quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Por favor, me traz um duplo?


Se é coisa que gosto à beça é observar a vida. 
Que tipo?
Animal, mineral, vegetal, selvagem, doméstica?
Todas.
Gosto tanto de observar quanto de escrever e essas duas coisas andam de mãos dadas, pois, mais cedo ou mais tarde, escrevo sobre tudo que vejo.
Os garçons me dão um prato cheio.
De comida e de palavras.
Adoro a maneira como eles interpretam e conceituam os seus clientes através dos pedidos.
Sento com uma amiga em uma mesa de bar para um alegre happy hour.
Ela, mais exuberante, mais alta, mais bonita.
Eu, sacudindo os pés no ar por não ter a constituição certa para um banquinho.
Fazemos o pedido.
Tudo que for mais apimentado, mais alcoólico e mais quente vai parar na frente dela e como gosto de tudo que é mais apimentado, mais alcoólico e mais quente vamos, invariavelmente, ficar trocando os nossos itens na mesa.
"Nanica metida à forte, essa" é o que diz o olhar do moço quando ele vem recolher os esqueletos.
Com uma companhia masculina, então, rolo de rir já antecipando o preconceito dos meninos (e meninas, pasmem!) estampado na entrega dos comes e bebes.
Limonada Suíça? 
Aterriza na minha frente, mas era pra ser na dele.
Café expresso vai pra ele, mas era pra mim.
Salada?
Eu.
Massa de montão?
Ele.
Um chope para ajudar na digestão do imenso prato de macarrão?
Ele.
E dá-lhe troca, troca.
Dá licença?
Tem mulher que dirige pra caramba, dorme depois do sexo, bebe whisky sem gelo, pilota jato, preside empresa e, de quebra, chora nos desenhos da Disney. Gosta de flores na roupa e na casa, cozinha para quem ama.
Tem homem que faz as compras do supermercado, adora escolher os vestidos da amada, cuida das crianças, chora em filmes românticos, gosta de conversar depois do sexo e, de quebra, abre a porta para elas entrarem.
É, perguntar não custa nada.
Esperar pelo improvável é difícil.
Aceitar o diferente, o pouco comum, é quase impossível.
Está na hora de abrir um pouco os olhos.
Não apenas vocês, queridos garçons.
Nós.
Antes de nos acostumarmos aos padrões, ao esmagamento e às limitações da sociedade.
Essa mesma que anda em fila feito bois indo para o abate.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Minhas Mulheres


Não amo todas as mulheres da minha vida, mas amo, sem reservas, as duas que moraram dentro mim por um tempo.
Elas encabeçam a lista de agradecimentos e pedidos nas minhas orações, me deram um sentido real à existência, fazem eu rir em proporções imensamente maiores do que chorar. E, se choro, não choro por mim, choro por elas.
São a bússola da minha jornada.
São parceiras neste tão complicado existir feminino.
Porque ser mulher não é nada fácil e ser mãe de mulher exige um diploma a mais na carreira da vida.
Como animais que somos, estamos sujeitos à um certo nível de competitividade quando se trata de dividir o Todo com um sujeito do mesmo sexo.
Não chegamos ao ponto (ainda) de mostrar os dentes ou delimitar território com a urina, mas temos (e como) diversas formas de marcar a nossa presença nessa luta pela continuidade.
E a luta acontece dentro da nossa casa justamente para que possamos aprender com os erros e acertos dos nossos pais.
A repudiá-los e não copiá-los ou nos servir de exemplo.
Muitas vezes, nessa batalha surge a doença - e haja mãe competitiva, invejosa e sabotadora - mas não sendo eu uma doutora na área da mente, me abstenho de desenvolver este assunto que rende, no mínimo, um livro.
Falo daquela corda bamba em que todas as mães andam, mas que às mães de mulheres foi acrescentado uma malabarismo extra com bolinhas coloridas.
Seria muito relevante para a saúde mental mundial que todas as mães de meninas entendessem que estão lidando com elas mesmas, em todas as fases do seu próprio desenvolvimento.
Vamos, todas reunidas, entrar na TPM. Vamos querer proteção, abraços e beijos. Vamos nos ressentir mais com palavras não pensadas. Vamos nos reunir para não entender os homens e nos reunir para acusar as nossas próprias fraquezas.Vamos nos sentir mais responsáveis e também mais injustiçadas. 
E vamos sentir tudo isso, de preferência, ao mesmo tempo. Cada qual no seu papel, que fique claro.
Uma casa com filhas mulheres tem muito mais gritaria, histeria, choradeira.
Mas também tem mais beijo, abraço, pedidos de desculpas, lágrimas de remorso, a consciência da dor profunda e bonita de existir.
E pilhas de absorventes nos armários da dispensa.
Filhas mulheres não pensam que suas mães são como as heroínas de contos de fadas porque, diferente dos homens, sabem que todos os atos heroicos que realizamos, todos os dias, são parte do cenário.
Filhas mulheres criticam a nossa roupa, mas nos ajudam na produção espetacular para uma festa de fim de semana.
Dizem que a gente enche o saco com um sorriso nos lábios, pois encher o saco está inserido no contexto feminino e elas sabem.
Uma mãe de menina, penso, sempre entenderá melhor uma outra mulher.
Entenderá mais que uma vida plena não depende só da plenitude no trabalho, no dinheiro, na construção ávida e focada do futuro.
Saberá mais sobre sentimentos.
E o quanto eles orientam as nossas vidas.
A dos outros.
Obrigada, filhas.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lições


A nossa felicidade jamais pode sacrificar a felicidade alheia. Jamais.
Se precisarmos esmaecer a alegria de viver do outro, para que a nossa possa reluzir feito sol de verão, estamos fabricando a felicidade errada.
E, se não nos importarmos em impor sacrifícios em prol de nossos interesses, os nossos valores estão equivocados.
Uma Yuka, certa vez, me ensinou muito sobre egoísmo.
Sim, aquela frondosa planta de tronco rugoso e folhas lineares e eretas que se projetam como espadas verdes, apontando para o céu, em forma de roseta.
Um dos meus grandes prazeres é degustar o espetáculo que um pequeno jardim pode proporcionar, todos os dias.
O meu coração se enche de alegria ao ver o incessante desfolhar, brotar, renascer, farfalhar das vidas que são silêncio e arrebatamento.
As plantas nos dizem muito sobre elas mesmas em seus diversos ciclos e fases.
Sentar e olhar para o jardim, sempre foi uma maneira de eu restaurar forças.
Principalmente, admirar uma das plantas mais enérgicas ao crescer, impetuosas ao florescer e fortes ao existir.
A Yuka.
A cada primavera ela aumentava, crescia, espalhava brotos pelo caule grosso, se jogava ao sol e ao vento com a coragem que não temos.
Resistente, verdejava depois dos temporais, se tornando mais linda e saudável.
Olhar para ela me fazia um bem tão enorme que a coloquei (com a ajuda de várias mãos) dentro de casa, para poder melhor desfrutar do meu contentamento.
A primeira folha a cair foi a primeira palavra não dita de que as coisas não iam bem.
Fingi não me preocupar, afinal eu sabia que Yukas podem viver dentro de casa.
Ela não gritou na forma de um desfolhamento histérico, nem curvou o tronco rijo em protesto. Não morreu, não sucumbiu.
Mas perdeu a exuberância no existir.
Se contentou com a privação, continuando viva.
Mas jamais tão bela.
Eu tinha a alegria de vê-la mais, mas a tristeza de vê-la sendo apenas uma parte do que era.
Um dia, incandescida pela consciência do quão egoísta eu havia sido, arrastei-a sozinha para a rua. 
Com remorso, vi  o ressurgimento lento da sua alegria.
Pois a recuperação foi lenta, como ensinamento daquelas coisas que os homens nunca nos ensinam.
Enquanto escrevo, posso vê-la pela janela, sendo o que sempre foi.
Brilhando em um dia de sol.
Na rua.
Como uma Yuka deve viver.
Sem os caprichos de quem a alimenta.
E a ama.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Café


Ele estava recém separado e andava no mercado das saias, por assim dizer.
Circulava pelas redes de relacionamento como lobo no inverno, farejando.
Até que a encontrou.
Ela, antiga namoradinha do colégio, mãos dadas e selinho eram as memórias amorosas de ambos.
O perfil dela no Facebook era aberto ao público e ele pôde dar uma boa conferida no que o tempo tinha feito com as suas curvas.
Nada mal, nada mal mesmo, inclusive ele, o tempo, tinha talhado melhor certas redondezas da carne.
Rosto ainda agradável, cabelos ainda compridos, olhos ainda com o brilho e a esperteza de olhos de corsa.
Tudo Ainda, exceto um pequeno detalhe.
A solteirice.
Era casada e bem casada, diziam as fotos de seus diversos álbuns virtuais.
Mas, conversar com ex pode, não pode?
Ainda mais (principalmente por isso) quando o passado foi tão pueril e as coisas foram suaves, os toques e os beijos brandos.
Ele começou devagar.
Um convite para amizade aceito.
Curtidas, comentários pertinentes (nas fotos dos filhos e do casal), risadinhas kkkkk e silêncio na hora certa.
Ela, depois de tanto tempo, ficou curiosa por saber o que ele, o tempo, tinha feito com ele, o ex.
Mas diferente dele, o ex, ela queria saber se ele estava feliz, casado, com filhos, realizado nessa vida de anos que passam demais.
Uma amizade virtual sem riscos.
Para ela, pois ele ia devagar, mas focado no que viria a seguir.
E o que veio a seguir, foram mensagens inbox, com comentários mais íntimos e curtidas mais escancaradas do que aquela mãozinha de polegar para cima.
Os kkkk viraram carinhas sorridentes, carinhas com os olhos feito corações, bichinhos fofos, carícias subliminares.
Para ela, o limite tinha dado o ar da sua graça, faça-me o favor, e era feliz, muito feliz para riscar fora da caixa.
Para ele, mais um passo dado, mais uma pegada na neve que se aproximava de outra pegada mais frágil e arredia.
O ex não entendeu que a ex estava sendo condescendente nos saltitos de macho alfa dele, mas que, não senhor, não era uma abertura da toca e um convite ao banquete do lobo.
Ele, já sentindo o cheiro fresco da carne, resolveu mostrar os dentes e salivar um pouco mais, afinal, antecipava a sensação gostosa de uma barriga cheia.
A convidou para um café.
Todo mundo sabe que um café desfrutado por um homem solteiro (e na caça) e uma mulher casada (e com a intenção de permanecer casada) coisa boa não há de ser.
Ela não era nenhuma debutante e ele nenhum puxador de barbante com um caminhãozinho na outra extremidade, portanto ele fez o convite, acrescentando um porém, no final, para tudo ficar menos óbvio.
"Vamos tomar um café? Sem compromisso."
Ela odiou esse convite que fingia ser o que não era.
"Sem compromisso" significava o que, homem de fé? Sem necessidade de coito iminente pós café? Sem necessidade de pagar a conta? Sem horário marcado? Sem casamento marcado para dois dias depois? 
Já cansada de tanto assédio disfarçado, ela resolveu marcar o café.
Ele lambeu os beiços. Colocou a melhor roupa, borrifou o melhor perfume no peito, lascou uma pomada nos cabelos e no dia e hora marcados foi, cantarolando Cat Stevens enquanto dirigia o seu Mercedes 270 financiado.
Esperou por duas horas, tomou quatro cafés, esculhambou o cabelo com pomada (de tanto esfregá-lo sofregamente), pagou a conta, foi embora e riscou ela da sua lista de amigos no Facebook.
Partiu para um próximo ataque, fazer o que?
Ela, aliviada, no final das contas até que desfrutou do Café sem Compromisso.
Sem Compromisso de Aparecer.




domingo, 16 de novembro de 2014

Minhas Pontes


Deixo para atravessar cada ponte quando ela aparece na minha frente.
Assim mesmo.
Não planejo muito nessa vida.
Não sou de sentar com as pernas cruzadas, no chão, e colocar no colo planilhas e mapas que sirvam para facilitar o meu percurso.
Simplesmente vou.
Não postergo a felicidade, nem antecipo a devastação de um Tsunami iminente. Quando ele chegar, vou estar de pé, deitada ou seja lá como for e recolherei os meus cacos depois. 
Trago a felicidade de baixo do braço, na forma de luzinhas de Natal, de deslizar os pés em um tapete felpudo, de enfiar o meu nariz no pescoço de cheiro familiar.
Aquela viagem, aquelas férias, aquele bônus ou encontro serão alegria no momento de acontecerem e, enquanto isso, a minha vida tem que ter graça como deve ter graça a segunda feira e não somente os finais de semana.
Se não tiverem, arrumo uma forma para terem.
Não vivo de sonhos belos e distantes, vivo de pequenas fantasias que visto no meu dia a dia, trazendo um pouco de irreverência à sisudez do tic tac do relógio que não pára.
Certa vez, confessei meus pequenos prazeres em estar viva à uma pessoa que me ouvia. Quando terminei, ela me olhou em silêncio por um tempo e depois disse que eu me contentava com muito pouco.
Pensei, depois disso, se eu seria mais feliz comandando um monte de funcionários, dirigindo uma empresa. Se eu seria mais feliz distribuindo autógrafos, fechando grandes negócios, arrematando obras de arte.
Apenas pensei, pois não era nada disso que eu queria fazer no momento e se cheguei aonde estou, estando feliz com o que consegui, não vou perder tempo elaborando como seria um momento que não vivi.
O hoje é hoje.
O amanhã é uma ponte que ainda não chegou e quando chegar, vou atravessar.
Assim mesmo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sombras


Ele encontrou-o assim.
No meio de um nada existencial.
Em meio à dor da miserabilidade humana.
Respirando.
Mas com a cabeça submersa.
Sentado no breu da noite.
Rindo de dois cães esquálidos que se divertiam torturando um ratinho branco, daqueles de laboratório.
O visitante não se surpreendeu com a crueldade, pois já tinha visto coisas piores.
Não se surpreendeu tampouco quando o homem vestido de escuro, arremessou um dos cães contra o muro.
Apenas tratou de acariciar cada costela intacta, silenciando o ganido mais de tristeza do que de dor.
Esse, o visitante levaria mais rápido, o abrigaria ainda cedo e faria dele, e de muitos outros iguais, uma ausência de choro.
Mas não ainda, eles teriam que suportar mais um pouco.
Já o homem, ele acompanharia por muito tempo.
E veria ele virar camundongo em cada tortura impelida por tantos, veria ele ser arremessado diversas vezes contra paredes e muros.
Veria os seus passos sulcando o chão com pisadas de piche, mas sem rastros, nem marcas.
O agasalharia no frio extremo, mas apenas o suficiente para não permitir que ele descansasse.
Não era tempo de descansar, mas de entender.
E se o entendimento e a compreensão não viessem, o visitante viajaria sozinho.
Se a mão que ele pousava no ombro não restaurasse as fissuras, não consertasse as rachaduras, ele partiria sem companhia.
E o encontro deles não seria breve.
Mas, um dia, o homem olhou para a mão que não enxergava.
Mas enxergou o que sentia.
O que era.
Chorou com o peso de existir na crença de não crer em nada.
E cansado, arrependido, restaurado.
Partiu.
Não sozinho.
Pois ninguém parte sozinho.
Apenas os que não conseguem ver além da escuridão.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sexo e Felicidade


Essa onda de peladas me faz pensar.
Muitos acham o máximo essa demostração de pura liberdade, outros criticam a falta de controle dessa liberdade exacerbada de expressão.
Eu penso.
A sexualidade e suas façanhas...
O normal, principalmente aqui no Brazil, é se pensar que se é plenamente feliz quando se transa muito (conclui-se que crianças e idosos são seres profundamente infelizes).
Se fosse assim, as profissionais do sexo seriam as mulheres mais realizadas do mundo.
Mas essa lenda (e muitas outras ligadas à ela) persiste e é justamente por isso que ninguém mais quer envelhecer, pois a velhice representa a ausência total de sexo (com raras exceções.)
Mulheres e homens felizes são aqueles com todas as características de bons e perenes amantes, que incluí muitos músculos, muito bronze, muito cabelo comprido (nas mulheres, claro), muita grana (para eles ainda, claro) pro motel com espumante, muita roupa provocante, de grife, pouca gordura corporal no mesmo índice de bom papo e inteligência, porque não é bem o que interessa.
Estamos na era das quantidades.
De curtidas, de grana, de fãs, de "amigos".
E de sexo.
"Quantos você pegou?"
Já ouvi esta frase sair da boca de meninas e meninos que recém deixaram o babador sujo de caldinho de feijão, para ser lavado na máquina de suas mamães.
E, que fique claro, ouvi há muitos anos, dirigindo o meu carro na madrugada, ao ser a carona da hora depois de uma festa de pirralhos.
É boa a liberdade conquistada de transar cedo, muito, em lugares inusitados? A liberdade de transar por transar, de fazer número, de exibir os seus atributos sexuais ao bel prazer? 
Pode ser que sim.
Mas é mais feliz quem o faz?
Absolutamente não.
Assim como nem sempre os mais prefeitos anatomicamente são os melhores de cama, assim como os gordinhos e os feios são furacões sexuais (ah, não sabia, inocente?).
Assim como quantidade não tem nadica de nada a ver com qualidade.
Assim como correr pelada não tem nadica de nada a ver com liberdade.
Mas com desvio de conduta, problemas psíquicos, exibicionismo patológico (ou rentável, sabe-se lá) e por aí vai.
Sexo é bom?
Não.
É maravilhoso.
Mas quando ele foge do propósito, da essência da sua existência e serve como moeda, barganha, chantagem, histeria, mania, auto flagelo, enfim, quando foge da normalidade do simples prazer intenso e da intimidade gostosa entre dois, não é mais saudável, nem bonito.
É doença.
Quando se precisa provar, comprovar, alardear ou provocar é porque a coisa não anda muito boa.
E o que era para ser solução, virou problema.
Que pena.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Ele está indo.


Acredito que as pessoas que me leem pensam que sou triste e furiosa.
Não sou nenhuma coisa, nem outra.
Acredito que as pessoas que me leem pensam que gosto mais de bicho do que de gente.
Uma verdade não absoluta.
Amo as pessoas, mas depois delas debandarem da infância, muitas vezes, elas criam crostas e comportamentos que as distanciam do principal motivo de viver: a vida em si.
E isso me afasta delas.
Os animais são felizes pelo simples fato de estarem vivos, ao contrário de nós, que criamos pontes ao invés de desfrutar de um mergulho.
E não admito o não reconhecimento das bençãos diárias, por isso não tolero que, como forma de agradecimento, as pessoas não se doem ao máximo na tentativa de fazer o certo.
Para elas e para o mundo.
Os animais fazem o certo por instinto, esse que apagamos quando enxergamos um bolso na nossa calça, um pódio lá na frente. Ou, ao contrário, por um pódio ou por um bolso recheado viramos esses seres idiotizados que vivem se auto sabotando.
Os animais me encantam, pois são íntegros do começo ao fim de suas vidas, fazendo o que vieram fazer: preservar a sua espécie. Mas sem ganância, nem fúria. Apenas com as ferramentas que possuem.
E, sim, hoje estou triste.
Escolher viver cercada de animais, como eu, me fez enxergar o quão covardes, fracos e fúteis somos e o quanto exacerbamos os valores errados em prol de um copinho de espumante cara.
Meu cãozinho amado está morrendo.
E, o pior de tudo, tive que escolher a hora dele partir, pois apesar de lutar bravamente, o seu corpinho idoso está se entregando.
Amanhã, depois de todas as possibilidades, vamos nos despedir.
Porque, mesmo ele sendo esse exemplo de coragem, de falta de auto comiseração e de resistência, a infinitude, nesse planeta, não pertence à nenhuma espécie.
É só um cachorro, pelo amor de Deus, muitos pensarão.
Principalmente aqueles que não entendem o que não enxergam.
Essas conexões de vida e de energia, de troca, de vibrações que se escondem nos lugares menos óbvios, pois são para os olhos que só funcionam em sintonia com o coração.
Peter.
Esse Scottish Terrier que briguei em casa, para ter.
Que me deu muito e agora me ensina a ter coragem.
Coragem de não ser egoísta por deixá-lo parar de sofrer.
E corajosa por ajudá-lo à partir.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Não provoca que eu mordo.


Andam me acusando (justamente) de indocilidade.
Sim, senhora, estou passando por uma fase pessoal difícil.
A minha fase pessoal difícil. 
Sem muitos detalhes, pois já escancaro a minha vida o suficiente nessas palavras jogadas no branco de uma folha.
Quem tem sede busca a fonte de água.
Quem está indócil deve procurar a fonte de docilidade.
Onde, cidadão?
Se eu andar quatros passos fora do perímetro da minha casa, onde ainda (graças à Deus) consigo me alimentar de coisas doces como flores, bichos, filhos, ararinhas, sabiás, cheiro de grama molhada e horizonte aberto para o pôr do sol, como encontro essa fonte açucarada para adoçar o meu ranço?
Onde, por favor?
Na boa educação das pessoas? Nas gentilezas diárias?
Nas boas notícias de quem ninguém mais caça, rouba, mata gente, afoga filho, queima floresta? Na política? Na esperança de um país sério e justo?
Onde, por favor?
No altruísmo das pessoas, no excesso de riso e boa vontade?
Falem, pessoas adocicadas, de onde vêm tanta doçura?
E olha que eu tento!
Já me disseram que sou feito bola de borracha que se deforma, mas volta à forma rapidinho quando a pressão afrouxa.
Mas andam tentando espetar coisas afiadas na minha redondeza perene.
Porque fio afiado não falta.
E, para me defender, estou na fase da Jaguatirica, bicho arredio, solitário.
Antes a solidão do que a extinção.
E quem quiser me acusar de ser selvagem e indócil que me dê uma boa razão para ser alimentada pela mão de um homem.
Aquela que afaga e que mata.
E nunca sabemos qual opção será o cardápio do dia.

domingo, 2 de novembro de 2014

Rega Diária


O investimento em uma relação nunca acaba.
Quem pensa que terá uma amizade, um amor ou qualquer outra relação pessoal, investindo pesado na dedicação inicial e esquecendo de manter os cuidados, será alguém de relações que morrem prematuramente.
E o investimento compreende uma série de atitudes que devem ser moldadas, jamais padronizadas, conforme os sujeitos envolvidos neste interlúdio complicado que é a troca de afetos.
A dificuldade nos relacionamentos se dá justamente pela falta da leitura atenta das atitudes que os alimentam e daquelas que põe todo o investimento inicial pelo ralo.
Se tenho uma amiga que precisa se sentir sempre valorizada com pequenos elogios (provavelmente por ter a auto estima abalada) e consigo enxergar essa necessidade, não custa nada eu acariciá-la mostrando o quão bonitos estão os seus cabelos, a sua pele. Não irá me matar se eu, que sempre procuro ser absolutamente sincera, omitir que ela anda com olheiras terríveis, pois sei que essas olheiras não irão passar até o resultado do exame, que ela tanto teme, ficar pronto.
Se tenho um namorado que adora acordar tarde nos fins de semana, não vou ficar aporrinhando com barulhos discretos ( mas bem audíveis) na intenção de ter companhia cedo para o café da manhã. Ou vou adiar esse café para mais tarde.
São pequenos gestos, baseados no que conhecemos do outro, mas que, muitas vezes, por egoísmo, fazemos questão de desconsiderá-los. Ou os consideramos como fazemos com tantas outras coisas relevantes: de vez em quando.
De vez em quando não serve para o bom de uma relação, apenas para o ruim.
De vez em quando podemos ser meio traíras, grossos, chatos, interesseiros, porém, em contrapartida, não podemos ser amáveis, condescendentes, amorosos, interessados, atenciosos com quem amamos, só de vez em quando.
Preservar é se entregar.
Uma linda planta do nosso jardim morre se não lhe dermos água, poda, vitaminas ou terra fértil, exceto pelas mais rudimentares, pois essas não precisam de quase nada, nem de nós mesmos.
Sou um ser que ama conversar.
Sobre tudo, exceto política. Perco o interesse por quem só sabe fazer monólogos e discursos e me alimento da troca verbal tanto quanto da troca física.
Ora, se quem me ama está disposto que eu o ame, custa bater um papinho?
Acho que não.
Quando temos ciência dos fatores relevantes em uma relação, mas não temos saco para investir nas pequenas atitudes, ou estamos loucos que o amor acabe ou somos tão narcísicos ao ponto de nos considerarmos o melhor da relação.
Troca.
Eu lhe dou, você me dá.
A mesma coisa?
Não. Aquilo que nos faz felizes, mesmo que sejam coisas diferentes entre si, mas respeitadas entre ambos.

sábado, 1 de novembro de 2014

A vingança, a retaliação e todos esses prazeres amargos.


Fui ver pela segunda vez o ótimo Relatos Selvagens.
A primeira, seguindo indicação de uma pessoa que admiro e a segunda para levar pela mão quem eu amo, para que possamos dividir as lições que um bom filme ensina.
O enredo é pura vingança.
Selvagem, cega, obcecada. 
Não de ninguém especificamente, mas um basta, uma tentativa de libertação de uma asfixia da vida e de suas injustiças diárias.
Como o clássico Um Dia de Fúria, os atos de raiva não são necessariamente dirigidos à alguém especificamente, à um nome e um endereço, mas à um contexto onde calha de estar um sujeito ou vários, pela frente.
São surtos de cólera bem justificados pela causa, mas desmedidos no teor.
Levante a mão quem nunca teve vontade de descarregar (fantasiosamente) uma AK-47 no vizinho, no marido, na atendente de loja, no motorista retardado, na mãe, no pai ou em todos juntos (exceto e sempre exceto nos filhos, essas pestes que podem tudo)?
O filme trata, comicamente, desses pequenos surtos de cólera.
Se ri muito e se pensa um bocado.
Os atos revolucionários e as guerras são um exemplo de que, de vez em quando, um descontrole faz bem à humanidade.
Se cresce na dor do drama extremo, mas sempre existirão sacrifícios.
Quem se revolta com as injustiças mundanas e resolve arrancar na marra a passividade bovina dos olhos, ganha e perde.
Ganha por fazer outros tantos ganharem através dos seus atos, mas perde porque ninguém, absolutamente ninguém, sai ileso de medidas tão radicais.
Em dois momentos do filme parei de gargalhar para refletir.
Um quando o senhor, na fila dos guichês de um pátio de recolhimento de carros guinchados, conversa com o personagem injustiçado pelo sistema, que teve seu carro injustamente guinchado seguidamente e está prestes à se descontrolar. Ele diz, mais ou menos, isso: "Realmente isso tudo é muito injusto e sabemos que é uma máfia para roubar o nosso dinheiro, mas ou você trabalha um pouco mais e paga ou arrebenta o seu coração de tanta mágoa. Eu tenho muitos motivos para viver, quero velejar com meus netos, viajar."
O outro momento é quando a esposa desse mesmo sujeito, que está prestes à explodir um similar argentino do nosso Detran, lhe fala que a sociedade não vai mudar e ele não vai mudar, portanto está pulando fora do casamento.
E é isso.
É melhor ter razão ou ser feliz?
É melhor engolir alguns, vários sapos, com vinho tinto ou quebrar todos os pratos que fazem parte do nosso jogo de louça?
Ranger os dentes só os torna mais fracos.
Se estamos realmente dispostos à morder, se arrancar sangue de alguma carne é a nossa motivação para continuar à viver, que sejamos realmente selvagens, corajosamente revolucionários, vingativos, justiceiros.
Caso contrário, ficar postando "atos de revolta" no Facebook, ficar ameaçando, reclamando, alertando e enchendo o saco, só servirá para nos tornarmos extremamente chatos.