemos com uma capa para mantê-lo impecável até o momento que outros também permitam que nos deleitemos com a sua imaculada beleza.
E vamos guardando esses pequenos prazeres e grandes sentimentos para quando realmente for importante senti-los.
Ah, nas férias vou beber e comer o que quero, vou gargalhar sem parecer ridículo, vou dormir sem me sentir culpado, vou me permitir sentir a vida que me escapa na rotina dos dias.
Um dia vou dizer tudo o que sinto.
Vou ser esse eu que sou, afinal.
Ninguém aqui está falando de viver uma vida louca, mas de se dar mais, sem medo de que a nossa "sujeira" macule ideias que queremos que os outros tenham sobre nós.
Temos que estourar o espumante mais caro do mundo em uma comemoração à nós mesmos e, de preferência, bebê-lo sozinho.
É preciso chegar em casa, depois de uma dia exaustivo, e deitar no nosso sofá bonito, que escolhemos para ser uma parte também bonita e singela do nosso merecimento.
Não vamos ser o que somos agora, para sempre.
Vamos pisar na bola, crescer, se arrepender, se regojizar, rir, chorar, começar, terminar.
E vamos nos sujar e nos limpar.
E somos muito, mas muito mais únicos e importantes do que um sofá.
Somos parte dessas atitudes que representam tanto do que dizemos pouco.
Essas que fazem com que tenhamos vontade de coisas bonitas.
Mas que também fazem com que ponhamos uma capa, na intenção inútil de as proteger e eternizar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Recomeço


Eles tinham algumas fissuras na solidez do amor construído.
Eram mais companheiros no cansaço noturno e na trégua da voracidade do mundo do que mãos dadas em dias de sol.
Eram heróis que se perdiam nas próprias batalhas e esqueciam de lutar por causas esquecidas, mas não menos importantes.
Ela sentia falta daquilo que havia tido, pois não se sente falta do que nunca se possuiu.
Até que foram chamados para longe.
Para contar um pouco sobre a guerra dos outros e explicar o inexplicável para aqueles que faziam sumir as mazelas do mundo com um simples botão de desligar.
E lá longe, no meio da morte, da dor e da esperança, ela viu certos olhos em uma multidão de olhos cerrados.
Olhos de luz.
Uma luz que reacendeu a dela.
Que preencheu um vazio escuro que ela carregava no peito e que ela esquecera de quanto doía.
E os quis para ela.
Os olhos e o homem.
O homem que rasgava a própria pele para vesti-la nos que morriam da dor da tristeza.
Um homem que, um dia, em uma noite qualquer daquela guerra lhe amou com suavidade e lágrimas.
E ela entendeu.
Jamais poderia viver sem seu amor.
Aquele que fez dela outra e a fez querer começar tudo de novo.
Eles tinham algumas fissuras na solidez do amor construído.
E estando perdidos no meio dos mortos, descobriram o caminho para se reencontrar como dois.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Gaivotas, Cães e Bebês


Não posso deixar de doer perante a foto de um bebê inerte, consumido pela injustiça e a morte.
Cresci sentindo toda a dor do mundo e não, não pedi ou quis que fosse assim.
Meus rasgos na alma começaram quando percebi que existia uma maldade e uma injustiça que eu ainda não compreendia, assim como não compreendo até hoje, mas as engulo como engoliria uma faca.
Apreendi a aspereza do existir ao caminhar na beira de uma praia deserta e assistir a cenas cruas de terror.
Meninas não deveriam ver adolescentes depenando gaivotas vivas e não deveriam pedir que parassem.
Não deveriam ver olhos injetados de raiva ao lhe olhar com escárnio e prazer.
Ou ver a corrida desesperadora da ave em direção ao mar, na trégua que durou pouco.
Nesse momento criei o meu profundo vínculo com aqueles que não são capazes de se defender das atrocidades do mundo.
Na minha dor, revolta e falta de coragem em intervir, morri e renasci dura e intolerante à feiura do ser humano.
Meninas não deveriam se jogar no chão e se esconder ao ver um homem matar com uma pedra um pequeno cãozinho, pelo simples fato de ele estar lhe seguindo.
Ali, morri de novo.
Morri, nasci, endureci, percebi, me rasguei, me costurei e fiquei cheia de cicatrizes em apenas um verão. 
Um verão violento.
Que eu não pedi.
Mas estava escrito para mim.
Encho os meu olhos de lágrimas até hoje ao lembrar destes dois episódios daquele verão.
Já acordei no meio de muitas noites pensando na culpa pelo meu silêncio e medo.
Essa culpa que não é apenas pela gaivota ou pelo cão, mas por esse todo de bebês afogados e ingenuidades mutiladas que passam a ser minhas no momento que existem e se tornam possíveis.
Transformei o meu choro eterno e sem consolo em dentes agudos e mãos imensas na defesa e no acolhimento daqueles que sei indefesos.
Consigo ainda ficar de pé, através de uma cegueira pertinente que venda os meus olhos e fortifica as minhas pernas.
E me rasgo todos os dias.
Para consertar depois, na fé de que existe os rasgos e as costuras. 
Existe o feio e o bonito.
A queda e o voo.
Nunca sou plenamente feliz, pois sei o tamanho da infelicidade que existe.
Tenho tudo, tenho muito.
Sou inteira e olho sempre para a luz.
Apesar do buraco escuro que se esconde dentro de algum lugar qualquer dentro de mim.
Esse lugar onde moram gaivotas, cães e bebês.

domingo, 30 de agosto de 2015

Aconchego


O melhor cheiro de uma casa é o de comida recém feita.
Fumaça de afetos com aroma de alho.
É o cheiro de chuva que entra com o vento através das janelas esquecidas abertas por mãos que se esquecem de fechá-las, mas deixam de ser esquecidas na hora de virar carinho no alisar de peles expostas.
O melhor cheiro de um casa é o de sofá usado, o de tapete gasto e o de cabo de panela queimado, panela que sorve fogo e expira vapor de arroz com salsa.
É o cheiro de amaciante na máquina que trabalha limpando tudo que se suja quando se vive de verdade.
É de patas e de pêlos.
De toalhas esquecidas em cima de camas.
De sabonetes baratos, de bolo assado, de bacia de roupas secas ao sol de verão.
O melhor cheiro de uma casa é o de grama recém cortada, o de amores consertados e o de tréguas na brigas por causa de roupas de menina.
É o cheiro de lágrimas secas e sorrisos molhados.
De malas prontas e de malas desfeitas.
De leite derramado, de incenso de flores, de cabelos recém lavados.
O melhor cheiro de uma casa é o de corpos que se conhecem.
E cada casa tem o seu cheiro.
Que é somente dela e somente nosso.
E mesmo se não for mais a minha casa, aquela de todos os cheiros conhecidos, não importa, pois carregarei todos eles para sempre comigo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Luzes e Chaves Mágicas


O amor é uma cartela de cores com diversas nuances.
E essas cores se apresentam para nós conforme a forma que viramos a cabeça, conforme o tempo da nossa alma, os óculos que usamos, o nosso estado de espirito e muitos outros fatores que fazem de cada amor uma experiência única, mesmo ela sendo de episódios parecidos.
O amor é complicado, isso é certo.
Muitas vezes, não amamos uma pessoa, amamos o que essa pessoa nos faz ser.
Esse alguém que pode ser totalmente diferente de nós, mas pode ser capaz de fazer com que nos sintamos felizes, arrancando aquela felicidade guardada e a colocando para dançar nua no meio da sala.
Pode nos estimular a ter coragem, ousadia, a termos vontade de estarmos vivos nessa mecanização da existência.
Alguém que não amamos pode ser o dono da chave mágica que libera as nossas amarras e nos faz sonhar com escaladas e mergulhos profundos ou simplesmente nos concede a permissão para falar bobagens e rir em um mundo de pouco riso.
E nesse passe de mágica, nos vemos sendo um pouco menos duros com a nossa vida, menos controladores, mais aventureiros, loucos e livres.
Essa pessoa pode não ser a dona do nosso coração, mas o chaveiro que, por experiência e vontade, é conhecedor de algumas chaves extras que abrem portas trancadas com ferrolho ou simplesmente aquele que liga o interruptor de luz.
E, quando ligada, a luz é totalmente nossa.
É o nosso amor por nós mesmos que se vê livre do escuro onde estava e vai brincar na rua e correr nos parques da alma.
Nem sempre caminhamos ao lado, em passos estreitos, de quem nos faz esse bem enorme.
Pode ser apenas aquele amigo que vemos vez ou outra, aquela pessoa que não veio ao mundo como nosso irmão, mãe, marido, namorado ou filho, mas como um bônus, uma recompensa pela falta que todos esses afetos nos fazem quando o assunto é sobre chaves e luzes mágicas.
E podemos simples e egoisticamente não amá-lo.
Podemos ser gratos por ele não ser nada parecido conosco, por não dividir ideias, não concordar com opiniões, mas por apenas ser aquele que liga as luzes ao entrar e as desliga ao sair, sem nunca ficar para ver o que acontece quando as mesmas não estão acesas. 
Na escuridão não são todos que estão dispostos a nos encontrar.
E são esses quem amamos.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A Coisificação das Pessoas


Acho muito, mas muito interessante observar como as pessoas se coisificam.
Explico.
Tem uma rapaz que é porteiro do clube onde jogo tênis.
Porém, ele começou no clube cuidando da manutenção das quadras, ligando luzes, molhando, passando o escovão.
Uma rica de uma pessoa, sempre tinha uma piada pronta, me chamava pelo nome, fazia questão de me acenar, mesmo de longe.
Pois bem, há alguns meses ele foi promovido a porteiro.
Deixou de lado as roupas rotas e sujas de pó de tijolo e passou a vestir uma reluzente, engomada e branca camisa social e mais uma elegante calça escura.
Virou outro homem.
Coisificou no novo personagem e não me cumprimenta mais.
Parado, de rádio transmissor em punho, eleva a cancela para meu carro passar e me olha com um olhar de Donald Trump, indicando a passagem.
No seu tosco entender, a promoção o fez diferente, o colocou em um patamar que merece um comportamento frio, duro, formal e besta.
Ele se entregou à coisa, despersonalizou sua conduta e se vendeu para a ilusória sensação de que é outra pessoa.
Ele não é outra pessoa, é a mesma, porém em um trabalho melhor.
Outro exemplo.
No momento em que as pessoas entram nos seus carros, elas viram o carro, não as pessoas dirigindo um. 
Porque se coisificam em Honda, Chevrolet e Fiat e saem cortando outros Honda, Chevrolet e Fiat como se todos fossem apenas carros e esses apenas competem, ultrapassam, dão fechadas e disputam espaço nas vias da cidade.
Esquecem a educação, o bom senso, a gentileza, pois estão protegidas pela carcaça de lata e pela ilusão de que podem ser as péssimas pessoas que devem ser no dia a dia, simplesmente porque estão coisificadas em lataria.
Se em uma fila de banco fizessem o que fazem no trânsito, iriam ser consideradas lunáticas.
No Facebook não é diferente e muitos não postam, viram as postagens.
Não interagem com os supostos amigos, não curtem quase nada, não comentam, pois viraram links, fotos, quadros de auto ajuda, dicas, filmes de receitas e de comidas. 
Não estão ali para ser relacionar virtualmente, mas para postar, postar e postar, muitas vezes até sem nem dar a mínima pista de que existe um ser vivo por trás de cada publicação. 
E nos esportes amadores não faltam exemplos.
O cara começa a correr. 
Vicia, pois corrida vicia.
Começa a competir, ter grupo de corrida.
Pronto. 
Parou de correr, virou a coisa corredor.
Não sai de casa sem os tênis Asics, sem a camiseta da última prova feita, sem os óculos e a viseira da hora e toda a marra envolvida.
Não considera corredor quem não faz o tempo tal ou usa a meia tal, considera pessoas que gostam de correr, mas não sabem correr.
E deixo claro, não estou falando de profissionais.
E por aí vai.
É bem pertinente lembrar que não somos nossa casa, nosso carro, nosso trabalho, nossas roupas e nossos bens ou o nosso lazer, estamos vivenciando tudo isso, usufruindo de coisas e não nos tornando as mesmas.
Mais pertinente ainda é lembrar que somos seres vivos enquanto respirarmos e nesse ínterim, tudo é temporário, passageiro e transitório.
E que hoje é uma coisa e amanhã é outra.
Então, não é aconselhável se prender e se transformar em isso ou aquilo.
O que interessa, na verdade, é conseguir passar por aqui tendo tido as melhores interações possíveis, a melhor vivência, sem se prender à rótulos, imagens ou condutas que nos definam como coisas.
Pois nossas melhores lembranças sempre nos remeterão às pessoas.
E é o que somos apenas, no final das contas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Quem nos Devora


Muitas vezes, sentimos que nos foi tirado algum pedaço.
Que somos vítimas de situações e pessoas que nos machucam e nos fazem sangrar.
Nossa pele se dilacera em mordidas de dentes invisíveis, o tecido amolecendo e soltando-se, expondo a carne frágil que sempre tentamos proteger.
Porém, predadores não se aproximam sem alguma forma de encorajamento.
Pode ser o cheiro da fragilidade, da ferida exposta e não curada, do abandono e da solidão, do extravio em meio à manada.
Pode ser a percepção arguta da vulnerabilidade, da carência e da falta de cuidado e amor para conosco.
Não somos atacados mesmo se, sem querer, não exibirmos membros fragilizados e incapazes de no coice se defender e na corrida fugir.
E temos que entender que a culpa não é daquele que morre de fome, mas daquele que torna-se presa fácil ao abaixar a cabeça ou procurar o pasto em uma savana repleta de leões.
Uma corça não pode ser a melhor amiga de um leopardo e se o faz é na intenção inconsciente de entregar a sua vida, com surpresa e horror, às garras que lhe surpreendem em uma surpresa quase esperada.
Somos os culpados ao sermos devorados.
Em algum momento resolvemos baixar a guarda e as orelhas.
Em algum momento nos foi conveniente beber na água onde nadam os crocodilos.
Nos foi sedutor correr ao lado dos guepardos e hienas.
E se agora a nossa respiração está se extinguindo, o nosso coração está enfraquecendo e o nosso pescoço está sufocado por presas, talvez seja a hora de simplesmente aceitar.
Fechar os olhos.
Distensionar os músculos.
Para na força da aceitação de que estamos prestes a sucumbir, possamos reabrir os olhos, reerguer o corpo, escoicear o mal que nos aprisiona e correr.
Evitando para sempre os lugares onde é mais fácil morrer.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Doma


Lá fora ele luta, mostra os dentes se for preciso.
Aqui dentro descansa a alma e me entrega o seu corpo.
Deixa eu brincar com os seus cílios e o seu umbigo e permite eu achar graça dos seus cabelos.
Lá fora ele economiza sorrisos, pisa forte e lidera pessoas.
Aqui dentro amacia a alma, sorri a toda hora, escuta com as mãos e fala com os olhos.
Desenha com os dedos, caminha com o coração.
Revela segredos.
Se deita em uma viagem que não é aquela de sempre, mas é somente nossa.
Lá fora ele ruge, escolhe palavras.
Aqui dentro ele geme, diz coisas que ninguém entende, todas elas, para mim, completas em seu significado.
Lá fora ele é bicho selvagem.
Aqui dentro é bicho domado.
Que se amansa e desmancha no amor dos meus braços.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Obrigada à Você


Eu tenho tanto a agradecer.
Quando vejo a lua.
Quando, de pés descalços, piso a calçada da minha rua.
Em um verão de perfumes.
Nessa rua que tenho casa e abrigo nas noites frias de inverno.
Uma porta que se fecha e se abre e um caminho de flores que rego.
Tenho tanto à agradecer.
Por não ser estatística em batalhas, em doenças do corpo e dores incuráveis da alma.
Tenho rugas de sorrisos, outras tantas de prantos que deixaram as suas marcas, apesar de já terem extinguido as suas lágrimas.
Minha pele tem manchas e um viço que cada dia se afasta, provas de um corpo que esteve banhado de sol e pôde ter sua pele exposta.
Não passo em branco, ah não, imaculada, intocável e etérea.
Passo riscando letras, borrando páginas, usando fórmulas para aprender a pisar com leveza, mesmo usando as botas mais pesadas.
Troco de roupa, de vontades, de gostos, de pele, de cabelos, de idade.
E perdendo sempre, sei tudo que ganho.
Eu tenho tanto à agradecer.
No escutar diário do ritmo que, noite e dia, faz o meu coração incansável.
Bater.