domingo, 30 de setembro de 2012

Cobertor de Lembranças


Pegue cada pedacinho de prazer - não precisa ser imenso nem raro - costure-os um a um, feito retalhos. Quando juntos, eles se tornarem vários, cubra-se deles nos frios inesperados e traga o calor de lembranças para a sua vida.

sábado, 29 de setembro de 2012


Já fui salva de tantas formas.
Fui salva por flor que desabrochou na noite de minhas lágrimas para fazê-las sorriso pela manhã.
Textos escritos de caneta BIC, às pressas, me enchendo de palavras de amor me resgataram de tantos momentos onde a vida parecia tão a mesma coisa.
Risadas de família em aniversários de vidas longas me acariciaram a pele e me rejuvenesceram a alma, refletindo um pouco de juventude em olhos maduros.
Saber que pertenço a algo, a alguém foi o que me fez peça neste grande jogo de encaixes que é a vida.
Nos pequenos milagres que me são dados como recados para eu entender que de nada entendo nesta vastidão de beleza, dor, alegria, tristeza, fim, começo, tombo, passo, tropeço.
Sou salva de tantas formas.
Ser salva é frase que me faz repetição.
Pois foi a Fé que me fez enxergar e crer em todas as formas de salvação.

Fuga


Construa uma linda casa no céu, feita de nuvens de sonhos, para quando os seus pés estiverem cansados. Quando tudo parecer difícil, voe para lá, deixe as suas asas de ilusões se abrirem e lhe salvarem.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Herança Genética Inversa


Corrijam-me psicólogos, psicopedagogos e outros se eu estiver errada, mas mães que possuem somente filhos homens e as outras que só tem mulheres desenvolvem um jeito especial de ser - muito diferente entre si, diga-se de passagem.
Acredito, por pura observação, que as mães adquirem conceitos de vida muito parecidos com os de seus filhos, ou seja, elas passam a enxergar o mundo de acordo com as expecativas de suas crias e isso confirma a  minha teoria que de científica  não tem nada.
Mas veja só, conheço uma mãe de quatro rapazes, muito bem criados, educados, et cetera. Esta mãe é uma pessoa dominante, que quebra a cara se for preciso, mas vai à luta, arregaça as mangas, tem um ar de soldado russo, aniquilando os osbstáculos (e se precisar, torturando os inimigos) como palitinhos de fósforo. É uma pessoa com idéias fortes, objetivas, tipo é assim e pronto, sem frescuras. Doida por futebol e corridas de carros, me confessou que anda deixando de assistir certos jogos, pois treme tanto que tem medo de ter um colapso. Fragilidade e meiguice são palavras que deveriam ser riscadas de seu dicionário, mas não, não a estou chamando de masculinizada, pois cuida dos cabelos como ninguém, adora salto, batom e colares longos. Ela apenas tem uma força, aquela força diferente de quem teve que desde cedo se encaixar no universo masculino.
Em contrapartida, as mães de meninas são aquelas que dão risadinhas junto de suas filhas, enquanto escolhem uma blusinha nova na Zara. São as "curvas" da casa e no caminho inverso da mãe de filho homem, são a maioria na família. Elas até se dão ao desfrute de enlouquecer o pobre marido/pai com várias TPMs acontecendo ao mesmo tempo, sinal do poder dos hormônios. Fica permitido dar gritos pelos corredores, ver filmes chorosos, falar de costas musculosas. A casa toda é um grande divã - com almofadas feitas para se jogar, braços de sofá para colocar a toalinha na hora de fazer as unhas, maquiagem espalhada, trocada, confundida - onde, entre uma hidratação e outra nos cabelos, as relações são discutidas ao cansaço.
Enfim, desta minha análise que deve ter feito Freud se remexer na sepultura, só tenho uma última coisa a dizer: quanto às mães de casais, não tenho nada a declarar.

domingo, 23 de setembro de 2012

Coragem



- Você rasparia a cabeça?
- Hummm...tem que ter muita coragem.
- Rasparia ou não rasparia?
- Não.
- Pois eu rasparia, não tenho medo dessas bobagens, como você pode se preocupar com tolices, como cabelos?
Silêncio.
O dia nublado, com nuvens cinzentas, faz o frio chegar de repente. Os dois seguem no trânsito de Anda e Pára, jogando conversa fora para passar o tempo.
- E você sairia com uma mulher casada?
- Puxa cara, que idéia! Tem tanta mulher solteira por aí, por que eu iria escolher uma casada?
- Cara, como você é maricas! A vida é uma só, meu irmão, cai na real, faz ela valer a pena.
Silêncio.
Os carros quase se encostam, as motos ultrapassam nas brechas, a garoa fina se precipita. A música faz os alto falantes vibrarem.
- E você pegaria a irmã da Aline?
Os dois se olham, um dirige, o outro tamborila os dedos na calça jeans, esperando a resposta.
- O que deu em você hoje? A Andréa é minha cunhada, eu gosto muito dela e ainda mais da minha namorada.
- Cara, você não é de nada! Em que dimensão você vive? - ele gargalha.
Uma moto fica presa no engarrafamento, na frente do carro dos dois. Nela estão duas pessoas. A carona - uma moça de sandálias douradas - se enganou com o sol da manhã e veste apenas uma regata. Ela encurva as costas com o açoite do vento e a garoa lhe encharca as escápulas. O homem que dirige a moto esfrega com uma das mãos, uma das pernas nuas da moça, tentando aquecê-la. O trânsito está parado.
O motorista olha para trás e vê o casaco que vai para a lavanderia, descansando no banco traseiro do carro. Ele o alcança. Tira o cinto de segurança e sai do carro. A porta fica aberta. Ele chega perto da moto e coloca o casaco nas costas dela. O motorista da moto levanta o capecete, sorri  e aperta a mão do dono do casaco. Ela se aconchega feito gato, com o agasalho que lhe cobre quase todo o corpo.
Ele volta. Fecha a porta e ata o cinto de segurança.
- Cara, que situação...que cara de pau! Você faz uns negócios que deixaria a minha vó envergonhada. Tomara que nenhum conhecido tenha visto essa cena, esse mico. Eu não lhe entendo não, meu irmão.
O carro arranca.

sábado, 22 de setembro de 2012

Renascer em Si

Ele tinha um passado. Todos tem.
Desse passado lembrava pouco porque lembrar fazia sangrar muita coisa.
Lembrar era como mexer em ferida aberta, reconhecer uma pessoa que ele não era mais. Foi.

Ele sabia que tinha cometido tantos erros, mas ele os tinha colocado em algumas gavetas para poder conseguir tocar a vida. Porque é bom esquecer coisas doídas, é bom passar um lápis branco por cima, para elas ficarem esmaecidas e perderem a grandeza que faz delas monstros horrendos.
E assim ele continuava sendo aquele que era antes de se transformar naquilo que detestava.
Pois, naquele passado medonho, apesar de toda a vida focada para se tornar alguém de respeito, ele ouvia uma pequena voz que sussurrava palavras abafadas através de suas entranhas.
E nas mesas de restaurantes, bebendo dos melhores vinhos, a voz lhe chegava aos ouvidos para estragar seus planos cheios de decência. Era quando a batalha dentro dele começava. Uma batalha que ele já sabia ser perdida, mas que não iria jamais considerar acabada.
Um dia ele descobriu que podia renascer. Todos podem.
Porque uma vez homem, certos valores haviam se grudado à sua pele. E ele tinha consciência de ter essa pele e um coração. E essa pequenina noção de existência foi ponte na travessia e de abandono do lado que o fazia doente.
E assim ele renasceu de um buraco fundo, mas não sem saída.
E ele passou a crer.
Na vida.
Nas coisas que estão escritas, mas não podem ser lidas.
Nas teorias que julgava pueris e pequenas.
Em Deus.
Em todas as pequenas mensagens que recebia da vida e que não tinha tempo de decifrá-las.
E ele passou a crer.
Em milagres.
Em mudanças.
Em virtudes.
Em si.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Cortina de Estrelas


Ando tão cansada de más notícias que resolvi obedecer ao poeta e olhar para as estrelas.
Não só para as estrelas do imenso céu, mas para as que brilham em cada pedacinho do meu ser.
Eu sei que tudo anda complicado, que essa violência/insegurança/política afoga a esperança na água turva de engodos e danações, mas vivo uma vez só e não quero passar a vida rangendo os dentes quando posso mostrá-los em sorrisos.
Meu pescoço é flexível e posso girá-lo em direção ao ressurgimento da primavera, ao invés de me maltratar com as mazelas da cidade em que moro.
Preciso beber uma dose de alienação para não corromper meu espírito e azedar minha aura. Preciso, vez ou outra, pegar minha melancolia pelo braço e arrastá-la para o castigo do quarto, deixando espaço para tantas coisas pequenas e grandes que enfeitam a minha existência.
Quero cozinhar com um copo de vinho ao lado, gargalhar ao ver as estripulias dos meus cães, comer trufas de chocolate de olhos fechados, deitar em lençóis com cheiro de passados, abraçar os corpos que já carreguei dentro de mim, beijar devagar os lábios que já sei o gosto, deixar a água quente do chuveiro bater nas minhas costas suadas, depois da corrida, ver a alegria do carroceiro ao receber uma sacola de roupas.
Vou ser um pouco surda para o ruim, mesmo que ele me mantenha informada sobre os andamentos do mundo. Vou considerar uma cegueira temporária para tudo que não me enleve a gratifique. Tornarei bem-vinda a ignorância, ao menos que o saber seja relacionado à alegria.
O céu sempre se cobre de densas nuvens e os temporais são inevitáveis, por isso hoje eu quero uma cortina de estrelas para mim.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Preço


Os preços podem variar até o ponto de se disfarçarem de virtudes. Porém as virtudes sempre serão reconhecidas pelos seus nomes e os valores serão apenas números vazios.

Voô


Que eu vá longe nas viagens do meu pensamento.
Não tão distante a ponto de me perder, mas o suficiente para me esconder no lugar onde eu não precise enxergar, para crer.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ilusões


E o presente era tão igual que parecia sempre um passado, mas não aquele.
Um vinco novo no reflexo do espelho do banheiro era sinal da sucessão do tempo. E quando ele via, era inverno e primavera e ele pensava como os meses escoavam feito areia entre os seus dedos.
Ontem ele tinha amado e hoje todos os seus amores estavam espalhados, sendo vidas distintas, distantes, longínquoas. Como ele podia ter perdido tanta coisa, na pressa de resolver a lentidão da sua vida elaborada para dar certo? Seus valores trincados o levaram à uma casa vazia, sem odores de panelas, sem flores, sem os gatos deitados na janela.
E tudo que ele tanto odiava, agora fazia tanta falta na sua rotina asseada, estéril, imaculada de bagunça, risos, alvoroço, latidos, conversas, barulho de portas e secador de cabelos. O que o havia exaurido, agora seria calor para a existência cheia de ternos organizados com esmero no armário vazio daqueles sapatos coloridos e enfeitados, que viviam bagunçados e que eram motivo de tantas brigas.
E agora ele é um rosto no Facebook e pode finalmente ter aquele monte de amigas, pois mente a idade e diz que gosta de esportes, de praia e de vinho branco gelado.
E agora que o dinheiro sobra, ele já não anseia por todas aquelas viagens e o mais longe que vai, é através das muitas fotografias que lhe arrancam sorrisos sôfregos e algumas lágrimas que chegam frias ao seu pescoço.
Então ele resolveu pegar este tempo presente que era promessa de liberdade, que era sonho e meta e fazê-lo passado, não com os ponteiros do relógio, mas com os acertos que ele pensava serem erros.
Não um passado qualquer, mas aquele.
Aquele que via feio.
Aquele que o sufocava.
Aquele que quando ele conseguiu resgatar a tempo, o salvou de morrer afogado no seu próprio oceano de ilusões.

sábado, 15 de setembro de 2012

Meu Céu

 

Dizem muitas crenças que quando morremos vamos para o lugar que idealizamos para sermos felizes. Se formos merecedores de tal felicidade, pois caso contrário, teremos algumas lições de casa atrasadas para completar.
Depois de ter refeito o tema malfeito, revisado as leis da vida que sei serem as corretas, mas teimo em escrevê-las de forma diferente e após compreender finalmente que tenho ainda muito que aprender, talvez, me seja concedida a passagem para este pequeno paraíso.
Mesmo sendo  apenas tempo de descanso, dimensão de pausa e reabastecimento para seguir viagem, cada detalhe será meu de verdade.
Vou estar com meus filhos e neles só verei sorrisos. Porém não será só deles a alegria que estará estampada em cada fisionomia - as que amo e conheço, as que desconheço mas me serão conhecidas e amadas pela forma como reconhecerei cada olhar de cumplicidade que tanto esperei ver.
Não vou precisar cair  para ser amparada por mãos que me levarão para o que sei ser o aconchego e a paz.  Poderei morar em muitas luzinhas amareladas iluminando caminhos recortados, luares pratedos e cenários de água e grama reluzindo ao sol quente da tarde.
Caminharei com meu amado Lucky, minha querida Vicky, minhas perdas em forma de bicho e de gente e contemplarei cada campina cheia dos animais que amo e que morria em alma por tê-los visto sucumbindo à maldade humana, no passado da minha vida mundana.
Respirarei a água salitratada dos oceanos e conversarei com golfinhos e baleias.
Vou ser compreensão do que nunca compreendi, afeto que deixei de dar e receber.
De mãos dadas com meus amores, descobrirei porque fui o que fui, em meio à campos lotados de flores, com todos os perfumes que me fazem tão viva.
Então, estarei pronta para ser o que eu jamais esperei, mas que me será dado como futuro eterno acompanhado de lembranças.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Circo


Necessito de boas doses de malandragem para caminhar na corda bamba do mundo.
Sou equilibrista que só tem olhos para os que me aplaudem na alegria do espetáculo e esqueço dos que torcem para que eu escorregue e caia.
Sou velho palhaço que ainda espera salvar crianças com sorrisos, não percebendo o ceticismo e o cansaço dos que levam pela mão seus filhos, apenas pera preêche-los de horas seguidas.
Quando ouço que acredito demais nos aplausos e na confiança dos olhos que me fitam, perco um pouco a esperança e quase esqueço de manter no ar minhas bolinhas coloridas que voam, giram e vem descansar, uma a uma, nas minhas mãos interrompidas.
Não quero aprender desta malandragem que dizem se esconder lá fora. Já a vi, confesso. Já a conheci e apertei-lhe a mão, convidei-a para dividir  uma bebida quando vim descansar no meu canto. Não tive medo, mas esta malandragem é tão boa em disfarces quanto qualquer personagem de circo e faz muita coisa ruim para poder ter mais luzes direcionadas para ela.
Não me importo. Sou feliz sendo a bailarina que monta a cavalo, o trapezista, o mágico.
Porque o que me enche de vida ainda é a ingênua alegria que sei brotar dos muitos corações que, do jeito que sou, faço parte.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Homo Modernus


É, o ser humano evoluiu e as sub-espécies surgiram:

Homo Meu Umbigus: Este descobriu o poder da individualidade e se jogou no egoísmo existencial. Só pensa em si, só ouve a si - mesmo fingindo ouvir os outros - só fala de si e pensa que sem ele o mundo não continuaria.
Homo Fingidus: Finge ser seu amigo, mas na verdade, não está nem aí. A amizade só funciona quando você é quem estende a mão e a recíproca não é verdadeira.
Homo Espertus: Da mesma descendência dos Gersons - leva vantagem em tudo e se acha mais inteligente do que todos.
Homo Fantasiosos: Vive na terra da imaginação, e não consegue aceitar que a realidade dos outros possa ser diferente da dele. Geralmente mimado, tem tudo ao seu alcance e acredita que Peter Pan já existiu em carne e osso.
Homo Odiosos: Este não vive, odeia. Odeia a sogra, o vizinho, o padeiro, o carteiro, a família. Todos estão errados, mas ele tem sempre razão.
Homo Cruelus: Depois de caminhar de quatro e se erguer na superfície da Terra, passou a odiar tudo que lembre que ele também é bicho, por isso maltrata, extermina e abomina os animais de qualquer espécie.
Homo Desligadus: Vive no mundo da lua. Para na frente dos que caminham, dirige de um lado para o outro, conta repetidas vezes a mesma história e obriga todos os colegas de trabalho a trabalhar o dobro por sua causa.
Homo Pegadorus: Como é espécie quase em extinção, tem pose de Puro Sangue e carrega um lencinho para secar a Testosterona que escorre na testa. Passa pelas fêmeas de cabeça erguida, não dando mole para não perder o ar de troféu.
Homo Endinheradus: A sub-espécie mais dominante do Planeta, flutua a 15cm do chão, olhando de cima. Seu lema: Todo mundo tem um preço. Sempre está acompanhado de fêmeas jovens, com características exacerbadas de boas reprodutoras e um monte de outras sub-espécies que vêem nele, um deus.

sábado, 8 de setembro de 2012

A Árvore dos Sonhos


Então, devagar ela se aproximou da Árvore dos Sonhos, que era cuidada por um cisne azul cintilante.
A Árvore se erguia frondosa da terra, com um tronco denso cheio de nós e uma copa que brilhava, reluzindo sonhos brotados em galhos.
"Tenho o direito de escolher algum?" - perguntou a moça de saia rodada e laço no cabelo, que vinha do mundo que não tinha árvores.
"Os sonhos são muitos, pode escolher qualquer um. " - disse a ave.
"Mas, sabe, não sei escolher sonho, pois nunca tive algum."
"Existem muitos que não tiveram sonhos, menina, mas quando se aproximam da Árvore, sabem reconhecer o seu, mesmo ele estando escondido entre os galhos."
"Por que eles não tiveram sonhos?"
O cisne ajeita as imensas asas no corpo e fita a menina com olhos de bolitas marrons:
"Porque Os Adormecidos não sonham acordados, eles realizam tudo no descanso dos seus olhos. Mas para se ter sonhos de verdade é preciso acordar, caminhar até a Árvore e pegar o seu."
"Mas é muito longe, fiquei tão cansada."
O cisne dá uma risada, quase um grasnado:
"Vocês da Terra sem Árvores não sabem escolher sonhos de verdade, porque vocês querem apenas as coisas fáceis e sonhos de verdade são difíceis de alcançar. "
"Por serem longíquos?" - pergunta a menina.
"Não, por serem especiais. As coisas especiais sempre se escondem de vocês, porque se estivessem a disposição, se fossem muito fáceis perderiam o encantamento e ninguém as consideraria especiais, mas banais. Por exemplo: a chuva é muito especial e é um sonho para as plantas e as flores. Para vocês só é sonho quando, ofendida, ela para de acontecer."
"Eu quero um sonho para mim."
"Feche os olhos e tente ver o que você queria quando ninguém estava lhe julgando. O que As Vozes lhe diziam quando você não as silenciava com os seus planos. Agora, de olhos fechados, estique o braço."
O braço da menina se esticou, os seus dedos se abriram e ela pôde sentir o vento suave do farfalhar da Árvore quando conseguiu envolver com a mão um sonho brilhante.
Ela o levou até o peito, o reconheceu e chorou:
"Não era este que eu esperava pegar" - disse engolindo um soluço.
O cisne azul apenas sorriu.
Na Terra sem Árvores, a menina de laço no cabelo guardou o sonho que não queria no armário.
E muito tempo se passou. Ela teve muitos outros sonhos - não os da Árvore dos Sonhos - realizados em suas mãos e se tornou uma mulher. Esqueceu-se do cisne e de seu sonho guardado e tratou de viver os sonhos mais fáceis, os que ela esperava, os que ela sabia serem seus.
Um dia, a mulher que já havia tido um laço no cabelo e que havia esquecido do cisne azul ficou com receio de envelhecer, pois tinha muito medo do espaço vazio que ela tinha preenchido com coisas invisíveis. Cansada, foi remexer nas fotografias antigas, relembrar tempos passados em um presente que não a fazia sentir-se viva.
Então, escondido no armário, difícil de ser achado e reconhecido, estava seu sonho. O brilho era ofuscado por muitas camadas de pó, mas ele ainda aquecia sua mão, ao ser pego. Ela assoprou forte. Ele voltou a brilhar. Ela o reconheceu e sorriu. Um riso de aceitação e de lembrança:
"Não, por serem especiais. As coisas especiais sempre se escondem de vocês, porque se estivessem a disposição, se fossem muito fáceis perderiam o encantamento e ninguém as consideraria especiais, mas banais. Por exemplo: a chuva é muito especial e é um sonho para as plantas e as flores. Para vocês só é sonho quando, ofendida, ela para de acontecer." 
A menina que já era mulher pegou seu sonho de verdade e conseguiu finalmente ser feliz.
O cisne, com suas imensas asas, ao lado da Árvore dos Sonhos, sorriu.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Iogurte Natural

Homens, vocês merecem a minha admiração.
Criaturas objetivas, com poucos nós para serem desatados, parceiros de verdade dos seus amigos, seres simples - quase um iogurte natural. E como todo iogurte, muitas vezes amarguinhos, de gosto forte, mas nada que um abraço adoçado não resolva.
Aliás, quase tudo se resolve com muito carinho, pois homem que é homem se derrete com afagos femininos.
Peço perdão à vocês por sermos tão sensíveis e fazermos a vida de vocês tão difícil quando não compreendemos o peso das suas palavras.
Porque palavra de homem é mais "testosteronizada" e vem como vento forte, desarrumar nossos sentimentos. A gente sofre quando ouve aquele monte de coisas impensadas e de donzelas nos transformamos em bruxas malvadas, vingativas, choronas e enlouquecidas. Porque levamos para o resto das nossas vidas a lembrança de quando vocês criticaram nossos cabelos, nossa maquiagem e nossas gordurinhas sobrando. Não somos como os seus "brothers" que vocês chamam de velhos, gordos e acabados, dão uma pancada forte nas costas, se abraçam e caem na risada.
Queríamos ter essa autenticidade humana, ter feito guerra de cuspe na infância (e de outras coisas piores), ter liberdade de namorar muito e não sermos chamadas de fáceis.
Queríamos ser lindas sem rímel, sem batom na boca, com os cabelos grisalhos e rugas no rosto.
Queríamos desesperadamente não sucumbir ao prazer de nos colocarmos na posição de vítimas em tudo, nas injustiças sociais e nas pequenas mazelas do dia a dia, fazendo-os culpados por crimes que vocês nem sabem que cometeram.
Registro com estas palavras o que gostaria de já ter dito à tantos homens, mas não o fiz. Pois mulher pensa muito, revira sua espontaneidade com a dura colher da auto crítica e deixa passar tanta coisa bonita por medo de ser ridícula. Por medo daquela entrega que vocês sabem fazer tão bem, quando desarmados - porque homem só se arma de arma de verdade e para os violentos só reservo meu desprezo. Já mulher tem arma engatilhada na mente e no coração, pronta para ser descarregada.
Homens, tão diferentes, mas tão queridos por nós.
Peço à vocês minhas desculpas em nome de todas as mães desatentas, amigas exigentes, namoradas ciumentas, chefes de TPM, filhas mimadas e birrentas, esposas complicadas, amantes traidoras, professoras megeras.
Vocês não são perfeitos, mas à vocês - por merecimento - foi dado o dom de aprender a exercitar, sem culpa, a felicidade.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Obtusos

Quando penso que sei, o saber escorre feito água, esfriando meus dedos que se contentam em fechar-se.
Pensei que soubesse um pouco, mas me engano nesse jogo chamado vida.
Errei as cartas.
Sou ingógnita e Coringa para mim mesma.
Sou capa ilustrada com nuvens cinzas e densas para tantos e acreditei ser flores coloridas de azul turquesa.
Queria ser contos de fadas, mas me descobri drama. Ou, talvez, me descubra comédia, depois de alguns anos, quem sabe?
Tantos carrascos que já juraram serem pais protetores. Tantos cárceres confundidos com lares, madrastas malvadas com mães de verdade.
Quem somos nós, quem és tu?
Talvez estejamos todos longe do que achamos que somos e nosso pecado ou acerto seja maior do que julgamos, pois os espelhos andam obtusos e os angulos não podem mais ser medidos com precisão.
Nada mais é claro, específico. Tudo depende do ponto de vista e o ponto de vista anda bastante flexível.
Porém, me acostumei com peças quadradas que se encaixam em buracos quadrados também.
Perco o foco quando o quadrado pode ter cada canto um pouco lixado para se fazer caber em orifícios redondos.
Porque me é difícil aceitar que sou verde quando nasci para ser vermelha.
Culpa dos outros?
Não, apenas da minha limitada capacidade de aceitar que a imagem que vejo no espelho não é o real reflexo do que sou de verdade.

Inferno : Embarque Imediato


Acredito que aqueles que inflingem o mal, garantem sua passagem de primeira classe para o inferno. E como inferno, entende-se:
Fogo e Diabo para os católicos;
Energias negras  para os esotéricos;
Lugar de tortura das pessoas iníquas para Testemunhas de Jeová;
Plano espiritual inferior para os Espíritas;
Oito infernos quentes, oito frios e mais dois infernos que são, na verdade, duas subcategorias de infernos para os Budistas;
Conscientização Pupulacional para os Petistas;
Consciência de que Deus não é ele próprio para os Advogados e Médicos;
Crença que Deus pode amar a todos - mesmo os que não frequentam a igreja - para os Evangélicos;
Falta de virgens para os islamitas;
Não ser ele mesmo para os Judeus.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Depressão

Segunda, terça, quarta, quinta. Me repito em dias, simulando sorrisos. Ando em cápsulas a prova de sons bonitos como risadas que me soam longíquoas e exageradas. Vai chover ou fazer sol? Tenho uma capa grossa, impermeável, resistente à esperança. Olhos que assistem ao vai e vem das pessoas que andam e não chegam, pois não param de andar em algum tipo de busca que não compreendo. Para elas faz sentido? Os astros prometem ótimos negócios para quem não tem os olhos marejados. Estão lançado um monte de coisas novas, até pessoas que se lançam das janelas. Dizem que tem muita coisa maravilhosa acontecendo - a loira que pintou os cabelos, o jogador que assumiu a criança, o príncipe que andou se esbaldando sem roupa. Eu, cega para as conquistas do mundo, com a alma que só se aquieta com alguns piados que não dizem palavras. Mas não se pode ser triste, triste não está na moda, ainda mais com tanta gente se superando, apesar das desgraças. Era moda, eu acho, quando todo mundo fumava. Era bonito se entristecer com um copo na mão e fazer música, hoje não pode, não. Hoje é tudo uma explosaõ de cores e frases lindas no Facebook - corra atrás dos seus sonhos, busque, acredite, escale, atropele, se for preciso, mas não desista nunca. Todo sorriso é muito branco. Toda a conquista é um alvoroço, um show de fogos de artifício. Todo mundo é grande, com carros grandes, grandes ocupações, grande falta de tempo, grandes eventos que são postados, twitados, compartilhados. Sobra um purê de gente pequena esmigalhada por tanta grandiosidade. Chorar pode dar cadeia na Terra da Felicidade Comprada. Mas o piado não se compra, nem as orquídeas que, vejam só, estão todas brotando no meu jardim que é onde me sento, depois de tirar minha capa grossa e impermeável, resistente à esperança. E ali não tem segunda, terça, quarta e quinta, mas tem grama nova surgindo, sol morno pra aquecer o meu corpo despido das cápsulas a prova de sons bonitos. Sorrio.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ele Não Gosta de Unhas Vermelhas

Quando conheci meu marido, eu recém havia feito um permanente nos cabelos e eles estavam deliciosamente crespos, como eu sempre sonhei. Começamos a namorar e ele me confessou que amava cabelos lisos, portanto resolvi deixar os meus crescerem - adeus cachos. Quando, depois de muito tempo e muitas aparadas nas pontas, meus cabelos finalmente estavam escorridos, ele rasgou elogios para os lindos cabelos de uma amiga. Adivinhem? Crespos. Pois é, hoje acho graça, mas minha loira cabecinha de outrora ficava toda confusa, até eu amadurecer (ah, a maravilhosa maturidade!) e entender que homem adora reclamar de coisas que nem eles sabem direito opinar, mas que lhes confere autoridade e controle. Porém, por mais que mudemos para satisfazê-los, nunca conseguiremos ser exatamente tudo o que eles esperam de nós (ainda bem), pois as expectativas não condizem com a realidade, mas com fantasias suprimidas e inconscientes de uma mulher ideal e inexistente. Na verdade, estas intromissões no modo como nos vestimos, na cor dos nossos esmaltes, no corte do nosso cabelo, são pequenas manisfestações que lembram à eles mesmos o quão Machos Alfa eles podem ser. Já vi muitos homens brigarem por causa das unhas vermelhas das namoradas e elogiarem as mãos alheias enfeitadas de vermelho vivo.
Tudo isso me lembra a cena de um filme, estrelado pelo ator Eddie Murphy - Um Príncipe em Nova Iorque - onde, antes dele partir para uma viagem onde iria encontrar o amor da sua vida, ele e sua lindíssima noiva, batem um papo revelador, na intimidade de uma salinha.
Acontece mais ou menos assim: Ele, arrebatado pela beleza da jovem pretendente, a chama em particular para conhecê-la melhor - seus gostos, sua personalidade. Ele pede para ela revelar suas preferências e ela afirma gostar de tudo o que ele gosta. Porém, ele é insistente e pede que ela apenas defina alguma coisa, mas ela insiste na resposta :"Gosto do que você gostar". Já assustado e indignado, em um teste final, o rei pede para ela imitar um macaco - imediatamente ela começa a pular, a coçar a cabeça e a guinchar. É nesse momento que ele decide cair fora.
Não existe beleza ideal, personalidade ideal, relacionamento ideal - existem pessoas com gostos divergentes, personalidades complementares que devem, sim, muitas vezes mudar para agradar, mas que devem sempre tomar muito cuidado para, cada qual, respeitar as suas individualidades, sem sinal de rancor possessivo.
É o que você realmente quer? Vá em frente. Está em dúvida? Não custa acatar uma simples opinião, se for para fazer um agrado.
E isso vale para cada esmalte de unha, saia curta, cabelos lisos ou crespos ou grandes decisões - tudo que pode ou queira ser mudado - tudo que interfira na sua felicidade individual ou que possa ser aceito para melhorar a felicidade a dois.
Eddie Murphy acaba no filme com uma mulher muito diferente da deslumbrante princesa - uma plebéia cheia de personalidade.
Que sirva de lição.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Sonhos Impublicáveis


Certa vez, alguém me disse: "O que tu esperas da vida? Que de repente algo lindo aconteça e tu saias deslizando por um mundo macio?".
Por que não?
Eu não posso sonhar com isso? Posso e quero, sim,  idealizar um mundo macio em que eu possa deslizar, onde as coisas boas acontecem em detrimento das más. Quero poder ficar imaginando que, mesmo eu tendo a felicidade que mereço, algo estupendo irá acontecer, algo que  me pegará de surpresa e eu serei só arrebatamento. Tenho o direito de fantasiar o que eu quiser, mesmo eu estando com noventa anos. Mesmo estando feliz em um relacionamento, eu gosto de me ver em sonhos de contos de fadas, onde o meu salvador é perfeito (mesmo eu não sendo), onde só existe amor, dias ensolarados e passeios de mãos dadas. Posso e quero idealizar uma versão brilhante de mim mesma, ganhadora de um Pulitzer, assinando orelhas de livros, vivendo daquilo que mais amo fazer. Deixa eu amaciar a dureza da vida, piscando para a criança boba que em mim habita. Se posso deitar à noite e viajar por países que ainda não conheço, experimentar satisfações inofensivas em devaneios, vou eu escolher pensar em eleições, roubalheiras, injustiças? É preciso sentir vergonha por se ter sonhos, que de tão remotos, se tornam pueris? Pois não tenho. De olhos abertos, imagino cada detalhe do sítio que abrigará meus animais de rua, cada casinha, cada telhado. Aí, no final do dia, depois do trabalho que amo, vou lá acariciar o pêlo arrepiado de algum cão ou gato que tenha sido abandonado, mas que esteja agora redondo e perfumado. Vou, de olhos abertos, imaginar o mundo que eu quis para mim, sendo herdado pelas minhas filhas, que levarão meus netos em visita e me contarão como as coisas andam bonitas, seguras e felizes. E vamos comer bombons e as crianças vão folhear cada livro por mim publicado e perguntar: "Esse aqui é o teu preferido, vovó?". E vou estar feliz e de mãos dadas, não com o príncipe que vez ou outra me salvava, mas com o homem  que sempre foi meu amigo de verdade.
Sim, eu posso ter sonhos impublicáveis de tão descabidos, mas são meus e são deles a minha alma.